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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2005

     

     

    NOVOS ARRANJOS PRODUTIVOS, ESTADO E GESTÃO DA PESQUISA PÚBLICA

    André Tosi Furtado

     

    A política científica e tecnológica atual busca um maior entrosamento entre a pesquisa pública e o setor privado na economia. Esse novo padrão de intervenção consiste muito mais em uma mudança de ênfase na gestão das organizações existentes do que uma nova orientação dos gastos públicos. Existe uma certa continuidade na forma em que o Estado vem atuando na ciência e tecnologia desde o pós-guerra embora haja uma mudança de ênfase. Abandona-se o modelo linear science-push de política científica para um outro modelo de interação demand pull. A verdadeira mudança ocorre no plano da relação entre o público e o privado no sistema nacional de C&T. Na atualidade, o setor privado-empresarial ocupa um espaço cada vez maior do financiamento e da execução da pesquisa nos países desenvolvidos. Essas mudanças de postura dos países desenvolvidos estão se refletindo na agenda brasileira de política de C&T, com todas as limitações inerentes a posição deste país na divisão internacional do trabalho.

    O atual debate sobre política científica e tecnológica deve ser situado nesse contexto no qual se insere a sociedade brasileira. Por isso aborda-se, num primeiro item, a política científica e tecnológica dos países desenvolvidos, apoiando-se fundamentalmente no caso dos Estados Unidos, país que realiza 44% dos gastos de P&D dos países da OCDE. Depois, enfoca-se como as mudanças ocorridas nos países desenvolvidos estão repercutindo na forma como é conduzida a política científica e tecnológica no Brasil.

    POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS Desde o fim da II Guerra Mundial formaram-se, nas democracias ocidentais, os fundamentos do que seria a política do Estado em matéria de ciência e tecnologia. Não só tomou-se como premissa que a pesquisa científica era a mola propulsora do desenvolvimento humano, mas que o Estado deveria apoiar e orientar essa atividade. Esse consenso traduziu-se no famoso relatório dirigido por Vannevar Bush intitulado "Science the Endless Frontier" encaminhado ao presidente Truman no momento em que se vislumbrava o que seria o pós-guerra. O documento visava demonstrar a importância da pesquisa científica para o período de paz e recomendava uma intervenção muito mais direta do Estado na atividade científica, do em épocas anteriores, como mecanismo de promoção do desenvolvimento econômico e do bem estar da sociedade moderna. Essa intervenção deveria ocorrer por meio da criação de uma agência de fomento que apoiaria a pesquisa básica e aplicada. Além de preconizar o apoio a fundo perdido à pesquisa básica, como mecanismo de geração de novas oportunidades de desenvolvimento para o futuro, o Estado deveria orientar o esforço científico e tecnológico nacional de acordo com prioridades nacionais de ordem estratégico-militar, social e econômica (1).

    O Projeto Manhattan (1943-45), que levou ao desenvolvimento da primeira bomba atômica, foi um marco nesse processo de tomada de consciência do novo papel do Estado no campo científico. Até então, se pode considerar, de forma esquemática, que a pesquisa básica caminhava praticamente independente do que era o mundo da tecnologia. Após esse grande programa, ficou claro que a atividade de pesquisa poderia alcançar novos horizontes se conduzida a partir de uma grande mobilização de esforços e coordenada centralizadamente, o que só grandes potências seriam capazes de realizar.

    O modelo do grande programa militar inaugurado pelo Projeto Manhattan terá continuidade no pós-guerra, com a implementação de novas instituições e formas de intervenção pública em âmbito federal nos Estados Unidos. A National Science Foundation, criada em 1950, ficará encarregada de apoiar a pesquisa básica, que irá receber um apoio público crescente. O apoio à pesquisa básica será, posteriormente, legitimado pela teoria econômica, que irá considerá-la como um bem público gerador de externalidades em que agentes privados subinvestiriam. Esse argumento legitimaria o aporte do Estado de recursos a fundo perdido (2).

    Por outro lado, os ministérios ficarão encarregados de apoiar diretamente a pesquisa aplicada de caráter tecnológico. Nesse âmbito irão surgir os programas e os laboratórios nacionais a cargo de missões específicas. Foram se constituindo várias formas diferenciadas de apoio do Estado a políticas mission oriented em matéria de C&T (1). O ápice desse modelo na área civil será a formação da Nasa e a missão de lançar o homem à Lua.

