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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.3 São Paulo July/Sept. 2004

     

     

    CLONAGEM ANIMAL E PLACENTAÇÃO

    Maria Angélica Miglino

     

    A clonagem animal representa sem dúvida um dos maiores avanços obtidos até hoje no campo da biotecnologia animal.

    Os recentes resultados de clonagem por transferência nuclear têm encorajado os pesquisadores cada vez mais a elucidarem alguns aspectos ainda obscuros relativos a essa técnica. A importância do processo está relacionada não somente à produção animal, como também à preservação de espécies em extinção.

    Se a tecnologia sugere perspectivas e possibilidades para as aplicações práticas bem como a utilização dessa conquista na pesquisa fundamental, de outra parte, a produção de clones dá origem a inúmeros e controversos debates sobre os aspectos éticos, morais e legais da clonagem.

     

     

    Sabe-se, hoje, que no processo de clonagem animal apenas um número mínimo de gestações é levado a termo, se comparado com gestações de animais produzidos por fertilização "in vitro". Outro dado muito relevante, que aparece em gestações de animais clonados, é a ocorrência de perdas embrionárias, fetais e pós-natais.

    A baixa viabilidade dos embriões clonados é principalmente expressa pela redução na taxa de implantação, pelo aumento na taxa de mortalidade fetal e perinatal, e pelas diversas anomalias observadas nos animais recém-nascidos. Esses problemas ocorrem possivelmente porque os núcleos de células diferenciadas não são corretamente reconduzidos a um estágio embrionário nos embriões clonados, o que leva à expressão errônea de genes que são necessários para sustentar o desenvolvimento normal. Todavia, pelo menos em bovinos, uma pequena proporção dos animais clonados é fenotipicamente normal, cresce de forma saudável, possui um sistema imunitário funcional e pode reproduzir-se e produzir normalmente. Mesmo que ainda não existam provas definitivas de que os animais clonados sejam totalmente normais, os resultados desses estudos sugerem que, em certas condições específicas, pelo menos uma pequena proporção dos núcleos diferenciados pode ser adequadamente reprogramada para voltar ao estádio embrionário. Identificar como essa condição pode ser conseguida representa um dos principais desafios para desenvolver melhores protocolos para clonar animais (1).

    A baixa eficiência do processo de clonagem animal envolve problemas, tais como anomalias cromossômicas, alocação anormal do número de células no botão embrionário e trofoectoderma e formação deficiente do fuso mitótico.

    Quando ocorre clivagem e desenvolvimento de blastocisto, a taxa de implantação é menor e as perdas fetais normalmente elevadas sugerem deficiências do processo normal de desenvolvimento biológico da espécie.

    Apesar das causas do desenvolvimento anormal continuarem obscuras, genes que são marcados (imprinted) de forma diferente tem sido responsabilizados por essas anormalidades (2).

    Foi demonstrado em bovinos, uma expressão anormal do complexo de histocompatibilidade maior do tipo I no trofoblasto, e um maior acúmulo de linfócitos T no endométrio de gestações produzidas com embriões clonados comparados com animais controle. Estes resultados sugerem que uma rejeição imunológica também possa estar contribuindo para a grande incidência de perdas gestacionais com embriões clonados (3).

    Uma das causas apontadas por perdas gestacionais é a deficiência placentária. Aproximadamente 82% de bovinos clonados por transferência nuclear não sobrevivem entre o 30º e 90º dias de prenhez. Os autores atribuem a essa viabilidade deficiente, o desenvolvimento de um corioalantóide rudimentar, quando comparado àquele dos animais de controle. De outra parte, os problemas podem estar associados aos fatores que promovem o crescimento placentário e vascular e suas interações materno-fetais tais como conexões placentárias e formação de vilos coriônicos (4). A deficiência do desenvolvimento vascular placentário pode ser evidenciada nos ruminantes (bovinos) por estruturas cotiledonárias reduzidas ou ausentes (5).

    Fetos anormais, hepatomegalia, hemorragia dérmica (5) e hidropsia em vacas receptoras de animais clonados (6) são alterações constantes envolvidas no processo gestacional de clones, de maneira a sugerir que o desenvolvimento normal de gestações representa casos de exceção.

    Placentações ineficientes em embriões clonados foram observadas em camundongos (7), bovinos e ovinos (8, 9). Tais anormalidades em ruminantes incluem irrigação sangüínea deficiente, aumento da ocorrência de hidroalantóide, e redução do número e aumento do tamanho dos placentomas. Destas condições decorrem as perdas gestacionais, as anomalias e a menor viabilidade de animais clonados.

    Casos de hidroalantóide são normalmente detectados em bovinos durante o terceiro trimestre de gestação, e estão associados ao aumento da concentração plasmática materna da glicoproteína (PSP60). A PSP60 é produzida pelas células trofoblásticas binucleadas as quais desenvolvem um processo migratório em direção ao epitélio uterino (10).

    O número reduzido de placentomas – 39 – menor que em gestações normais (11), o diâmetro aumentado destas estruturas – 21cm – maior que os grandes placentomas de gestações normais – 11cm – (12), e o peso e a espessura exagerada dos mesmos – 153g –, indicam que a placentação em bovinos clonados apresenta anormalidades dignas de maiores esclarecimentos (13) e (14).

    De outra parte, áreas hemorrágicas aparentes sobre a superfície dos placentomas edemaciado certamente sugerem comprometimento da gestação.

    Estruturalmente existe total desorganização das "árvores vilosas" fetais, as quais aparecem inseridas nas criptas endometriais em placentas de bovinos clonados. Outro fato notável é a menor densidade de vilos presentes nos chamados megacotiledones. Somam-se a esses fatos a deficiente ramificação vascular sobre a superfície das chamadas "árvores vilosas", bem como as dilatações anormais das criptas endometriais onde esses vilos se inserem.

