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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2004

     

     

    ENTREVISTA

    TV Digital made in Brazil

     

    Uma das principais estratégias do governo federal para superar a dificuldade de acesso à internet no país será a TV Digital. Combinando uma melhor qualidade de áudio e vídeo com a possibilidade de interação com o usuário, o governo pretende, com o desenvolvimento de um padrão brasileiro, resolver três problemas de uma só vez: usar o adaptador necessário para a recepção do sinal da TV Digital como um pequeno computador capaz de acessar a rede mundial; estancar uma futura sangria de recursos para o exterior, derivada do pagamento de royalties pela tecnologia; e dar um novo fôlego à indústria eletroeletrônica nacional, que hoje se dedica a montar componentes importados.

    Todos esses fatores pesaram na decisão, que partiu da gestão de Miro Teixeira no Ministério das Comunicações e foi mantida pelo novo ministro, Eunício de Oliveira, de se desenvolver um padrão nacional. A previsão de investimento é de R$ 65 milhões, só neste ano. A maior parte vem do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Comunicações (Funttel) e o restante virá do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). No final de julho foi anunciada a lista das instituições de pesquisa habilitadas a receber o financiamento federal. Foram seis os temas prioritários da chamada: transmissão, recepção e codificação; transporte; interatividade; codificação de sinais fonte; middleware; e serviços, aplicações e conteúdo.

    Yuzo Iano, professor do Departamento de Comunicação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp considera que "a superioridade técnica de um determinado padrão pode acontecer apenas por um período de tempo, pois as pesquisa não param".

    Que capacidade tem o Brasil para desenvolver seu próprio padrão para a TV Digital?

    YUZO IANO Muitos pesquisadores no país possuem conhecimentos que podem ser aproveitados para o desenvolvimento de novas tecnologias e isso inclui também a área de televisão digital (TVD). O interesse atual em TVD é positivo pois incentiva a busca de soluções tecnológicas para viabilizar novos serviços e, ao mesmo tempo, permite identificar oportunidades de negócios que possibilitem, por exemplo, a geração de empregos. Esse interesse crescente tem promovido a interação de pessoas com diversas capacitações.

    O que desenvolver e o que importar?

    Pesquisas de alta qualidade sobre processamento digital de sinais são realizadas em praticamente todo o território nacional; outras, relacionadas especificamente com sinais de áudio e vídeo digitalizados estão também atraindo muito e, por isso, é essencial que haja recursos disponíveis para tanto. Na área tecnológica, pode-se desenvolver protótipos e modelos de simulação. Quanto aos negócios, pode-se definir regras e modelos de atuação que permitam o planejamento das prestadoras de serviços e emissoras. No momento, parece remota qualquer possibilidade de fabricação de equipamentos comerciais para geração (câmeras de TVD, gravadores/reprodutores, switchers) e transmissão dos sinais (como codificadores, multiplexadores, misturadores, RF, potência) devido aos custos e falta de know-how. Para recepção existe alguma chance principalmente nas interfaces tipo Set-Top-Box (STB). A dependência tecnológica no setor de componentes, mais especificamente de circuitos integrados - dedicados ou não - constitui uma séria barreira para a fabricação dos aparelhos de recepção. Um primeiro passo pode ser dado no sentido de reverter essa situação, mesmo porque projetos e montagens podem ser realizados no país. Além disso, há capacitação nacional para se trabalhar com os aspectos de interfaceamento envolvendo software e midlleware.

    É mais vantajoso desenvolver um padrão próprio ou adotar um dos padrões existentes?

    Uma das motivações para o desenvolvimento de um padrão nacional é a própria aquisição de conhecimentos relacionados com as novas tecnologias pertinentes ao sistema de televisão digital. O sistema de alta definição incorpora inovações e novos esquemas. Os testes realizados pela Anatel, Fundação CPqD, Universidade Mackenzie, SET/Abert provocaram reações no mundo todo, no sentido de continuarem aperfeiçoando seus sistemas. O desenvolvimento de um novo padrão propicia a avaliação do desempenho e das limitações dos padrões existentes. A adoção pura e simples de um padrão existente economizaria recursos da pesquisa em questão mas se perderia a oportunidade de discutir e avaliar os muitos caminhos e opções.

    Qual dos padrões existentes seria mais adequado ou superior tecnicamente?

    A superioridade técnica de um determinado padrão pode acontecer em um período de tempo. Por exemplo, os testes realizados no Brasil mostraram, na época, que o sistema japonês permitia recepção móvel, enquanto outros eram limitados na área. Outros testes dentro das condições temporais e espaciais da época mostraram desempenho superior de um ou de outro sistema com relação a algum parâmetro específico (tais como ruído impulsivo e multipercurso). Tecnicamente, em geral, é possível superar tais deficiências com pesquisas e modificações dos esquemas (por exemplo, equalização). Dessa forma, é difícil prever qual sistema estará, no futuro, melhor adaptado para determinadas condições de uso, mesmo porque algumas técnicas que resultam em melhor desempenho atualmente, em princípio, podem ser incorporadas nos outros sistemas.

    A opção de transmissão via cabo, satélite ou MMDS funcionaria bem com qualquer um dos sistemas existentes. As principais limitações estão na radiodifusão (broadcasting). Nesse caso, essencialmente, a diferença básica entre os 3 sistemas de HDTV em questão, reside na modulação para se colocar o sinal no ar (8-VSB, Vestigial Sideband, americano e COFDM, Coded Orthogonal Frequency Division Multiplexing, europeu e japonês). Uma outra diferença é a possibilidade de transmissão hierárquica permitida pelos sistemas europeu e japonês (o japonês permite também transmissão segmentada por bandas). Em princípio, um estúdio poderia adotar qualquer sistema e faria a conversão apenas na etapa de se colocar o sinal na antena de transmissão. O receptor também poderia ser projetado para receber sinal de qualquer um dos sistemas. Isso porém, apresenta sérios problemas na opção de broacasting. Nesse caso, o plano de canalização tenderia a ficar muito complexo, caso houvesse transmissão nos 3 sistemas, devido às interferências mútuas. Por outro lado, adotando-se um dos sistemas para radiodifusão pode-se limitar a gama de oferecimento de serviços. Além disso, resta solucionar o problema de posicionamento das antenas domésticas de recepção. As antenas internas são praticamente inviáveis nas configurações atuais devido às características do sinal digital. A diversidade de antenas talvez seja a melhor opção (a antena inteligente pode ter um custo elevado). Nesse ponto, creio, já estamos no campo das suposições. Justifica-se, assim, as pesquisas para propor soluções.

     

     

    Interessa ao Brasil unir-se a outros países para desenvolver esse novo padrão?

    A união de esforços deve ser levada em conta. Os países envolvidos, inclusive a China, têm interesse em eventuais parcerias e já enviaram representantes ao país, a fim de se associar às pesquisas e, eventualmente, influenciar decisões. Alguns mostram disposição até mesmo de financiar projetos na área. Nesse caso, além dos objetivos tecnológicos é preciso acomodar outras metas que talvez sejam muito importantes para o país. O momento talvez seja propício para se promover discussões sobre prioridades tanto técnicas quanto sociais tendo como motivação à implantação da TVD.

     

    Rafael Evangelista