    O pós-guerra foi o período auge dos grandes programas tecnológicos. Eles representam a tradução de importantes escolhas feitas pelo Estado de caráter político. Essas escolhas tenderam a privilegiar determinadas atividades ou setores que estão associados a objetivos nacionais militares, de segurança ou de prestígio nacional. O desenvolvimento dessas tecnologias exigia a mobilização de vultosos recursos que eram canalizados para determinadas atividades de desenvolvimento de novas tecnologias. Esse modelo apostava na descontinuidade tecnológica.

    A lógica do grande programa dominou por muito tempo a política científica e tecnológica dos países desenvolvidos. Ela encontrou sua legitimidade nos transbordamentos gerados por atividades com grande potencial tecnológico. Criou-se o termo de spin-off para designar o processo de transferência de tecnologia dos grandes programas tecnológicos públicos militares ou civis para o setor produtivo. Essas transferências ocorrem tanto intra-setorialmente (nuclear militar para o civil, aviação militar para a civil, espacial militar para civil) como intersetorialmente (espacial para telecomunicações, nuclear para medicina, militar para eletrônica).

    Uma mudança profunda no modelo de política científica e tecnológica construída no pós-guerra começará a se desenhar a partir do final dos anos 1960. O programa Apollo que levou o homem à Lua deixará atrás de si um grande vazio na sociedade americana (3). Começará a surgir uma crescente crítica ao gasto público em atividades de prestígio com a finalidade de expandir a fronteira tecnológica. O congresso americano começará a escrutinar mais os programas tecnológicos e a exigir que estes comprovassem a geração de retornos econômicos. No início dos anos 1970 serão abandonados importantes programas como o do avião supersônico civil. O congresso irá cortar pesadamente as verbas do programa espacial, que havia sido beneficiado com grandes volumes de recursos na década anterior.

     

     

    Ao mesmo tempo, a política científica e tecnológica será chamada a responder a desafios mais imediatos que surgiam para a sociedade como na área de saúde e energética. A crise do petróleo fará surgir novas urgências para a sociedade americana. Os programas de pesquisa na área nuclear e de energias alternativas ao petróleo da década de 1970 irão preencher a agenda de pesquisa do governo americano. Porém, a mudança mais profunda se dará não no plano das prioridades, mas na definição dos montantes e na repartição dos gastos entre setor público e privado (4). O setor público que representava 67% do financiamento de P&D nos Estados Unidos, em 1965, irá definhar progressivamente até alcançar, em 2000, 27%, ao passo que o financiamento de origem empresarial ocupará o espaço deixado pelo Estado. Essa mudança ocorrerá em função de um progressivo estancamento dos gastos públicos e da expansão do gasto privado em P&D. Os programas civis irão enfrentar crescentes obstáculos internos, assim como os militares, salvo em períodos de aumento do belicismo da política externa americana, como o período Reagan e o do atual Bush (filho).

    O maior desafio das economias ocidentais não provirá da crise energética como se imaginou no início da década de 1970, mas do aumento da concorrência entre as nações capitalistas, principalmente da concorrência japonesa, que irá derrubar as vantagens competitivas dos Estados Unidos e da Europa em setores de média e alta tecnologia. Esses países começarão a apresentar volumosos déficits comerciais com o Japão nesses produtos industriais em que eram, anteriormente, líderes.

    Nesse contexto, a política construída no pós-guerra irá ser crescentemente criticada. Atribui-se, com certa razão, uma lógica linear a esse modelo que pressupõe que o gasto em pesquisa básica e, sobretudo, em tecnologias e setores estratégicos irão ser transferidos aos demais setores da economia, e reverterão em benefícios para o país de forma quase automática e sem custos (5). Nos Estados Unidos, cem empresas recebiam 84% dos recursos federais destinados ao setor produtivo em 1995. A capacidade dessas empresas em reverter esses recursos para a sociedade será crescentemente questionada, sobretudo diante da tendência das mesmas a se internacionalizarem e a deslocarem suas atividades produtivas para países que ofereciam custos salariais mais baixos.

    A partir de então o pressuposto, segundo o qual o conhecimento gerado pela pesquisa fomentada pelo governo iria reverter automaticamente para empresas nacionais, será crescentemente colocado em questão. Outros países com sistemas de inovação diffusion oriented tinham maior capacidade de internalizar esses benefícios (6). A política tecnológica americana irá deslocar gradualmente a ênfase dos grandes programas que atendiam missões do governo federal para outros programas voltados para performance da indústria e do setor privado. O propósito será de apoiar tecnologias genéricas e pré-competitivas e as pequenas empresas inovadoras. Essa mudança de rumo na política científica e tecnológica americana se delineia mais precisamente a partir do governo Bush (pai) (5).

