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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.1 São Paulo jan./mar. 2005

     

     

     

    SAÚDE DA MULHER

    Pesquisa vincula excesso de peso e má qualidade de vida a doenças hormonais

     

    O impacto da qualidade de vida da mulher, em relação às doenças hormonais, não está totalmente dimensionado, mas a maioria das pesquisas aponta a influência que aspectos emocionais, físicos, alimentares, profissionais e familiares têm sobre males como ovários policísticos, endometriose e infertilidade. A mudança de hábitos alimentares (menos gordura, mais vitaminas C e E) e a prática de exercícios físicos para, entre outras coisas, diminuir o estresse, podem mudar o padrão de incidência de problemas hormonais.

    Há riscos, porém, nessa generalização, alerta o pesquisador Fernando Reis, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Prefiro não falar em 'problemas hormonais' de modo tão genérico, pois existem centenas de hormônios com características muito diversas", afirma Reis. Mas ele confirma que estudos recentes apontam uma relação direta entre o excesso de peso da mulher e a Síndrome dos Ovários Policísticos (PCOS, na sigla em inglês), doença que cresce em todo o mundo na mesma proporção que a obesidade.

    "As doenças mais comuns na mulher, como diabetes e síndrome dos ovários policísticos, têm um forte componente genético mas também estão ligadas a fatores como excesso de peso, decorrente de erros de dieta e sedentarismo", diz Reis, que trabalha, atualmente, na Universidade de Siena, na Itália, na área da pesquisa de endocrinologia ginecológica. Existem poucos estudos sobre a real prevalência da PCOS na população, mas o principal foco da pesquisa hoje é se as alterações metabólicas causam os problemas hormonais ou vice-versa, ou se ambos provêm dos mesmos genes.

    PESQUISA "A descoberta de novos genes, novas mutações e polimorfismos e novos mecanismos de interação entre os produtos desses genes poderão elucidar a origem de doenças comuns importantes mas pouco compreendidas", adianta o professor.

    Segundo Reis, existe a percepção, por parte dos profissionais que lidam com PCOS, de que a prevalência da síndrome tem aumentado. "Mas não sabemos ao certo a razão. Sabemos apenas que: primeiro, a obesidade se associa à PCOS; e, segundo, PCOS é o distúrbio endócrino mais comum entre as mulheres jovens americanas, segundo dados publicados no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism por Ricardo Aziz e colaboradores, em junho de 2004". Reis menciona, ainda, uma reportagem sobre o assunto do Washington Post (www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A25561-2004Apr19.html).

    SOBREPESO E INSULINA A falta de diagnóstico correto preocupa pois, sem cuidados médicos, mulheres portadoras de PCOS têm mais riscos de desenvolver problemas metabólicos como resistência à insulina e hiperinsulinismo, diabete tipo 2, dislipidemia, além de doenças cardiovasculares e câncer de endométrio.

    Como uma das funções da insulina no organismo é transportar a glicose do sangue para dentro das células para abastecê-las com energia, a pessoa acima do peso precisa mais desse hormônio que, por sua vez, age nos ovários e estimula a produção de hormônio masculino. A conseqüência natural na mulher é a alteração na ovulação e a formação de cistos, além de problemas de fertilidade, explica a médica endocrinologista Ruth Clapauch, presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo.

    A obesidade desencadeia essa disfunção que ocasiona, inclusive, o ovário policístico. Esse mecanismo pode causar o hiperinsulinismo e a resistência à insulina. O desenvolvimento de medicamentos para a resistência insulínica é o principal foco de pesquisa do departamento de Ruth Caplauch. Segundo ela, a síndrome dos ovários policísticos chega a atingir 8% das mulheres em idade reprodutiva.

