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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.3 São Paulo jul./set. 2004

     

     

     

    HISTÓRIA

    Influência das novas tecnologias da informação na cultura

     

    O ataque terrorista de 11 de setembro, as imagens de Marte geradas pelo robô Spirit, a quarta edição do Big Brother Brasil, comprar pela internet. O que esses eventos têm em comum é o uso das novas tecnologias da informação, que proporcionam efeitos inéditos e conseqüências que vão além da tela do vídeo. Essas novas tecnologias provocam mudanças profundas, forjando novas concepções nas ciências humanas, como as de indivíduo, memória, leitura e escrita. Em sua tese de doutoramento na PUC-SP, "Cultura histórica e as novas tecnologias da informação", o historiador Raimundo Donato Ribeiro analisa artigos e entrevistas publicados na mídia entre 1995 e 2000 sobre novas tecnologias da informação e sua relação com as humanidades, filmografia tratando de questões sobre tempo, espaço e memória, e bibliografia sobre o assunto.

    Ribeiro enfatiza que a tecnologia deve ser um campo de estudo também das ciências humanas porque a técnica sempre emerge de um contexto, de uma historicidade e não é um sistema autônomo, separado do homem. A cultura histórica envolve as relações do homem com o seu passado. Ocorre que as tecnologias da informação estão modificando as relações do homem com seu passado, seu futuro e sua memória. Segundo o historiador, mais do que qualquer outra tecnologia em qualquer outra época, a da informação, acrescida da velocidade sem igual, altera, além da percepção do tempo e do espaço, também o imaginário de uma sociedade acenando para uma realidade virtual.

    Essa possibilidade é demonstrada, por exemplo, no filme americano Matrix (1999) que, na análise de Ribeiro, é uma representação utópica da homogeneização da sociedade. Em Matrix existe uma inteligência única que controla, vigia a todos e também integra e compartilha registros. As novas tecnologias trazem em si a idéia de que é possível universalizar o conhecimento, neutralizando as diferenças humanas e sociais. No que o autor chama de "utopias do futuro", a felicidade é dada pela capacidade de um número crescente de pessoas poder consumir cada vez mais.

    Uma característica fundamental dessas novas tecnologias é a aparente capacidade ilimitada de armazenamento de dados. Uma pesquisa da Universidade da Califórnia sobre o volume de informações produzidas no mundo mostrou que a quantidade dobrou de 1999 a 2002: de cerca de 2,5 hexabytes (2,5 milhões de terabytes) para 5 hexabytes. O estudo mostra que 92% dessas novas informações estão armazenadas em disco rígido, isto é, em mídia magnética. Essa capacidade infinita da ampliação da memória – embora contraditoriamente destituída de lembranças – nega o homem como suporte de sua memória. Contida numa máquina, ela se torna virtual e se afasta do indivíduo, tornando-se "memória-prótese", como qualifica o pesquisador.

    A "memória-prótese" acumula registros, mas a memória humana não se constrói com tal armazenamento. São necessárias conexões, ligações afetivas para que as lembranças ganhem sentido. Lembrar e esquecer são componentes do processo de atualização do passado. "Confrontamo-nos com uma nova possibilidade de memória que não é aquela calcada na tradição dos documentos e da oralidade, como também na seleção e no esquecimento (...), mas sim, a que oferece, pela rede, a capacidade da democratização das informações e de realização plena de um novo humanismo através das novas tecnologias da informação, da velocidade eficiente e dos bytes", explica o historiador. Para Ribeiro, a informática não é apenas tecnologia; trata-se de uma nova linguagem, capaz de oferecer uma memória informacional automatizada (a "memória-prótese"), introduzindo mudanças na construção da memória do homem contemporâneo e construindo um novo sentido para individualidade, podendo até destituí-la.

    Quanto à noção de tempo linear, há uma substituição gradual pela atomização do momento, do tempo presente. É como se o futuro já tivesse chegado. Mas, como imaginam alguns filmes de ficção científica como Star trek e Guerra nas estrelas, o futuro está sempre em outra galáxia, em outro mundo como se o futuro do nosso presente já tivesse se esgotado. Da análise do pesquisador surge a conclusão de que o futuro não é mais um alheamento. "Tentamos criar e nomear o momento em que vivemos, tarefa de que a história sempre se encarregou ao estudar o passado num dado presente. O homem medieval nunca se viu como medieval (...), nós, ao contrário, buscamos uma classificação que nos dê elementos não só para nos caracterizarmos hoje, mas também para projetarmos e controlarmos o futuro, no presente", explica Ribeiro.

     

    Patrícia Mariuzzo