    A partir da crise do modelo linear de política científica e tecnológica surge a proposição de um novo padrão mais descentralizador. Ao invés de assumir o papel de liderança do processo de inovação, o Estado deveria induzir a atuação dos demais agentes, principalmente empresas. Nesse ambiente de coordenação descentralizada, a mudança de regras institucionais assume um papel importante. Um dos principais problemas para que houvesse maior interação entre os setores privados e da pesquisa pública residia na questão da propriedade intelectual. O Bayh-Dole Act, de 1980, possibilitará que as universidades e institutos de pesquisa pudessem adquirir direitos de patentes sobre a pesquisa, apoiadas pelo governo federal. Com isso deu-se maior incentivo para que a iniciativa privada investisse na comercialização dessas tecnologias (7). O National Cooperative Research Act, de 1984, autorizou a pesquisa cooperativa entre empresas sem que ela fosse enquadrada pela Lei Antitruste, abrindo a possibilidade das empresas empreenderem alianças estratégicas para P&D.

    O governo americano implementou novas modalidades de programas tecnológicos, como o Advanced Technologies Program (ATP) e o Small Business Innovation Research Program (SBIR). São programas que incorporam em suas metas a difusão e a inovação descentralizada. Os recursos são distribuídos a um elevado número de projetos com grande potencial de difusão tecnológica. O ATP atua em novas tecnologias e na infra-estrutura tecnológica. O financiamento público ocorre, quase sempre, de forma complementar ao privado. O objetivo, nesse aspecto, é que o financiamento público seja complementar ao privado, e não substituto do mesmo. Ele só deve ocorrer quando o investimento privado é insuficiente, e na medida exata para não desincentivá-lo. O programa também encoraja a pesquisa cooperativa entre empresas e universidade. O SBIR tem o propósito de apoiar a pequena empresa de maneira horizontal. Cada ministério ou agência federal com gastos extramuros superiores a US$ 100 milhões deve alocar 2,5% de seus recursos para pequenas empresas. Essa mudança de postura na política científica e tecnológica não se resume apenas aos Estados Unidos. Um importante país da Europa Ocidental como a França, que havia embarcado em um modelo de política mission-oriented similar ao americano, porém ainda mais estatizante, introduziu, desde os anos 1980, progressivas alterações nos rumos internos da política científica. Os grandes programas tecnológicos franceses irão perder progressivamente prioridade. As estatais, que junto com os grandes institutos públicos de pesquisa eram a ponta-de-lança do modelo "colbertista", serão privatizadas e passarão a seguir lógicas autônomas. A política pública começará a dar mais ênfase à pequena e média empresa e ao desenvolvimento regional. A Agência Francesa para Inovação (Anvar) passou a apoiar, preferencialmente, por meio de empréstimos reembolsáveis e créditos fiscais pequenas e médias empresas, a partir dos anos 1980. Essa agência foi descentralizada regionalmente para ter uma atuação mais distribuída no conjunto nacional.

    As mudanças da política científica e tecnológica nos países desenvolvidos respondem a importantes mudanças produtivas e econômicas no plano internacional. A necessidade de competir, principalmente por parte do setor privado, induziu o aumento do investimento em inovação. Paralelamente, aumenta a incerteza tecnológica inaugurada pela "sociedade do risco" que toma corpo a partir da crise dos anos 1970 (8). Os grandes programas tecnológicos governamentais serão as grandes vítimas dessas transformações. Porém, a maior incerteza, nessa nova fase da economia capitalista, é a incerteza macroeconômica que se intensifica com as profundas oscilações dos mercados financeiros.

    Caberá ao Estado, nesse novo contexto, um papel de coordenador, mas não mais de liderança do processo de inovação. As empresas privadas irão assumir um papel cada vez mais importante nas decisões de pesquisa. Os elementos de incerteza e o aumento da competição entre os pólos da tríade irão fazer com que as empresas, além de intensificarem seus esforços internos, busquem fontes externas de conhecimento tecnológico para diminuírem seus riscos. A constituição de acordos entre empresas e a formação de redes cooperativas entre estas e instituições de pesquisa serão formas das empresas aumentarem a efetividade de seus esforços tecnológicos, num ambiente de crescente incerteza.

