SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 número1 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.1 São Paulo ene./mar. 2005

     

     

    O futuro da nanotecnologia no Brasil. Vinte anos não são nada?
    Marcelo Knobel

     

     

    Nada como um bom tango para nos fazer pensar na vida... No tango Volver, de Gardel e Le Pera, sentimos claramente a angústia de alguém que se arrepende de uma ação passada, e quer voltar para remediá-la: "Volver... con la frente marchita, las nieves del tiempo platearon mi sien... Sentir... que es un soplo la vida, que veinte años no es nada, que febril la mirada, errante en las sombras, te busca y te nombra."

    Quase em tom irônico-melancólico o tango afirma que 20 anos não significam nada! Mas, na área tecnológica, 20 anos podem ser cruciais: podem representar o surgimento, desenvolvimento e até desuso de um novo produto; o nascimento e auge de uma nova empresa, e o declínio de outra. Os exemplos existem aos milhares: retornemos para 1984, início da era do videocassete, quando os computadores pessoais praticamente inexistiam. E, portanto, não existia a Microsoft nem as megacorporações da internet. Se olharmos dessa perspectiva, sentimo-nos absolutamente inseguros para pensar no futuro. O que acontecerá daqui a 20 anos?

    Como cidadãos, podemos viver as surpresas que a vida nos reserva. E no meio tempo aproveitar as novidades tecnológicas que surgirem, seja para diversão, para a cura de alguma doença, para melhorar o nosso cotidiano. Como nação, porém, é preciso planejar as ações futuras para atuar competitivamente no mercado mundial, e garantir um futuro com emprego, saúde e qualidade de vida para sua população. Um desses caminhos certamente passará pela chamada "revolução nanotecnológica".

    O prefixo "nano" surge das dimensões dos objetos investigados, com tamanhos da ordem de até alguns nanômetros, ou seja, com dimensões de um milionésimo de um milímetro (1 nm = 10-9 m). Para dar uma idéia da pequeneza desses entes, imagine a esfera na ponta de uma caneta comum (com 0,8 mm de diâmetro): ela poderia conter mais de 60 mil bilhões (6 ¥ 1013) de partículas de 10 nanômetros cada uma. Sendo assim, para estudar objetos nanométricos são necessários equipamentos modernos, caros e sofisticados, e técnicas de preparação muito específicas para conseguir controlar o tamanho das partículas em uma escala de tamanhos tão pequenos. Essa revolução está apenas começando, mas, para passarmos de meros espectadores a participantes ativos, é necessária uma ação efetiva que permita uma atuação competitiva nessa área emergente.

    Os cientistas brasileiros têm, hoje, plenas condições de contribuir com pesquisas de ponta em nanociência pois, uma vez bem equipados, devem disputar com a comunidade internacional fundamentalmente no campo das idéias. Novas idéias e novos resultados em ciência básica têm efeito avassalador e imprevisível incluindo, provavelmente, a inovação tecnológica, que, por sua vez, gera riqueza através de novas empresas, novos empregos etc... Esse "círculo virtuoso" depende, entretanto, de uma ação coordenada que deve englobar o governo, as universidades e centros de pesquisa e, principalmente, as empresas e o setor produtivo de um modo geral.

    REVOLUÇÃO EM ANDAMENTO Em outras palavras, por se tratar de uma revolução em sua infância, ainda é possível ao Brasil participar ativamente e inovar no campo da nanotecnologia. É necessário, porém, haver uma mudança de mentalidade do governo e dos empresários brasileiros. Em todos os países ditos do primeiro mundo, a transformação das idéias em produtos ocorre principalmente nas empresas que, por sua vez, investem grandes somas de dinheiro em pesquisas científicas, sejam básicas ou aplicadas. É claro que muitas vezes esse dinheiro retorna apenas em longo prazo, pois diversas vezes as pesquisas não se transformam em tecnologia, e o dinheiro investido parece "perdido". Entretanto, basta que uma boa idéia progrida e se transforme em um produto para garantir a existência e subsistência da empresa por muitos e muitos anos. Há diversos exemplos nas indústrias de eletroeletrônicos que ilustram esse ponto: basta ver a história do videocassete, do compact disk, ou mesmo do diskman. Mas é importante ressaltar que mesmo as pesquisas que não levam a um produto imediato têm como conseqüência um avanço científico. Idéias são testadas, profissionais são formados e subprodutos dessas pesquisas, geralmente, aproveitados.

