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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.1 São Paulo ene./mar. 2005

     

     

     

    PUBLICAÇÕES

    A organização internacional dos moradores de rua

     

    Marcada pelo sofrimento e pela vulnerabilidade física constante, a vida dos moradores de rua se faz na luta diária em busca da sobrevivência e da resistência à exclusão. Mas a condição de habitante das ruas oferece a possibilidade de um olhar único sobre o cotidiano das grandes cidades do mundo. Veículos de comunicação, muitos dos quais pouco conhecidos, vêm conferindo visibilidade a esse olhar singular, oferecendo também alternativas de trabalho remunerado e de subsistência para os moradores de rua.

    Uma das iniciativas mais bem-sucedidas internacionalmente são os chamados street papers, jornais e revistas elaborados e/ou vendidos por moradores de rua. No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a ser comemorado em 3 de maio de 2005, será aberta, em Buenos Aires, na Argentina, a 10ª Conferência da International Network of Street Papers (INSP), uma rede internacional que abrange as publicações do gênero.

    As últimas três conferências aconteceram nas cidades européias de Glasgow, Praga e Madri, respectivamente. Em 2004, o jornal de rua Hecho en Buenos Aires ofereceu-se para sediar a próxima reunião. "Será bastante inspirador para os membros da INSP, principalmente aqueles dos chamados países desenvolvidos, conhecerem a produção de um jornal latino-americano feito com poucos recursos financeiros e bastante criatividade", considera Lisa Maclean, gerente de projetos da INSP.

     

     

    Com a realização de workshops e seminários, a conferência pretende constituir-se num espaço para a troca de experiências entre as publicações. A novidade da próxima reunião será o lançamento de uma agência de notícias denominada Street News Service, com o conteúdo a cargo dos movimentos sociais que trabalham com moradores de rua, e vinculados aos jornais e revistas que fazem parte da INSP.

    REDE DOS SEM-TETO Sediada em Glasgow, na Escócia, a rede reúne 55 publicações de 28 países, responsáveis pela circulação total de 26 milhões de exemplares por ano. Todas as publicações são editadas em papel de boa qualidade, apresentam projetos gráficos inovadores e, além de questões ligadas ao cotidiano dos moradores de rua, abordam assuntos relacionados a arte, entretenimento, projetos sociais e comportamento. A rede começou a ser tecida em 1991, com a revista inglesa The Big Issue, inspirada na iniciativa do Street Journal vendido pelos chamados homeless (sem-teto) de Nova York.

    Os moradores de rua que decidem tornar-se vendedores dos jornais e revistas da rede recebem treinamento, uniforme, crachá de identificação. Devem respeitar um código de conduta que não permite vender a revista sob o efeito de drogas ou acompanhado de crianças. Cada vendedor recebe uma cota de exemplares e fica com o dinheiro resultante das vendas. O objetivo é que a interação entre vendedores e compradores dos street papers permita aos moradores de rua reconstruir vínculos sociais e retomar, de forma independente, projetos de vida, por meio de um trabalho remunerado.

    EXPERIÊNCIAS NO BRASIL Duas publicações brasileiras integram a INSP: a revista Ocas da Organização Civil de Ação Social, entidade criada em 2002 em São Paulo e no Rio de Janeiro, e o jornal Boca de Rua, de Porto Alegre, que já participou de duas conferências da INSP.

    Embora faça parte da rede, cada jornal ou revista executa seu projeto de forma autônoma e coerente com a realidade da qual faz parte. O jornal Boca de Rua, por exemplo, atua de modo diferente da grande maioria das publicações que integram a INSP. Na medida em que são apenas vendidas por moradores de rua, poucas delas têm o seu conteúdo integralmente feito por eles, já que o objetivo principal desses jornais e revistas é a geração de renda. "A proposta do Boca de Rua é diferente: é dar voz a quem não tem. Nossa meta é conferir cidadania aos moradores de rua, por meio de um projeto de comunicação", afirma Rosina Duarte que, juntamente com Clarinha Glock e Eliane Brum, criaram o Boca de Rua no ano de 2000. As jornalistas são responsáveis pela reuniões semanais de pauta e pela edição final do jornal. Boa parte da finalização consiste na transposição da linguagem oral para a escrita, já que a maioria dos 35 moradores de rua que produzem o conteúdo do jornal, é analfabeta. O tema de cada edição, as reportagens, fotografias e ilustrações são discutidos e produzidos pelos moradores de rua, que também escolheram o nome e o logotipo do jornal.

    A experiência do Boca de Rua permite, assim, lembrar uma faceta pouco discutida a respeito dos moradores de rua: a sua exclusão cultural. "A exclusão cultural e a material não devem ser concebidas de modo isolado, pois são simultâneas. Buscar a integração social dos moradores de rua fornecendo-lhes apenas a alternativa para a sobrevivência econômica — ou comida e abrigo — é importante, porém insuficiente. Essas pessoas procuram, como quaisquer outras, um sentido para a sua existência e só por meio da cultura é que essa busca se faz possível", afirma a antropóloga Cláudia Magni, da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS).

     

     

    Carolina Cantarino