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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.3 São Paulo July/Sept. 2004

     

     

    A IMPORTÂNCIA CONSTRUIR BANCOS DE SANGUE DE CORDÃO UMBILICAL NO BRASIL

    Patricia Pranke

     

    O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), antigamente chamado de Transplante de Medula Óssea (TMO), é um procedimento curativo que tem salvado milhares de vidas desde a década de 1970. Os maiores beneficiados por esse tipo de tratamento são os pacientes que têm doenças hematológicas como, por exemplo, as leucemias e as aplasias de medula, mas diversas outras doenças, hematológicas ou não, têm sido tratadas através desse procedimento. Pacientes com doenças imunológicas, em que as defesas do organismo estão comprometidas, também podem se curar com o transplante (1).

     

     

    Embora o TMO esteja sendo usado com sucesso há vários anos para tratar pacientes com doenças malignas ou não, a sua maior limitação é a disponibilidade de doador. Devido à complexidade do sistema imunológico há uma chance de apenas 25% dos candidatos ao TMO terem doadores compatíveis aparentados, geralmente um irmão, devido a incompatibilidade de um sistema chamado HLA (Antígenos Leucócitarios Humanos) (2). Sendo assim, ocorre a necessidade de se procurar doadores compatíveis fora da família. O Programa Nacional de Doador de Medula dos Estados Unidos, por exemplo, tem identificados 2 milhões de doadores em potencial e tem facilitado, desde dezembro de 1995, aproximadamente 5 mil TMO a partir de doadores não-relacionados. Mesmo assim, esse número é baixo frente ao maior número de pacientes à espera de um transplante. Além disso, a disponibilidade de doadores de medula óssea não-relacionados é ainda limitada devido a inúmeros fatores: 1) o tempo gasto no processo de procura de doador pode variar de um mês a seis anos; 2) a disponibilidade do doador no momento em que é solicitado e 3) a limitada disponibilidade de doadores em uma dada população étnica ou grupo racial. Devido a estes fatores, menos de 40% dos pacientes que poderiam ser beneficiados por um TMO têm identificado um doador adequado e, destes que têm um doador identificado, menos de 40% recebem o transplante (3).

    A célula-tronco (CT) é definida como a célula com capacidade de gerar diversos outros tipos celulares. As principais fontes das células-tronco hematopoiéticas são a medula óssea, o sangue periférico, após mobilização dos precursores hematopoiéticos através do uso de citocinas e, mais recentemente, o sangue de cordão umbilical humano (4).

    O sangue de cordão umbilical e placentário (SCUP) é rico em progenitores hematopoiéticos e tem sido usado para o tratamento de doenças hematológicas malignas ou não-malignas (4, 5). O cordão umbilical é uma fonte ilimitada de células-tronco uma vez que esse cordão umbilical e a placenta são colocados no lixo após o parto.

    O primeiro relato de uso de células de sangue de cordão umbilical humano em transplante foi em 1988, pela doutora Eliane Gluckman, do Hospital Saint-Louis em Paris, França. Gluckman e colaboradores (6) utilizaram o sangue de cordão umbilical da irmã de um paciente com anemia de Fanconi para realizar o transplante, o qual foi um sucesso. A partir daí, o sangue de cordão umbilical tem sido utilizado como uma excelente fonte de células-tronco hematopoiéticas para transplante em pacientes que não apresentam doadores HLA compatíveis na família (5). As células do sangue de cordão umbilical e placentário parecem induzir com menor freqüência a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH), a qual é provocada pela incompatibilidade nesse sistema HLA (7).

    O sucesso do uso das células do sangue de cordão umbilical em transplantes culminou com a necessidade de armazenamento dessas células. Sendo assim, o primeiro banco de sangue de cordão umbilical e placentário (BSCUP) público foi estabelecido em 1993 pelo doutor Pablo Rubinstein no New York Blood Center, Estados Unidos (8). Esse procedimento encorajou o estabelecimento de outros BSCUP em diversas partes do mundo e o número de transplantes, utilizando células do sangue de cordão, aumentou surpreendentemente nos últimos anos (9).

    O Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP) é uma organização que se destina a coletar, processar e armazenar células progenitoras hematopoiéticas provenientes do sangue de placenta e cordão umbilical.

