SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.1 São Paulo jan./mar. 2005

     

     

    GLAUCO MATTOSO

     

    SONETO DESARVORADO

     

    Parece que as moléstias pulmonares
    voltaram numa escala assustadora.
    Pandêmicas já são, como se fora
    romântica a aridez dos nossos ares.

    Pulmões são, um por vez, nem sempre aos pares,
    os alvos das bronquites, da traidora,
    fatal tuberculose, e assobiadora
    se torna a inspiração nos lupanares.

    A pleura dói nas costas, e no peito
    reflete a grossa tosse da traquéia,
    que, plena de catarro, é um cano estreito.

    Asmática e pneumônica, a plebéia
    manada arfa no denso (ou rarefeito)
    bulício da poluta Paulicéia.

     

     

    SONETO RASGADO

     

    Fenômeno curioso, força oculta
    suspende de repente o meu sintoma
    de febre, dor de dentes ou glaucoma
    na véspera do exame ou da consulta.

    Vem desde nossa infância à idade adulta,
    e nada tem a ver com o diploma
    exposto em consultórios ou a soma
    cobrada, que nos dói mais que uma multa.

    O fato é que saramos num instante,
    com medo, porventura, do motor,
    da pinça, faca ou coisa semelhante.

    Porém o que nos causa mais pavor,
    acima até do inferno que viu Dante,
    é o mórbido sorriso do doutor...

     

     

    SONETO PREJUDICIAL

     

    Na bolsa de valores se baseia
    um ânimo excessivo e uma "euforia",
    chamada de "otimismo", que irradia
    tentáculos na mais global aldeia.

    Mas quando alguém descobre que bambeia
    o frágil castelão de nota fria,
    o pânico se instala e, mal o dia
    desponta, está vazia a que era cheia.

    Fortunas se evaporam que nem fumo
    e sólidas empresas pro buraco
    lá vão, pra dar da crise só o resumo.

    Foi ontem, mas parece ser tão fraco
    na mente esse episódio, que eu espumo
    de raiva, tanto o assunto me enche o saco!

     

     

    SONETO NÃO GOVERNAMENTAL

     

    O que é, o que é? Responda antes que eu gongue!
    Tem cara, ora de creche, ou de hospital,
    às vezes até banco, e o capital
    tem crédito que encurte, ora que alongue.

    Nem clube de gamão, nem pingue-pongue,
    nem mutirão, nem multinacional,
    nem fundo de quintal, nem estatal!
    Não adivinha? É simplesmente a ONG!

    Mais extra-oficial é o combativo
    estilo do Greenpeace ou dos anarcos,
    que enfrentam as potências com motivo!

    Meu caso é bem atípico: com parcos
    recursos conto, e da visão me privo,
    mas contra os baleeiros vão meus barcos!

     

     

    Glauco Mattoso é paulistano, nascido em1951, cursou biblioteconomia e letras. Iniciou sua carreira literária na década de 1970, quando aprendeu a ser rebelde para resistir à ditadura militar. Cegou na década de 1990 e continua rebelde para resistir à ditadura divina. Além de poeta, é ficcionista, ensaísta e letrista. Entre suas obras estão Poesia digesta (Landy Editora) e Poética na política (Geração Editorial).
    Glauco Mattoso na rede: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br   http://formattoso.sites.uol.com.br   http://sonetodos.sites.uol.com.br