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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.1 São Paulo jan./mar. 2005

     

     

     

     

    FÓRUM SOCIAL EUROPEU

    Em debate as novas formas de controle da produção e da vida

     

    Mais de 500 anos após o início do processo de acumulação primitiva, descrito por Karl Marx há pouco mais de um século no capítulo 25 do livro primeiro de O Capital, um processo análogo pode estar ocorrendo na atualidade. É o que sustentam alguns movimentos sociais, liderados pela ONG canadense ETC Group (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologias e Concentração). Segundo eles, as grandes corporações estariam, com o uso da tecnologia, promovendo novos "cercamentos" (new enclosures, no termo em inglês). Da mesma forma como as terras comunais foram sendo "cercadas" e tomadas por aqueles que se tornaram os donos dos meios de produção, hoje os grandes proprietários, as empresas, usam a tecnologia para adquirir privilégios e criar novos monopólios.

    A idéia foi apresentada no Fórum Social Europeu, realizado em Londres, em outubro passado. Sob o tema "Resistindo aos monopólios corporativos e aos novos cercamentos", o ETC Group reuniu representantes da Associação Britânica pelo Software Livre, do Greenpeace e do Corporate Watch. O debate abordou a questão das patentes sobre software e sobre a vida; o futuro, aplicações e a fusão entre nano e biotecnologia; e as características da nova geração de plantas transgênicas, entre outros temas.

    A acumulação primitiva teve como efeito imediato a apropriação da terra e concentração dos meios de produção para, em seguida, gerar investimentos que levaram à industrialização e à emergência do proletário. Hoje, esse papel é desempenhado pelas empresas que controlam o desenvolvimento tecnológico e criam mecanismos que, combinados com as leis de propriedade intelectual, reforçam antigos monopólios, além de instituir outros, agora sobre as formas de vida. Algumas novas tecnologias criadas servem para controlar a germinação de plantas, o posicionamento geográfico de animais ou mesmo para o gerenciamento de obras que circulam pela internet.

     

     

    TRANSGÊNIA As siglas V-GURTs e T-GURTs designam dois "novos cercamentos" sobre as formas de vida. A primeira – Tecnologia para a Restrição de Uso da Variedade Genética – tem sua maior expressão na tecnologia terminator, aquela em que a variedade transgênica da planta é estéril. Logo após a concessão de patente por essa tecnologia, em 1998, surgiu uma intensa repercussão internacional a partir dos protestos de agricultores temerosos que a prática de guardar as sementes de uma safra para outra se tornasse impossível. A Monsanto, que adquiriu a patente no ano seguinte, comprometeu-se a não usar a a tecnologia, a não ser para testes internos da companhia.

    A tecnologia T-GURTs foi descrita como a segunda geração do controle sobre a vida. A sigla pode ser traduzida por Tecnologia para a Restrição do Uso de Traços Genéticos. Nesse caso, não apenas a fertilidade da planta é controlada mas também a expressão de certa característica do organismo. Uma plantação transgênica, por exemplo, só poderia ter sua resistência a certa praga ativada após a aplicação de um determinado composto químico, fornecido pela empresa detentora da tecnologia. Os agricultores que adquirirem as suas sementes no mercado ilegal não obteriam vantagem alguma pois não possuirão o composto químico capaz de "ligar" o gene de resistência.

     

     

    Para as entidades presentes ao debate, há um risco iminente de contaminação de plantações vizinhas com essa tecnologia, já que a semente que ela produz não é estéril. Nesse caso, uma plantação contaminada poderia não se desenvolver por completo, pois o agricultor não disporia dos insumos químicos para ativar um gene de crescimento, por exemplo, pois não adquiriu as sementes do detentor da tecnologia. Recentemente, um agricultor canadense, Percy Schmeiser, foi condenado por ter em suas terras plantações trangênicas de canola sem ter adquirido as sementes da empresa proprietária, a Monsanto. Ele alegou a contaminação de sua lavoura mas a Justiça decidiu que não importava a origem das sementes e, sim, que a tecnologia presente nelas é de propriedade da empresa.

    A tecnologia para tornar o desenvolvimento normal de uma planta dependente da adição de um determinado insumo químico já existe e sua patente é de propriedade da Syngenta, um dos gigantes da biotecnologia. De certa forma, esse tipo de tecnologia seria um aprimoramento das plantas terminator. As sementes estéreis têm um alto custo de produção, o que dificulta a sua entrada no mercado. Plantas que precisam ser "ligadas" para crescer ou para se tornarem férteis teriam um menor custo de produção.

    A ONG canadense acredita que o alto investimento das empresas no desenvolvimento dessas tecnologias se deve à dificuldade encontrada para a aplicação legal dos direitos de propriedade intelectual. "Terminator e outras tecnologias de controle da expressão de traços genéticos podem substituir ou se somar à propriedade intelectual como opção de estabelecer a supremacia tecnológica no mercado de sementes", afirma o grupo no comunicado intitulado "New enclosures: métodos alternativos para aumentar o monopólio das corporações e a bioservidão no século XXI".

    Contratos como os que são estabelecidos pelas empresas com os agricultores nos Estados Unidos são tidos, pelas entidades, como equivalentes jurídicos das GURTs. Por esses contratos, os agricultores se comprometem a comprar novas sementes a cada safra, usar o pesticida fornecido por um único fornecedor e submeter-se à inspeção periódica de agentes da empresa, além de manterem sigilo sobre pontos do contrato. O New York Times já classificou esses agentes de "polícia genética".

     

    Rafael Evangelista