    A política científica e tecnológica dos países desenvolvidos não sofreu uma mudança tão radical quanto o que é normalmente alardeado pela literatura. Os grandes programas tecnológicos e os gastos militares continuaram ocupando um lugar proeminente nos orçamentos governamentais. As novas modalidades de fomento, como as mencionadas anteriormente, representam uma pequena parcela dos gastos federais americanos em P&D. Porém, as mudanças ocorridas no plano do gasto no plano nacional repercutiram sobre o modelo de gestão dos órgãos públicos de pesquisa que passaram a interagir e a valorizar mais seus elos com empresas.

    CONTEXTO BRASILEIRO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA O Brasil acompanha tardiamente, e de forma muito mais limitada, a evolução das nações líderes ocidentais. O sistema de C&T brasileiro era muito mais incipiente quando se cristalizou a mudança de postura do Estado no pós-guerra. O apoio público sistemático à atividade de pesquisa organizada começa a ocorrer a partir da década de 1950 com a criação do CNPq e da Capes e de instituições de pesquisa como o CBPF.

    Ainda assim, esse sistema era de pequeno porte até o final da década de 1960. Uma verdadeira idade de ouro para a C&T irá ocorrer na década subseqüente com a formação de numerosos institutos públicos e a promoção da pós-graduação nas universidades públicas. Nesse período, consolida-se o financiamento à inovação tecnológica com a criação do FNDCT e da Finep. O sistema de C&T brasileiro assume uma dimensão próxima da atual durante esse período.

    A partir dos anos 1980, o sistema de C&T brasileiro alcança seu estado estacionário, com grandes oscilações devido às crises cíclicas da economia brasileira. Isso não impediu que as instituições públicas de pesquisa, principalmente as acadêmicas, iniciassem importantes transformações devido ao amadurecimento dos investimentos iniciados durante a década de 1970.

    O sistema de C&T brasileiro ainda está muito concentrado no Estado. A iniciativa privada e o setor produtivo têm uma participação minoritária tanto do lado do financiamento como da execução da P&D no Brasil. Ainda assim, ela não é desprezível e indica avanços nas últimas décadas. O setor industrial era responsável por 32% da execução e 38% do financiamento de P&D em 2000.

    A política científica e tecnológica brasileira deu menor ênfase aos grandes programas tecnológicos do que em países desenvolvidos mission-oriented. A chamada Big Science ocupou menor espaço no país e a Big Technology, que recebeu forte apoio durante os governos militares com os programas aeroespacial, militares e nuclear, perdeu progressivamente espaço a partir do processo de redemocratização do país.

    Entretanto, a política científica e tecnológica teve um viés bastante aplicado desde seu início, no começo do século XX. As áreas da agricultura e da saúde sempre ocuparam um papel de destaque no sistema C&T brasileiro, e são até hoje das mais expressivas no campo da produção científica e tecnológica. Nessas áreas há uma clara convergência entre a geração de pesquisa pública com as demandas do setor privado.

    No plano industrial, a atuação da pesquisa pública sempre foi muito mais circunscrita a determinados setores e estados da federação. Muitas vezes esses setores sofreram influência de prioridades estratégico-militares, como é o caso dos setores aeronáutico, energético, de telecomunicações e informática.

    A pós-graduação foi a dimensão mais bem-sucedida da política científica brasileira, apesar da crise econômica que afligiu o país, levando a uma estabilização dos recursos financeiros. O número de alunos titulados e de trabalhos científicos produzidos aumentou substancialmente durante as décadas de 1980 e 1990. O Brasil aumentou sua participação na produção científica internacional de 0,44%, em 1981, para a 1,55%, em 2002 (9).

    O padrão de política científica e tecnológica, construído durante a fase militar, sofreu uma grande inflexão no setor industrial com a privatização das estatais e com as quebras de monopólios, ocorridas na década de 1990, em setores de infra-estrutura. Esses setores, que assumiam a liderança do projeto industrializante do país, sofrerão a perda de um de seus principais atores – as empresas estatais. Os laboratórios públicos associados a essas empresas perderão os seus elos privilegiados e enfrentarão crescentes problemas de sustentabilidade financeira.

