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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2004

     

     

     

    LINGUAGEM

    Visões de mundo ameaçadas de extinção

     

    Há um bom tempo os olhos acadêmicos encantam-se com a imensa diversidade de fauna e flora nas florestas tropicais, e se mostram preocupados com a quantidade de espécies biológicas ameaçadas de extinção. Apesar de o homo sapiens, com seus seis bilhões de habitantes sobre a Terra, estar ainda longe de sofrer essa ameaça – a não ser que ele próprio desencadeie uma guerra nuclear – nos últimos anos cresce, também, o interesse pelo principal aspecto que o diferencia dos outros animais: a imensa diversidade de línguas ainda faladas em todo o planeta – que expressam diferentes visões de mundo – e a preocupação com a possibilidade de o fim de muitas delas estar próximo. No Brasil, onde se calcula terem existido cerca de 1,2 mil línguas antes da chegada dos portugueses, a pesquisa lingüística junto a povos indígenas aumenta a cada ano e tem atraído investimentos nacionais e estrangeiros.

    O interesse acadêmico em estudar línguas indígenas surgiu no início do século XX, quando pesquisadores como Edward Sapir começaram, nos Estados Unidos, a trabalhar junto a povos ameríndios. Até então, o estudo de línguas era restrito àquelas faladas no Velho Mundo e feito com base em comparações de manuscritos antigos que permitiam reconstituir sua história e definir o seu parentesco com outras línguas. Esse tipo de estudo fez com que muitas pessoas confundissem – e até hoje confundam – a idéia de língua com a sua modalidade escrita, como se uma pessoa não alfabetizada não soubesse língua alguma. As pesquisas com povos que não tinham a escrita como elemento de sua cultura, iniciadas com Sapir, sugeriam que a língua falada também podia ser um objeto de estudo bastante revelador, mostrando que em toda cultura há uma complexa e singular estrutura lingüística que se destina à expressão dos pensamentos e caracteriza as diferentes visões de mundo.

    Quando esses estudos começaram, porém, já uma grande quantidade de línguas indígenas havia desaparecido junto com os povos que as falavam. Segundo levantamento feito nos anos 1990 pelo lingüista Aryon Dall’Igna Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília (UnB), restavam no Brasil cerca de 180 línguas vivas. "Houve uma extinção drástica de pelo menos 85% na diversidade lingüística do Brasil, a qual corresponde, quase diretamente, à redução dos próprios povos indígenas", afirma.

    FIM DE CULTURAS INDÍGENAS Esse era o caminho que estavam tomando inúmeras línguas, como o sabanê, que há pouco tempo começaram a ser estudadas e documentadas. O brasileiro Gabriel Antunes de Araújo, atualmente na Universidade Livre de Amsterdã (ULA), na Holanda, conta que há cerca de 70 anos, a tribo sabanê tinha aproximadamente 20 mil indivíduos; hoje, restam no norte de Mato Grosso, na área de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, menos de 100 índios sabanê, dos quais apenas 15 falam a língua de seus ancestrais. Os indivíduos dessa tribo com menos de 40 anos só falam o português. Antunes é um dos lingüistas integrantes de um projeto que estuda línguas da família Nambikwára, coordenado por Leo Wetzels, da ULA, e patrocinado pela fundação holandesa Wotro, de fomento à pesquisa em países tropicais.

     

     

    No Instituto Max Planck de Psicolingüística, também holandês, a brasileira Raquel Guirardello desenvolve pesquisas sobre o trumai, língua com a qual tem contato em mais de dez anos de trabalho de campo no Xingu. Em seu trabalho de campo constatou que menos da metade dos 120 trumai que vivem ali ainda fala a língua de seus ancestrais. Raquel Guirardello foi uma das contempladas, em 2000, com um financiamento da Fundação Volkswagen, da Alemanha, para documentar oito línguas ameaçadas de extinção ao redor do mundo, três delas faladas no Brasil. Neste ano, o estudo do trumai realizado na Holanda passou a integrar o Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas, da Universidade de Londres, que financia com recursos do Lisbet Rausing Charitable Fund 21 projetos em todo o mundo para estudos de línguas em extinção.

    Outra brasileira que desenvolveu pesquisas sobre língua indígena do Brasil no exterior foi Filomena Sandalo. Ela realizou estudos sobre o kadiwéu no Massachussets Institute of Tecnologie (MIT) dos Estados Unidos, e atualmente continua suas pesquisas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seu estudo sobre a língua kadiwéu passou a integrar, em 2003, um projeto coordenado por Verônica Grondona, da Eastern Michigan University, financiado pelo programa da Universidade de Londres para documentar línguas em extinção.

     

    Rodrigo Cunha