SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 issue1 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2005

     

     

     

     

    RECURSOS HÍDRICOS

    Polêmica marca projeto de transposição do rio São Francisco

     

    Quase tão antiga quanto a seca, a idéia de levar a água do Rio São Francisco para outras bacias hidrográficas voltou ao cenário político brasileiro. A polêmica se arrasta desde o Império e, se depender apenas da vontade do atual governo, o impasse está resolvido e as obras começam nos próximos meses. A previsão é começar investindo R$ 1,073 bilhão, apenas uma pequena parcela dos R$ 6,5 bilhões projetados para a obra ao longo de 20 anos. A oposição ao Projeto da Transposição do São Francisco, renomeado pelo atual governo como Projeto de Integração das Bacias, vem de especialistas em recursos hídricos, ambientalistas, dos próprios comitês das bacias e de comunidades locais.

    Entre as perguntas levantadas por eles, estão a vazão do rio e sua capacidade efetiva de abastecer outros rios; o custo final da água; o real uso futuro, se industrial ou humano; o impacto ambiental; e o alto custo do projeto. A região mais seca do país e seus 12 milhões de habitantes são o principal foco da proposta, de acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) mais recente, de julho de 2004. Ela abrange parcialmente os estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. As bacias hidrográficas que podem receber 3,5% da vazão do São Francisco seriam a do rio Jaguaribe (CE), rio Piranhas-Açu (PB e RN), rio Apodi (RN), rio Paraíba ( PB) e rios Moxotó, Terra Nova e Brígida (também de Pernambuco, que fazem parte da própria bacia do São Francisco).

    OPOSIÇÃO "Como defender que o São Francisco leve água para o Ceará se nós aqui em Delmiro Gouveia (AL), ao lado do rio, estamos sempre atrás de carros-pipa?", questiona o padre Heraldo Joaquim Cordeiro. Ele participa de manifestações da oposição, em passeatas com sem-terra, índios, colonos, pequenos agricultores e moradores da região do submédio São Francisco, de onde será desviada a água através de canais. Padre Heraldo defende o investimento oficial em projetos alternativos, onde a própria comunidade participe do controle. "A água no Nordeste sempre esteve atrelada ao coronelismo. Isso precisa mudar".

    O geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Moraes, também defende maior participação das comunidades. "Há muito tempo não há no Brasil uma obra dessa magnitude, como foi a Transamazônica, por exemplo. Elas têm um potencial muito grande de transformação, por isso deveriam ser mais discutidas com a sociedade". Moraes entende que questões técnicas fundamentais — como vazão — ainda não estão esclarecidas sequer para os estudiosos. "Há um lobby poderoso das empreiteiras atuando pró-obra, que vai além das forças dos estados. Não acho que deveria ter a prioridade que está tendo, porque não é a salvação anunciada. Isso tudo camufla a falta da discussão sobre o problema da estrutura fundiária", acrescenta o professor.

    PROJETO DE ENGENHARIA A obra implica na construção de 720 quilômetros de canais. No eixo norte, 420 quilômetros canalizados levariam água para os rios Jaguaribe, Piranhas-Açu e Apoti, onde estariam previstos projetos de agricultura irrigada. No eixo leste, seriam construídos outros 220 quilômetros de canais para aumentar a vazão do Moxotó, Paraíba e demais rios, para uso da população urbana e das indústrias. O Relatório de Impacto Ambiental (Rima) aponta 44 transformações prováveis decorrentes da obra, das quais 12 positivas e 32 negativas, entre as quais 11 foram consideradas mais relevantes.

    Para o vice-governador do Ceará, Francisco Queiróz Maia Júnior, a obra é uma boa notícia, reforçando o discurso do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que é o porta-voz do governo sobre o projeto.

     

     

    PROBLEMA ESTÁ NA DISTRIBUIÇÃO Para o engenheiro agrônomo especializado em recursos hídricos da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife (PE), João Suassuna, o problema não é a falta d'água, porque há potencial hídrico suficiente, constatação consensual entre técnicos que se reuniram em agosto na capital pernambucana para debater o projeto de transposição. "O que falta é gerenciar os recursos e estabelecer critérios", diz Suassuna. Segundo ele, dois estados que receberiam as águas do São Francisco (RN e CE) já possuem bacias hidrográficas que atendem a sua demanda atual. No Ceará localiza-se a maior represa nordestina, do Castanhão, com 6,7 bilhões de m3 de água; no Rio Grande do Norte está a segunda maior, a represa Armando Ribeiro Gonçalves, com volume de 2,4 bilhões de m3 de água.

     

     

    O pesquisador chama a atenção, ainda, para o custo da água previsto para o final da obra. Ele avalia que será um valor elevado para as atividades agrícolas nas bacias receptoras, se comparado ao valor praticado hoje em Petrolina (PE), nas terras irrigadas pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). A previsão é de que a água custará R$ 0,11 por m3, sem bombeamento, enquanto em Petrolina custa hoje R$ 0,023 por m3, incluindo bombeamento até a propriedade. "Seria um valor proibitivo para irrigação", conclui. Ao longo do leito do rio só 10% das terras férteis e agriculturáveis estão irrigadas pela Condevasf.

    REVITALIZAÇÃO João Paulo de Aguiar, adjunto da presidência da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), responsável pela geração de 95% da energia do Nordeste, pondera que a prioridade é a revitalização do rio. "A Chesf não é dona da água. Ela a utiliza para gerar energia, sem consumi-la. Não temos nenhuma relação com a transposição. Mas a obrigação da empresa é discutir os seus desdobramentos. Nós defendemos de imediato a revitalização do São Francisco e temos interesse nisso, por isso vamos investir R$ 6 milhões, em 2005, em projetos para diminuir a poluição e o desmatamento, além do controle de qualquer alteração do regime hídrico", diz Aguiar. Ao longo da extensão do rio, são 504 municípios, dos quais 90% não têm tratamento de esgoto. As águas recebem, ainda, despejos industriais.

     

    Adriana Menezes e André Gardini viajaram ao baixo e submédio São Francisco com apoio da TAM e da Chesf.