    Muitas são as vantagens do uso das células do sangue de cordão umbilical como fonte de células-tronco hematopoiéticas em relação à medula óssea ou ao sangue periférico: 1) a ilimitada oferta de sangue de cordão, uma vez que o mesmo é descartado após o parto; 2) a disponibilidade imediata do mesmo, uma vez que as células encontram-se prontas para o uso, armazenadas nos bancos de cordão umbilical humano e 3) a menor incidência de DECH (Bühring, 1998, McNiece, 2000 e McNiece & Briddell, 2001), uma vez que essas células são mais "imaturas" imunologicamente, aumentando muito a chance de achar um doador. As crianças seriam as maiores beneficiadas por esse tipo de procedimento, uma vez que a leucemia é o tipo mais comum de câncer infantil, sendo responsável por mais de 50% dos casos de câncer na infância.

    Com o avanço cada vez maior nas pesquisas com células-tronco, além das doenças que já se beneficiam com o TCTH, as células-tronco do sangue de cordão umbilical poderão ser úteis no tratamento de várias outras doenças, como, por exemplo, nos casos de pacientes que sofreram infarto do miocárdio ou pacientes queimados que poderão ter as células reconstituídas com o uso das CT. Sendo assim, é importante que sejam criados bancos de sangue de cordão umbilical no Brasil, pois essas células poderão ajudar a salvar a vida de inúmeros pacientes na nossa sociedade.

     

    Patricia Pranke é farmacêutica e professora de hematologia da Faculdade de Farmácia da UFRGS e PUCRS. É professora e pesquisadora do programa de pós-graduação em medicina: ciências médicas – UFRGS, com doutorado na UFRGS e no Banco de Sangue de Cordão Umbilical, New York Blood Center.

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Díaz, M.A., Kanold, J., Vicent, M.G., Halle, P., Madero, L., Deméocq, F. "Using peripheral blood progenitor cells (PBPC) for transplantation in pediatric patients: a state-of-the-art review". Bone Marrow Transplantation, 26, 1291-1298. 2000.

    2. Rubinstein, P., Carrier, C., Scaradavou, A ., Kurtzberg, J., Adamson, J., Migliaccio, A .R., Berkowitz R.L., Cabbad, M., Dobrila, N.L., Taylor, P. E., Rosenfield, R.E., Stevens, C.E. "Outcomes among 562 recipients of placental-blood transplants from unrelated donors". The New England Journal of Medicine, 339, 1565-1577. 1998.

    3. McNiece, I. & Briddell, R. "Ex vivo expansion of hematopoietic progenitor cells and mature cells". Experimental Hematology, 29, 3-11. 2001.

    4. Yamaguchi, M., Hirayama, F., Kanai, M., Sato, N., Fukazawa, K., Yamashita, K., Sawada, K., Koike, T., Kuwabara, M., Ikeda, H. & Ikebuchi, K. "Serum-free coculture for ex-vivo expansion of human cord blood primitive progenitors and SCID mouse-reconstituting cells using human bone marrow primary stromal cells". Experimental Hematology, 29, 174-182. 2001.

    5. Malangone, W., Belvedere, O., Astori, G., Adami, V., Donini, A., Falasca, E., Sala, P.G., Del Frate, G., Pittino, M., De Anna, D. & Degrassi, A. "Increased content of CD34+CD38- hematopoietic stem cells in the last collected umbilical cord blood". Transplantation Proceedings, 33, 1766-1768. 2001.

    6. Gluckman, E., Broxmeyer, H.A., Auerbach, A.D., Friedman, H.S., Douglas, G.W., Devergie, A., Esperou, H., Thierry, D., Socie, G., Lehn, P., Cooper, S., English, D., Kurtzberg, J., Bard, J. & Boyse, E. "Hematopoietic reconstitution in a patient with Fanconi’s anemia by means of umbilical-cord blood from an HLA-identical sibling". The New England Journal of Medicine, 321, 1174-1178. 1989.

    7. Bühring H-J: Stem/Progenitor Cells

    www.gryphon.jr2.ox.ac.uk/harr98/buehring/buehring

    8. Rubinstein, P., Dobrila, L., Rosenfield, R.E., Adamson, J.W., Migliaccio, G., Migliaccio, A.R., Taylor, P.E. & Stevens, C.E. "Processing and cryopreservation of placental /umbilical cord blood for unrelated bone marrow reconstitution". Proceedings of the National Academy of Sciences of United States of America, 92, 10119-10122. 1995.

    9. McNiece, I., Kubegov, D., Kerzic, P., Shpall, E.J. & Gross, S. "Increased expansion and differentiation of cord blood products using a two-step expansion culture". Experimental Hematology, 28, 1181-1186. 2000.