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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.2 São Paulo abr./jun. 2004

     

     

     

    PERCEPÇÃO DA CIÊNCIA

    Crianças refletem o imaginário social

     

    Embora o contato direto com a produção científica e tecnológica não seja experimentado por todos, cada um possui suas próprias imagens da ciência e da tecnologia. Buscar estes símbolos não é tarefa fácil. Em geral, questionários são empregados para extrair dados quantitativos, prioritariamente, de um público alvo determinado, mas muitas vezes a própria formulação das perguntas já induz as respostas. Para coletar impressões enraizadas na mente da sociedade, uma equipe do Laboratório Interdisciplinar da Escola Internacional Superior de Estudos Avançados, na Itália, trabalhou com crianças de 8 anos, já alfabetizadas e capazes de organizar um nível razoável de discurso, mas que ainda não expostas ao estudo de ciências. "Parte do imaginário [de ciência] se constrói nos primeiros anos da infância", afirma Yurij Castelfranchi, um dos coordenadores do estudo e atualmente pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.

    Assim, a equipe italiana, coordenada também por Daniele Gouthier, buscou na atividade lúdica uma forma de deixar as crianças suficientemente confortáveis para permitir o acesso a seu imaginário. "Não queríamos estudar a imagem tida pelas crianças, mas, por meio delas, analisar a imagem que a sociedade tem", explica Castelfranchi, sobre a hipótese que conduziu o estudo.

     

     

    Oito crianças por turma foram selecionadas ao acaso para construir uma história em que tivesse, obrigatoriamente, três personagens - uma criança de 8 anos, um cientista e um ser indefinido, classificado de um "não-sei-o-quê" – que, em um certo momento, enfrentariam um problema a ser solucionado em conjunto. Os personagens escolhidos, cada qual com seu propósito, aproximavam a criança da história, permitiam analisar o papel do cientista e davam asas à imaginação, por meio do ser imaginário.

    Diante de uma enorme folha de papel e munidos de lápis, canetas e giz de cera colorido, os personagens foram surgindo dentro de uma mesma história dinâmica e fantástica. De forma geral, os cientistas eram estereotipados como homens brancos, por vezes vestidos com avental, óculos, microscópios e de cabelos arrepiados. Surgiram também mulheres, geralmente desenhadas por meninas que pediam permissão para a escolha do gênero, evidenciando a consciência com a discriminação. Os "não-sei-o-quê" eram majoritariamente representados por monstros, inspirados em imagens midiáticas como Pokemón e Harry Potter.

    "O elemento mítico da ciência está bastante presente nos desenhos", diz Castelfranchi que, a partir das dimensões éticas, de poder e magia refletidas nas histórias, identificou alguns mitos bem marcados. Entre eles está o mito do fruto proibido, como descrito na Bíblia. Há também o mito do Golem, monstro de lama da mitologia judaica, fruto de uma criação humana que acaba fugindo de controle.

    As criações fantásticas eram sempre acompanhadas de momentos chamados de fase verbal, onde as crianças eram questionadas sobre o rumo e acontecimentos da história, quando surgiam conceitos científicos, como foi o caso de método, experimento, análise, modelo e hipótese, explicados de forma bastante elaborada.

    A pesquisa foi desenvolvida em seis escolas distribuídas igualmente na zona rural, na periferia e em centros urbanos no sul e no norte da Itália, mas não houve diferenças significativas entre as crianças dos diferentes locais. Os professores não participaram das atividades, uma vez que sua imagem, geralmente associada ao controle, poderia prejudicar o trabalho. A atividade, baseada na metodologia conhecida como grupo focal, teve uma duração média de uma hora, era orientada por um moderador incumbido de catalisar a interação das crianças, além de um observador, que analisava o comportamento do moderador e gravava as conversas em áudio.

    A última fase do trabalho desenvolvido com as crianças italianas incluía a proposta de redação de uma carta contando a crianças brasileiras como são os cientistas. Segundo Castelfranchi, esta fase era particularmente importante para que as crianças passassem da fantasia para a realidade, momento em que a compreensão se estabelece.

     

     

    A pesquisa desenvolvida com as crianças na Itália conseguiu detectar inúmeras dimensões da ciência, incluindo a de magia, poder e domínio, manipulação e transformação, ética (o cientista destruindo e salvando), prática e tecnologia (o cientista inventando e construindo), a do conhecimento (pesquisa e método) e também a social. Mas, diferentemente de pesquisas que analisam a percepção da ciência por adultos, em que os aspectos positivos costumam ser mais evidenciados – "adultos tem medo de contar a parte ruim da ciência" - no caso das crianças, os dois pólos da ciência, ou seja, o lado positivo e negativo, surgem simultaneamente, sendo que o lado mais obscuro – como o dos riscos causados e de cientistas serem super poderosos ou malucos — está mais visível. O coordenador da pesquisa explica que a visão que as pessoas têm de ciência não costuma ser maniqueísta, com a existência de grupos totalmente favoráveis ou contrários aos avanços da ciência. Mas, aproxima-se muito mais daquela revelada pelas crianças, em que se mostrou complexa e por vezes contraditória. Graças à abordagem sugerida pelos pesquisadores para a criação de uma história fantástica, o imaginário mais profundo que a sociedade tem da ciência foi trazido à tona.

     

    Germana Barata