    A Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem desenvolvido trabalhos importantes sobre o diagnóstico, o tratamento e as bases genéticas da síndrome, no grupo de pesquisa liderado pela professora Poli Mara Spritzer, do qual Fernando Reis também é colaborador. Além disso, o professor desenvolve outras pesquisas sobre hormônios femininos em colaboração com os grupos especializados em reprodução humana, do professor Aroldo Camargos, e fisiologia da reprodução, da professora Adelina Martha dos Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais.

    INFERTILIDADE Reis afirma que um artigo de revisão, publicado recentemente na revista Lancet, aponta que 10% a 15% dos casais no mundo têm dificuldade de conceber. "Se eu tivesse que apontar um fenômeno social recente como candidato a aumentar a ocorrência de infertilidade, arriscaria dizer que é a tendência de se adiar para uma idade cada vez mais avançada o momento de tentar a primeira gravidez. Com o passar dos anos, a fecundidade dos casais naturalmente diminui".

    A mulher de hoje, afinal, tem controle sobre a sua fertilidade, tem menos filhos, adia a maternidade e tem maior expectativa de vida. Como conseqüência, ela menstrua mais vezes e passa um terço de sua vida na pós-menopausa, período pelo qual, normalmente, submete-se aos tratamentos de reposição hormonal, os quais tentam repor o estrógeno e a progesterona que deixaram de ser produzidos pelos ovários. Paralelamente, o papel social da mulher mudou. No entanto, apesar de seu trabalho no mercado, sua independência econômica e o fim da dedicação total ao lar, ela ainda é submissa. Mas agora ela se submete aos padrões que lhe impõem, de "peso ideal" e "juventude eterna".

    A endocrinologista Ruth Clapauch considera que o mal causado à saúde da mulher devido às pressões pelos padrões estéticos é tão grande que pode levar à infertilidade. "O estresse agudo provoca a parada da menstruação, ou seja, da ovulação", afirma Clapauch. Além disso, lembra a médica, a opção pela reprodução em idade avançada implica, obrigatoriamente, em menor fertilidade, uma vez que as chances de gravidez em cada ciclo de uma mulher de 20 anos é maior que aquela que tem mais de 35.

    ENDOMÉTRIO "A endometriose relaciona-se ao estresse, à ansiedade e ao estilo de vida, em especial nas grandes cidades. E ocorre principalmente em mulheres que nunca tiveram filhos", diz o professor Carlos Petta, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ginecologista e obstetra, ele é responsável pelo ambulatório de endometriose do Centro de Pesquisa das Doenças Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp), ligado ao Centro de Atenção Integrada à Saúde da Mulher (Caism).

    A doença é diagnosticada quando o tecido endometrial, que reveste as paredes do útero, é encontrado fora da cavidade uterina. As formas de tratamento disponíveis são a remoção cirúrgica do tecido, o uso de contraceptivos hormonais combinados ou progestogênios (orais, injetáveis ou na forma de DIU). Mas a melhor prevenção da endometriose, segundo Petta, é uma vida mais tranqüila, com prática de exercícios aeróbicos, que melhoram a imunidade e aumentam a capacidade de suportar a dor. Além disso, a alimentação deve ser rica em fibras, com vitamina C e E, sem condimentos.

    ESTILO DE VIDA Cerca de 5% a 10% das mulheres que se encontram no período fértil de sua vida, na fase entre 11 e 45 anos, apresentam a doença. Carlos Petta realizou pesquisa sobre o perfil e o estilo de vida das mulheres que manifestam a endometriose, das quais 90% tinham depressão. Esse e outros resultados foram publicados em artigo científico na revista norte-americana Human Reproduction, de abril de 2003, com o título "Time elapsed from onset of symptoms to diagnosis of endometriosis in a cohort study of Brazilian women".

    "Não se conhece ainda a causa da endometriose, apenas fatores de risco, entre os quais, além do estresse, encontram-se fatores genéticos e a dioxina, um poluente orgânico", diz Petta. Durante a gravidez e o período pós-menopausa, a mulher não corre o risco de ter a doença, porque são fases em que o estrogênio está baixo ou ausente.

     

    Adriana Menezes