SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.56 número3 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.3 São Paulo jul./sep. 2004

     

     

     

    MUNDO DO TRABALHO

    Mudanças geram impacto até nas relações pessoais

     

    Os efeitos da globalização e do uso intensivo de instrumentos criados pela tecnologia da informação não impactam somente o mundo do trabalho e o padrão de emprego. A sociedade como um todo se depara com enormes mudanças nas suas relações familiares e interpessoais. O resultado é que, hoje, o cotidiano da família se aproxima cada vez mais do ambiente do próprio trabalho.

    A primeira evidência é a repetição de alguns modelos de gestão empresarial levados para o ambiente do lar. As pessoas, como as empresas, passam a terceirizar de forma radical suas tarefas. As atividades domésticas e o transporte de filhos ou mesmo de parentes a passeios, a médicos ou a festas, por exemplo, há muito são contratadas nas classes econômicas com maior poder aquisitivo, afirma o sociólogo Ricardo Antunes, pesquisador da Unicamp.

    Devido à necessidade de demonstrar maior empenho no emprego, muitos profissionais ficam ausentes de suas casas na maior parte do tempo ou estendem seu trabalho para o lar. Apesar dos poucos estudos com esse foco, pesquisadores apontam que as relações familiares têm procurado se adequar a isso, principalmente para driblar a falta de tempo livre para a convivência entre pais e filhos.

     

     

    "A instabilidade e informalização do trabalho fez com que a vida das pessoas dentro de casa também se alterasse", diz Antunes. "A readequação dos laços de família é uma imposição das circunstâncias", ressalta. "Os filhos, por exemplo, têm de se habituar ao fato de os pais desaparecerem de cena durante uns tempos", relata a antropóloga Jan English-Leuck, da Universidade de San Jose (EUA), à revista portuguesa Grande Reportagem. Ela é autora de um estudo sobre a cultura do Vale do Silício, na Califórnia, sobre a implantação cada vez mais rápida de tecnologia no cotidiano das pessoas.

    COMPLEXO DE CULPA O alívio para a sensação de abandono que aflige as famílias veio com a popularização da expressão "tempo de qualidade", seja nos consultórios especializados em terapia familiar ou nas conversas informais entre amigos. O mais importante, teoricamente, não seria mais a quantidade de horas presentes na vida do filho e sim a qualidade desse tempo. Verdade? Há controvérsias. "Muitos hábitos e ações não são instantâneos, precisam de tempo para ser construídos. Não dá para ser pai ou mãe de minuto", diz a psicóloga do trabalho Ana Cristina França, professora da USP. "Pensamos que a qualidade é maior, mas não é. As relações estão mais desgastadas, esgarçadas e desumanizadas", completa Antunes.

    Além da irregularidade desse tempo de qualidade à disposição, muitos pais acabam conciliando encontros familiares com "contatos ou oportunidade de negócios". São os encontros com clientes no clube de futebol ou na apresentação de teatro do filho. "Mas os pais hão de encontrar um tempo (para seus filhos) porque todos os objetivos que se propõem a cumprir são encarados tal como qualquer tarefa de trabalho a ser executada", descreve a antropóloga Jan English-Leuck, ressaltando a semelhança entre o comportamento mantido dentro do ambiente de trabalho com o familiar.

    TECNOLOGIAS NO RELACIONAMENTO Outra similaridade é o uso de tecnologias para rastrear o que os trabalhadores – ou, no caso, os filhos – andam fazendo. A crescente tendência das empresas em utilizarem esses recursos para saber como os funcionários usam a internet, por exemplo, também está presente na relação entre pais e filhos. Celulares e bipes dão aos pais a sensação de que, mesmo ausentes, conseguem controlar a vida de seus filhos e estar por dentro do que acontece com eles.

    "O celular, por exemplo, só serve como uma forma de controle se houver confiança e qualidade de vínculo entre duas partes", diz Ana Cristina. Mas espionar filhos, recebendo um relatório periódico sobre o que eles andam fazendo, por meio de vários tipos de softwares – como child-safe, watch rigth, e-blaster e outros – já é visto por muitos como um abuso. "É evidente que um procedimento como esse pode gerar nos filhos um sentimento de profunda frustração. Isso é tão devastador quanto os que ouvem conversas telefônicas ou lêem diários dos filhos", considera o sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho e desenvolvimento institucional, em seu artigo "Espionando seus filhos", publicado no Jornal da Tarde.

    RELAÇÕES SUPERFICIAIS "Com o excesso de informações, de instrumentos tecnológicos e de horários sobrecarregados, as relações entre as pessoas acontecem com mais velocidade e com menos compromisso de continuidade", acrescenta a psicóloga Ana Cristina. "A linguagem e os conceitos empresariais são importados para as relações pessoais e recontextualizados na família", cita a antropóloga americana em seu estudo.

     

    Gabriela Di Giulio