    Os capilares fetais (5-10µm de diâmetro) são menos calibrosos que aqueles observados em gestações normais (7-12µm). De maneira semelhante, os capilares maternos, são menos calibrosos (9-14µm), que os encontrados em gestações normais (14-28µm), porém mais ramificados.

    A interface materno-fetal apresenta-se desorganizada e as células trofoblásticas que se evidenciam como binucleadas encontram-se polinucleadas (tri, tetra, pentanucleadas), com alterações nucleares significativas (13, 14).

    Em um caso de hidroalantóide diagnosticado em uma receptora utilizada para a gestação de clone de célula fetal, o processo culminou com a morte da mãe, de cujo útero foram retirados quase 200 litros de líquido alantoideano.

    Além do risco estabelecido, os fenótipos anormais observados em clones são possivelmente decorrentes de uma reprogramação nuclear inadequada, sugerindo a necessidade de uma remodelagem dos núcleos transplantados.

    O procedimento requer, portanto, aperfeiçoamento para a correta aplicação da técnica, necessária tão somente à recuperação de espécies em extinção, ao incremento da produção animal e mesmo à aplicação terapêutica para o uso em terapias celulares e regenerativas.

     

    Maria Angelica Miglino é professora titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Bordingnon, V. "Clonagem de animais por transferência nuclear: Avanços e desafios". Acta Scientiae Veterinarie. Supl. 31, P. 64-73, 2003.

    2. Bordingnon, V.; Smith, L. "Clonagem animal por transferência nuclear" In: Gonçalves, P.B.D.; Figueiredo, J.R.; Freitas, V.J.F. Biotécnicas aplicadas à reprodução animal. São Paulo: Varela, P. 281-303, 2002.

    3. Hill, J.R.; Schlafer; D.H.; fisher; P.J.; Davies, C.J. "Abnormal expression of trophoblast major histocompatibility complex class i antigens in cloned bovine pregnancies is associated with a pronounced endometrial lymphocytic response1". Biology of Reproduction, v. 67, p. 55–63 2002.

    4. Hill J.R.; Burghardt, R.C.; Jones, K.; Long, C.R.; Shin, T.; Spencer, T.E.; Thompson, J.A.; Winger, Q.A.; Wethusin, M.E. "Evidence for placental abnormality as the major cause of mortality in first-trimester somatic cell cloned bovine fetuses". Biology of Reproduction, V. 63, P. 1787–1794, 2000.

    5. Dinnyés, A.; Sousa, P.; King, T.; Wilmut, I. "Somatic cell nuclear transfer: recent progress and challenges". Cloning and stem cells, V. 4, N. 1, 2002.

    6. Heyman, Y; Zhou, Qi; Lebourhis, D.; Chavatte-Palmer, P.; Renard, J.P.; Vignon, X. "Novel approaches and hurdles to somatic cloning in cattle". Cloning and Stem Cells, V. 4, N. 1, 2002.

    7. Tanaka, S.; Oda M.; Toyoshima, Y.; Wakayama, T.; Tanaka, M.; Yoshida, N.; Hattori,I N.; Ohgane, J.; Yanagimachi, R.; Shiota, K.: "Placentomegaly in cloned mouse concepti caused by expansion of the spongiotrophoblast layer". Biology of Reproduction. V.65(6), P. 1813-21, 2001.

    8. Hill, R.; Edwards, J.F.; Sawyer, N.; Blackwell, C.; Cibelli, J.B. "Placental anomalies in a viable cloned calf". Cloning, V. 3, N. 2, P. 83-88, 2001.

    9. Allen, W.R.; Carter, A.M.; Chavatte-Palmer, P.; Dantzer, V.; Eenders, A.C.; Freyer, C.; Leiser, R.; Miglino, M.A. "Comparative placentation - a workshop report". Placenta. Apr; 24 Suppl A:S100-3, 2003.

    10. Constant, F.; Guillomot, M.; Chavatte- Palmer, P.; Heyman Y.; Berthelot, V.; Camous, S.; Turbe, A.; Renard, J.P. "Structural and functional studies on placenta of bovines somatic clones". Placenta, A.37, P114 - Epg 2003.

    11. Verechia, F.T.; Miglino, M.A.; Visintin, J.A.; Mello, M.R.B.; Garcia, J.M.; Yamazaki, W.; Ambrósio, C.E.; Carvalho,A.F.; Braga, F.C.; Santos, T.C.; Leiser, R.; Carter, A.M. "Cloned Cattle Placentation: microvascular arquitecture and structure". Placenta, A.5, 2003.

    12. Miglino, M.A. "Pesquisa anatômica sobre a ramificação e distribuição das artérias e veias da placenta de bovinos" São Paulo, 1991. 303p. Tese de livre-docência – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.

    13. Miglino, M.A.; Verechia, F.T.; Visintin, J.A; Mello, M.R.B.; Garcia, J.M.; Yamazaki, W.; Ambrósio, C.E.; Carvalho,A.F.; Braga, F.C.; Santos, T.C.; Leiser, R.; Carter, A.M. "Placentação em bovinos clonados: arquitetura microvascular e estrutura". Acta Scientiae Veterinaria. Supl. 31, P. 484-485, 2003a.

    14. Miglino, M.A.; Verechia, F.T.; Visintin, J.A; Mello, M.R.B.; Garcia, J.M.; Yamazaki, W.; Ambrósio, C.E.; Carvalho,A.F.; Braga, F.C.; Santos, T.C.; Leiser, R.; Carter, A.M "Cloned cattle placentation: microvascular arquitecture and structure". Placenta, A.37, P113, P. 484-485, 2003b.