    Para contrabalançar essa tendência, o governo federal, a partir de 1993/1994, tomou a iniciativa de aumentar o gasto público em C&T, por intermédio de agências como a Capes, CNPq, Finep, e alguns governos estaduais seguiram essa tendência. As novas modalidades de fomento surgidas nesse período enfatizam a relação entre universidade e empresa. Uma das mais importantes iniciativas desse período foi o PADCT III, cujo componente principal de desenvolvimento tecnológico apoiava projetos cooperativos entre universidades e centros de pesquisa com empresas. Esses projetos requeriam que as empresas contribuíssem com contrapartidas financeiras para que fossem habilitadas a participarem efetivamente deles. Os recursos foram descentralizados regionalmente, com a criação de um subcomponente destinado a projetos regionais. Apesar dos limitados recursos que recebeu, essa iniciativa obteve um importante grau de sucesso (10), demonstrando de certa forma que o programa vinha a atender e revelar um potencial reprimido de relação entre universidade e empresa no país.

    A política de recomposição financeira foi colocada em xeque com a crise de 1998 que conduzirá à desvalorização do real frente ao dólar. Os cortes para área de C&T serão profundos levando a uma crise nas universidades e instituições de pesquisa. A saída para esse impasse será encontrada com a criação dos fundos setoriais no segundo mandato do governo FHC. Estes surgiram no setor de petróleo, e logo foram estendidos a uma vasta gama de setores com sucesso variado em função da riqueza de cada um deles.

    Os fundos foram bem-sucedidos porque se apoiaram em novas fontes de receita, decorrentes da re-regulamentação de setores anteriormente sob forte intervenção pública. Entretanto, eles não souberam e nem puderam, devido ao momento em que foram introduzidos, ocupar um espaço claramente definido na política científica e tecnológica do país. A premissa era de que o fundo deveria ser uma política vertical para determinados setores, que se sobreporia às políticas tecnológicas horizontais e às destinadas à ciência básica. O primeiro e o principal fundo setorial criado pelo governo, em 1999, foi o do petróleo (CTPetro). Tentava-se, através dos fundos, neutralizar os efeitos negativos causados pelas privatizações, pelo aumento da concorrência e pela quebra dos monopólios em setores anteriormente dominados pelas estatais onde era mais forte a pesquisa industrial no país (energia e telecomunicações).

    Entretanto, o momento em que foram introduzidos era de crise financeira para o sistema de C&T brasileiro, de maneira que os fundos acabaram vindo para salvar o estrago causado pelo cortes nos programas tradicionais de apoio à ciência. Tanto é assim que, frente às pressões da comunidade científica, os governantes criaram o Fundo Verde Amarelo, destinado a apoiar a pesquisa acadêmica de maneira horizontal, e o CTInfra, orientado a reforçar a infra-estrutura de instituições públicas de pesquisa, para contemplar as necessidades de pesquisa acadêmica que não se enquadravam nos rígidos moldes dos recortes setoriais dos fundos.

    Ainda assim, os fundos tiveram um claro viés direcionado ao fomento da inovação tecnológica. A modalidade de apoio principal dos fundos foi executada por meio do FNDCT, que é gerenciado pela Finep, e destinou-se a projetos cooperativos entre universidades, centros de pesquisa e empresas. Esses projetos requeriam contrapartida financeira das empresas. A barreira da contrapartida fez com que, como no caso do CTPetro, poucas delas conseguissem participar de projetos cooperativos (11).

    Os fundos causaram um impacto limitado no sistema de C&T nacional porque, apesar de estarem respaldados em lei, de se apoiarem em uma nova fonte de receita e de envolverem uma gestão compartilhada entre o Estado e os demais segmentos da sociedade, logo tiveram seus recursos contingenciados pelo governo. De imediato, retirou-se um dos pilares da justificativa de criação dos fundos.

    A política científica e tecnológica brasileira está enfrentando dificuldades ainda maiores do que nos países desenvolvidos devido à falta de perspectiva de crescimento da economia. Tanto os grandes programas tecnológicos (espacial, militar) quanto as modalidades de fomento a projetos cooperativos universidade-empresa carecem de base de sustentação financeira por parte do setor público. Ainda assim, o fomento a projetos cooperativos entre universidade-empresa passa a dominar a agenda do país. Mesmo a Fapesp, uma agência estadual paulista voltada ao apoio à pesquisa acadêmica, incorpora essas novas modalidades de fomento.

