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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2005

     

    Exposição

    BIBLIOTECA NACIONAL COMEMORA OS 60 ANOS DE CHICO BUARQUE

     

     

    Autor de extensa obra que parece não envelhecer para seus fãs, antigos e novos, uma exposição sobre Chico Buarque de Holanda na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro comemora em grande estilo os 60 anos de idade do artista. A curadoria da mostra, que a Biblioteca abrigou de julho a novembro do ano passado, negocia, agora, a ida para cidades como São Paulo e Havana (Cuba), nos próximos meses deste ano.

    A trajetória da vida e obra do cantor e compositor nos últimos 40 anos foi retratada por meio de um grande trabalho de pesquisa sobre a inserção do artista dentro do universo cultural brasileiro, resultando no mais amplo conjunto de materiais já reunido. Intitulada "Chico Buarque – o tempo e o artista", a exposição mostra trechos de gravações de programas de TV, objetos pessoais, manuscritos, correspondências e fotos, além da discografia completa. Tal evento faz parte de uma política da Biblioteca Nacional de trabalhar temáticas relacionadas à cultura brasileira na segunda metade do século XX.

    ARTISTA MÚLTIPLO Um dos objetivos do curador Zeca Buarque Ferreira foi evidenciar a multiplicidade da produção artística na mostra: "Chico experimentou diferentes formas de expressão artística, buscando sempre o que é novo para si, sem se preocupar se isso se encaixa ou não no que é convencionalmente chamado 'moderno' de cada época". A mostra contém algumas facetas desconhecidas pelos fãs mais jovens de Chico, como a produção de obras voltadas para o público infantil ou desenhos de cidades imaginárias, brincadeira do artista que abandonou o curso de arquitetura para se dedicar à música. No entanto, o Chico Buarque que mais aparece na exposição ainda é aquele conhecido do grande público, o cantor e compositor, mesmo que, atualmente, ele se dedique mais à literatura.

    Para montar a exposição, Ferreira usou vários documentos de época,pesquisados em arquivos de diversas instituições – como Casa Rui Barbosa, Arquivo Nacional e emissoras de TV – assim como documentos em posse de amigos e membros da família, além de uma garimpagem no arquivo pessoal do artista. "No projeto inicial da exposição, não se previa expor manuscritos, pois nem se sabia que iríamos encontrá-los", afirma. A exposição dos manuscritos acabou por se transformar num dos pontos marcantes da exposição, pois revela o processo criativo do artista. São apresentados rascunhos das letras de canções consagradas como Cálice e Bom tempo, doadas ao acervo da Biblioteca Nacional, ou as correspondências trocadas com Vinícius de Moraes, na ocasião da elaboração da letra de Valsinha, e com a estilista Zuzu Angel, que levaram à composição de Angélica.

    Cartazes e textos de jornais ilustram o turbulento contexto da ditadura militar brasileira. Entre letras assinadas com pseudônimos ou com estrofes iniciais românticas para despistar os censores, está também o cartão de Natal enviado pela organização de extrema-direita Comando de Caça aos Comunistas (CCC): "O Comando (...) deseja a você, ativista da canalha comunista que enxovalha o nosso país, um péssimo Natal e que se realize, no ano de 1980, o nosso confronto final".

    A obtenção de material tão diversificado foi facilitada porque Zeca Ferreira é sobrinho de Chico Buarque: "Muitas informações foram obtidas em conversas informais com parentes, como minhas tias, que cederam documentos pessoais para a exposição". Ferreira também esclarece que se baseou muito no livro Chico Buarque para todos, da jornalista Regina Zappa, lançado em 1999. A jornalista também foi responsável pelo catálogo da exposição, que traz a grande parte do material e dos textos expostos.

     

     

    Outro fator que contribuiu para a riqueza do material obtido foi o fato de Zeca Ferreira e Antonio Venâncio, responsáveis pela pesquisa, já terem trabalhado juntos com a história da família Buarque de Holanda. Ferreira foi auxiliar de direção de Nelson Pereira dos Santos no filme Raízes do Brasil – uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda, sobre o historiador e pai de Chico Buarque, filme no qual Venâncio também atuou na pesquisa. Ambos puderam localizar, na ocasião, parte dos vídeos das décadas de 1960 e 1970 usados na mostra, como a histórica apresentação de A Banda, no Festival da TV Record, em 1968. Outra projeção, mostrada logo na abertura da exposição, é parte das filmagens de Cinebiografia de Pereira dos Santos, não aproveitada na edição final.

    ARTISTA ATUAL A iniciativa de montagem da exposição coube ao presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago. "Poucos artistas nacionais estão tão presentes na cultura do país quanto Chico Buarque nas últimas quatro décadas e talvez nenhum suscite hoje tanto interesse em torno da sua obra", diz Lago. Para Suely Dias, coordenadora-geral do evento, outra iniciativa semelhante à exposição de Chico Buarque ocorreu recentemente com as obras do fotógrafo e desenhista Vik Muniz.

    VIDA DE SAMBISTA O visitante percebe na mostra a influência de grandes sambistas, como Ataulfo Alves, Ismael Silva, Noel Rosa e Dorival Caymmi na obra de Chico Buarque. Alguns recursos técnicos, como a incorporação do som à exposição, propiciam um maior envolvimento no universo do artista. O som ambiente é alternado com uma estrutura de áudio, denominada sound tube, que direciona o som para locais específicos do pavilhão. Isto proporciona ao visitante, por exemplo, escutar sambas antigos associados a fotos e informações mostradas em determinados pontos da exposição.

    Nesse sentido, textos de caráter explicativo e dados mais informativos são alternados com documentos como bilhetes recebidos de admiradores como Clarice Lispector e Tom Jobim. Essa alternância garante leveza à exposição e talvez seja um dos fatores que tenha levado o registro de visitas a virar um "livro de depoimentos" sobre a experiência vivida pelo espectador, que encerra desde os lamentos femininos mais explícitos até elogios à trajetória musical e intelectual do artista. Podem ser encontradas desde frases como "Chico: hoje fui traída pelo meu amor, obrigada por me consolar..." até afirmações de que a exposição proporciona "uma aula de história" e mostra um personagem "cheio de vida e engajamento".

     

    Daniel Chiozzini