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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2004

     

     

    Emissão antropogênica de CO2 e sustentabilidade
    Geraldo Mario Rohde e Antonio Liborio Philomena

     

     

    O debate científico, com causalidades encadeadas sobre a emissão antropogênica de gases para a atmosfera, a mudança geoquímica da atmosfera, a mudança climática através do efeito estufa e a conseqüente mudança global através de complexas decorrências geodinâmicas globais, teve evolução muito semelhante ao dos efeitos do cigarro sobre a saúde humana: negação absoluta, debate científico acirrado e aceitação, primeiro tácita e, após, absoluta.

    A postura inicial quanto à questão do efeito estufa foi, exemplarmente, de negar categoricamente a existência do fenômeno e – principalmente – que tivesse qualquer ligação com as atividades humanas. A seguir, um debate científico muito polêmico com posições pró e contra, com visões abrangentes e particulares, de natureza geoquímica, geofísica, astronômica e biológica tentou sempre enquadrar, e a todo custo, o efeito estufa ampliado na categoria de fenômeno "natural".

    A partir do ano de 1987, com o estabelecimento da existência indiscutível de um efeito estufa ampliado e, após, de uma assinatura geoquímica artificial, o quadro mudou completamente, sendo inclusive criado o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática em 1988.

    Na década de 1990 passa a haver uma convergência no sentido de que o fenômeno existe, além de uma postura, às vezes tácita, de que possui origem humana e, assim, alguma coisa deveria ser feita para minimizar os impactos dele decorrentes.

    Com o grande debate ambiental realizado na Eco-92 (CNUMAD – Rio de Janeiro, 1992) houve o estabelecimento da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A preocupação com a sustentabilidade começa exatamente com a consciência da existência de um modelo de desenvolvimento insustentável baseado em:

    1. crescimento populacional humano exponencial;

    2. destruição ("depleção") da base de recursos naturais;

    3. sistemas produtivos que utilizam tecnologias poluentes de baixa eficiência energética;

    4. um sistema de valores completamente desarmônico e desequilibrado que propicia a expansão ilimitada do desperdício ("consumo") material.

    Nos países e regiões de grande consumo de combustíveis fósseis, notadamente os EUA, Canadá, Europa e Japão, passa a ser seguido o consenso de que, dos gases-estufa, o gás carbônico representa "o" gás-estufa principal e todo o aparato técnico-científico é mobilizado no sentido do seqüestro de carbono.

    O seqüestro de carbono é desenhado desde as formas mais simples e prosaicas, como plantações gigantes de florestas e plantas fixadoras de CO2, até instalações extremamente tecnificadas, como o depósito em armazenamentos geológicos ou geoquímicos, tanto em camadas geológicas profundas ou nos oceanos, além de gigantescas colônias de algas oceânicas induzidas com nutrientes químicos.

    De fato, um cálculo da emissão antropogênica de CO2 realizado a partir dos princípios da geoquímica ambiental e da economia ecológica (1), utilizando o banco de dados do Carbon Dioxide Information Analysis Center – CDIAC e do Oak Ridge National Laboratory – ORNL, no arquivo ndp030, do diretório ORNL/CDIAC NDP-058, site http://cdiac.esd.ornl.gov/ftp/ndp030/global98.ems (Global CO2 emissions from fossil-fuel burning, cement manufature, and gas flaring: 1751-1998), com os dados globais de emissão de CO2 (1751-1998), expressos em milhões de toneladas métricas de carbono, mostra que a emissão antropogênica de CO2, observada em seu comportamento geral, segue um padrão matemático que se aproxima, de forma notável, a uma curva de tendência exponencial e, em especial após a década de 1950, há o maior e mais continuado incremento da emissão antropogênica de CO2 ( figura 1).

     

     

    A emissão antropogênica de CO2 no período de 1751 a 1998 registra aumento desde o valor de 0,011 gigatoneladas CO2/ano no ano de 1751 até o valor de 24,23 G tCO2/ano no ano de 1998 (= 6,61 X 109 toneladas de carbono ou 6,608 Gt de carbono).

    A dimensão da atual emissão de cerca de 7 Gt/ano de carbono a partir do sistema urbano-industrial humano pode ser melhor entendida quando comparada com o valor anual médio da emissão de (CO2) carbono pelos vulcões atualmente ativos que é de cerca de 0,1 Gt/ano, ou seja, a emissão antropogênica é 70 vezes maior do que a natural.

    O valor real agregado para o somatório dos valores de emissões antropogênicas anuais totais de 1751 a 1998, incluindo a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento e as queimadas florestais, obtido por cálculos baseados os critérios da economia ecológica é da ordem de 1 quatrilhão de emdólares solares (EMS), enquanto o valor real agregado para o somatório dos valores de emissões devidas apenas à queima de combustíveis fósseis (de 1751-1998) fornece um valor da ordem de 360 trilhões de EMS.

    Tais valores imensos, quando comparados com o valor real em EMS do fluxo de serviços biológicos que fluem diretamente para a sociedade humana (33 trilhões EMS/ano(2), fornece fatores de 30 vezes (valor agregado total) e de 11 vezes (valor da emissão originada a partir dos combustíveis fósseis).

    O vínculo entre sustentabilidade e a emissão de CO2 fica ainda mais claro a partir da existência do Protocolo de Kyoto, surgido em 1997. Após a Primeira Conferência das Partes – COP-1 (Berlin, 1995) e a COP-2 (Genebra, 1996), a COP-3 estabelece, com o Protocolo de Kyoto, que os países do Anexo I se comprometam em reduzir a emissão total dos gases-estufa, para níveis pelo menos 5,2% inferiores do que das emissões percebidas em 1990.

    Para os países em desenvolvimento, o Protocolo cria o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, que constitui um grande mercado mundial de carbono, portanto de CO2. Mediante os mecanismos de flexibilização, os países não-membros do Anexo I passam a participar do Protocolo de Kyoto como atores mundiais de seqüestro de carbono, através do banimento de tecnologias sujas, melhoramento na gestão ambiental e eficiência energética.

    A sustentabilidade, ao iniciar do século XXI, surgirá como resultante de duas fortes tendências antagônicas que persistem em disputa. A primeira, representada pela busca de novas fontes de energia, como a célula de hidrogênio, a energia solar e eólica ou o uso dos combustíveis fósseis conforme o Protocolo e o MDL e a segunda, visível na tentativa da manutenção do uso generalizado de combustíveis fósseis representada, de forma cabal, na geopolítica do pós-Guerra do Golfo II a partir de 2003.

     

    Geraldo Mario Rohde é doutor em ciências ambientais, gerente do Departamento de Meio Ambiente da Fundação de Ciência e Tecnologia – Cientec
    Antonio Liborio Philomena é doutor em ecologia, pesquisador e professor titular da Fundação Universidade Federal do Rio Grande ( Furg)

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Rohde, G.M. "Economia ecológica da emissão antropogênica de CO2: uma abordagem filosófico-científica sobre a efetuação humana alopoiética da Terra em escala planetária". Porto Alegre: UFRGS/Ceneco, 2003. Tese de doutorado em ecologia.

    2. Constanza, R. et al. "The value of the world's ecosystem services and natural capital". Nature, London, v. 387, n. 6630, p. 253-260. 1997.