    A importância que é dada aos projetos cooperativos universidade-empresa encontra respaldo em dois argumentos principais: mobiliza uma fonte de recursos complementar ao gasto público e associa demanda empresarial à geração de tecnologia do setor acadêmico. De certa forma, foi esse o mecanismo que o ator público encontrou para buscar aproximar o pólo acadêmico, mais capacitado, do pólo empresarial, menos capacitado. No entanto, ele é ineficaz para induzir o aumento do gasto empresarial em P&D interno.

    Essas novas modalidades de políticas incentivam, também, a utilização de instituições de pesquisa para potencializar o seu entorno regional. Fazem parte dessa nova modalidade de ação o apoio aos novos arranjos produtivos locais, às incubadoras e start-ups e aos pólos tecnológicos. Também, como nos países desenvolvidos, essas modalidades de fomento ocupam um lugar muito tímido no conjunto do incentivo público e, ademais, enfrentam uma fraca demanda empresarial. A importância de pólos tecnológicos é ainda muito modesta, e se restringe a casos em que os investimentos realizados durante a idade de ouro da política C&T brasileira foram decisivos, como Campinas, São Carlos e, sobretudo, São José dos Campos (12).

    CONCLUSÕES A política científica e tecnológica brasileira sofreu uma inflexão semelhante a dos países desenvolvidos na busca de estreitar os elos entre a pesquisa pública e as empresas. Essa política de apoio à P&D cooperativa ainda enfrenta sérias limitações, porque o setor privado efetua um esforço tecnológico limitado. Ainda assim, os mecanismos encontrados para fomentar essa interação são inadequados porque não incentivam a empresa a fazer P&D, mas que a contrate fora. Contudo, o principal problema da política científica e tecnológica está em: por um lado, na ausência de foco associada à dispersão de recursos entre um grande número de programas e iniciativas; e, por outro lado, na falta de força política dentro do governo federal que permita implementar as verbas destinadas à C&T.

     

    André Tosi Furtado é pós-doutor pelo Centre de Recherche Sur L’environnment et le Développement, professor do Instituto de Geociências, no Departamento de Política Científica e Tecnológica, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) .

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Brooks, H. "National science policy and technological innovation", in Landau, R. & Rosenberg, N. The positive sum strategy. National Academy Press, Washington D.C. 1986.

    2. Arrow, K. "Economics welfare and the allocation of resources for invention", in R. Nelson (ed. ) The rate and the direction of inventive activity, Princeton University Press, Princeton. 1962.

    3 .Salomon, J.J. "Science policy and the development of science policy", in Spiegel-Rösing, I. and Solla Price, D.de (eds) Science, technology and society, International Council for Science Policy Studies, Sage Publications, London and Beverly Hills. 1977.

    4. Mowery, D. "The changing structure of the U.S. national innovation system: implications for international conflict and cooperation in R&D policy", in Research Policy, Vol. 27, pp. 639-654. 1998.

    5. Branscomb, L. Empowering technology. MIT Press, Cambridge. 1993.

    6. Ergas, H. ‘Does technology policy matter?’, in Guile, B. R e Brooks, H. Technology and global industry – Companies and nations in the world economy, National Academy Press, Washington, D.C. 1987.

    7 Etzkowitz, H. & Gulbrandsen, M., "Public entrepreneur: the trajectory of United States science, technology and industrial policy", in Science and Public Policy , Volume 26, Number 1, pp. 53-62. February 1999.

    8. Beck, U. Risk society: towards a new modernity. Sage, London. 1992.

    9. Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT), Indicadores de Ciência e Tecnologia, Produção Científica, http://www.mct.gov.br/estat/ascavpp/portugues/6_Producao_Cientifica/tabelas/tab6_1_1.htm, atualizada em 28/10/2003.

    10. Furtado, A., Terra, B., Passos, C. e Plonski, G. "Indicadores para avaliar programas de cooperação entre universidade e indústria: Uma análise do PADCT III". In Anais do XXII Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica, NPGT-USP, 15 p., CD-rom.

    11. Pereira, N. M., Furtado, A. Freitas, A. G. de, Polli M. e Figueiredo, S. P., "Modelo institucional na política científica e tecnológica no setor petróleo e gás natural: a experiência do fundo setorial CTPetro". In Anais do X Seminario Latino-Iberoamericano de Gestión Tecnológica – Altec 2003, 12 p., México-DF.

    12. Furtado, A. (coord.) "Impactos econômicos da ciência e tecnologia", in Landi, F. R. (coord.) Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo – 2001, Fapesp, São Paulo.