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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.4 São Paulo out./dez. 2004

     

     

     

    "Psicanálise é a mais recente doença judia. Pessoas mais velhas ainda sofrem de diabete". Assim Karl Kraus, o mais sarcástico crítico do espírito folhetinesco característico da Viena de seu tempo, investe, fazendo blague, contra a moda que tomava conta da cidade desde o início do século XX.

    A interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud, publicado em novembro de 1899, mas com data de 1900, por decisão do editor, para marcar com o novo século a novidade científica que ali se plantava, é o livro fundador da psicanálise e do método analítico que lhe é próprio.

    Kraus, ele próprio judeu, fazia eco e ecoava, satiricamente, as críticas que nasceram junto com a psicanálise e com ela cresceriam nesses mais de cem anos de existência.

    Entre essas críticas, a de que a psicanálise era uma "ciência judaica" e explicável pela tese do ZeitGeist ou do genius loci, cujo sucesso, como invectivou o psiquiatra alemão Adolf Albrecht Friedländer em 1909, num congresso internacional de medicina, em Budapeste, se devia à mentalidade pansexualista vienense.

    Difundida e reforçada na França, essa tese chega inclusive ao Brasil, onde, entre os primeiros adeptos da teoria, encontravam-se também os primeiros anti-freudianos, algumas vezes numa só pessoa, como é o caso de Francisco Franco da Rocha, fundador do Hospital do Juqueri, autor do livro O pansexualismo na doutrina de Freud, de 1920, e co-fundador com Durval Marcondes, em 1927, da primeira sociedade psicanalítica do país, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPCSP) .

    Outra crítica é a de que a psicanálise não é, de fato, uma ciência, quando muito, uma teoria da interpretação, uma hermenêutica que, por mais objetiva que pretenda ser, não pode evitar a subjetividade do analista e a circunstancialidade da relação intersubjetiva que entre ele e o analisando se estabelece.

    Os críticos positivistas de Freud julgariam que a passagem de seus estudos neurológicos do aparelho psíquico para o método analítico-interpretativo consolidado em A interpretação dos sonhos significava antes um recuo científico do que um salto no conhecimento da psique humana, tão entusiasticamente anunciado pelo seu autor.

    Esse tipo de crítica refinou-se ao longo dos anos com os grandes avanços da bioquímica, da bioinformática, das ciências biológicas, inclusive a genética e, mais recentemente, a própria genômica, e as possibilidades cada vez mais concretas de identificar uma anatomia neurológica para o aparelho psíquico.

    A psicanálise, contudo, como não poderia deixar de acontecer, evoluiu bastante, ao longo desses anos, tendo se firmado, cada vez mais, teórica e metodologicamente, como uma abordagem científico-cultural imprescindível, não só do ponto de vista terapêutico, mas também do ponto de vista epistemológico, no esforço de compreensão e de explicação do funcionamento da mente humana.

    É a esse tema, nada simples e freqüentes vezes bastante controverso e, por isso mesmo, rico em propostas e contribuições intelectuais instigantes, que está dedicado este número da revista Ciência e Cultura.

    Além dele e com ele, notícias, informações, tecnologia, arte e literatura.

     

    CARLOS VOGT
    Editor chefe, outubro de 2004