    PAPEL DAS UNIVERSIDADES Nessa realidade sonhada, o papel da universidade é, justamente, fazer girar toda a engrenagem complexa, formando continuamente profissionais capazes de se inserir em um mercado de trabalho competitivo, realizando pesquisas básicas e aplicadas que gerem novas idéias ainda não imaginadas no âmbito industrial, formando a base sólida para uma sociedade bem implantada na inovação científica e tecnológica. O governo deve atuar no sentido de incentivar o contato entre o setor industrial e a universidade, por meio de programas específicos com os recursos necessários à inovação. A importância de iniciativas concentradas é patente quando se olha o site da iniciativa nanotecnológica americana (http://www.nano.gov): ali há participação de diversos órgãos do governo, institutos de pesquisa, agências nacionais, empresas, entre outros. É importante destacar que os recursos destinados pelo governo norte-americano nessa área cresceram enormemente nos últimos anos, o que indica a aposta em nanotecnologia: em 1997, foram investidos US$ 116 milhões, recursos que aumentaram gradualmente. Estima-se que o governo norte-americano fechará 2004 investindo cerca de US$ 960 milhões no setor, com perspectiva de chegar em US$ 980 milhões, em 2005. Apesar de muitas vezes essa imagem parecer uma utopia, a ainda nascente revolução nanotecnológica pode vir a ser a alavanca efetiva para inserir o Brasil nesse contexto.

    E como essa ação coordenada deve ser realizada em nosso país? Não há uma resposta única, mas certamente ela deve envolver os órgãos financiadores do governo federal e dos governos estaduais, a comunidade científica e o setor empresarial. E, apesar de tímidas, já há algumas ações que vêm sendo realizadas em diversas esferas. Por exemplo, na esfera federal, o principal órgão financiador de ciência, o CNPq, realizou em 2001 uma chamada para formar redes de pesquisadores com objetivos comuns na área de nanociências. Vários projetos foram aglutinados para formar quatro redes temáticas na área de nanociência e nanotecnologia com recursos limitados, mas que têm servido para integrar de uma maneira mais efetiva os pesquisadores dessas redes, e estimular colaborações e projetos comuns das diversas áreas para o futuro. Apesar de os recursos acabarem pulverizados pelo grande número de grupos envolvidos, é importante ressaltar que as redes conseguiram avanços significativos em muitos setores do conhecimento, encontros importantes foram estimulados e discussão sobre o tema avançou enormemente.

    AÇÃO DAS REDES Em paralelo à ação das redes, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) estabeleceu critérios e ações para o plano plurianual do governo (PPA 2004-2007). O programa "Desenvolvimento da Nanociência e da Nanotecnologia", que consta no PPA 2004-2007, foi criado a partir de recomendações de um grupo de trabalho abrangente, que gerou um documento-base, posteriormente submetido à consulta pública. Esse programa possui quatro ações básicas, cada uma com recursos disponibilizados anualmente. As ações, e seus respectivos recursos para 2004, são as seguintes: 1. implantação de laboratórios e redes de nanotecnologia (R$ 3,63 milhões); 2. apoio a redes e laboratórios de nanotecnologia (R$ 3,72 milhões); fomento a projetos institucionais de pesquisa e desenvolvimento em nanociência e nanotecnologia (R$ 1 milhão); 4. gestão do programa (R$ 350 mil).

    Considerando os montantes do programa, é fundamental concentrar esforços para evitar sua diluição. Fazer ciência é caro. Fazer nanociência é mais caro ainda! Para ser competitivo, é preciso ter produtos de última geração (microscópios eletrônicos, modernos métodos de investigação de propriedades físicas e químicas, por exemplo), que custam muito mais do que os recursos dados às redes. Se houver uma ação concentrada em algumas áreas estratégicas poderemos ser competitivos, de fato, com o resto do mundo e, até, sermos líderes em certas áreas ainda inexploradas. O ideal seria criar alguns centros de referência regionais, onde os recursos fossem investidos integralmente, para possibilitar que os demais pesquisadores da região tivessem acesso a equipamentos de última geração. As redes deveriam continuar, mas partindo de uma ação espontânea dos próprios pesquisadores a partir de chamadas mais focadas do próprio MCT. Um esforço nesse sentido já vem sendo realizado pelo governo, a ser ampliado em 2005, com a publicação de chamadas para editais de pesquisa em temas mais específicos, com a participação efetiva de empresas.

    Assim, cabe ao governo e aos pesquisadores coordenarem esforços para montar uma iniciativa nacional em nanotecnologia, abrangente e aberta. Essa iniciativa deve estimular a circulação de pesquisadores e estudantes, a produção e caracterização de novos materiais, a incubação de pequenas empresas, a utilização de equipamentos comuns, e grandes laboratórios nacionais.

     

    Marcelo Knobel é físico e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp.