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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.2 São Paulo abr./jun. 2005

     

     

     

    SALÃO INTERNACIONAL
    O poder da síntese do humor: traços sutis, conteúdos marcantes

     

    A cada ano, dos últimos 31, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista, celebra a habilidade do desenhista em dizer muito em poucos traços de uma caricatura, charge ou cartum. Em precisas pinceladas, monocromáticas ou coloridas, um mundo de significados e sentidos emerge no branco da página. Nos 45 dias em que dura o salão, a coletânea de obras nacionais e estrangeiras expostas constitui uma oportunidade de buscar entender a capacidade de síntese e de empatia que o desenho de humor consegue com seu público.

    A iniciativa, que reuniu na edição passada 286 obras (cartuns, charges, caricaturas e tiras escolhidos entre 1, 5 mil trabalhos vindos de 32 países), ganhou visibilidade internacional há 25 anos e hoje, no universo das artes gráficas e das histórias em quadrinhos, goza fama mundial. Merecida. Nas obras dos 163 artistas selecionados é possível enxergar toda a riqueza e a variedade do mundo do humor gráfico: habilidade artística e fantasia são aliadas para construir sonhos e risadas, melancolia e crítica social.

    Em charges, cartuns, tiras e caricaturas, encontramos bichos com defeitos e fraquezas demasiado humanas (como a "anta de tênis" do Jaguar), ou pessoas que se parecem com bestas. Nós rimos de deuses que parecem pessoas, e nos indignamos com pessoas que se acham deuses. Cenas non-sense, como uma lesma apaixonando-se por uma "@", estimulam uma ironia sutil. Técnicas de registro quase irreal, como utilizar um clipe metálico para traçar a silouette de uma noiva casando, juntam-se a charges cômicas de marco onírico, como retratar um supermercado em forma de labirinto, desenhar um mouse de computador ao lado de garfo e faca numa mesa de jantar, ou substituindo o crucifixo no peito de um padre, levam a refletir sobre aspectos problemáticos da sociedade contemporânea. Traços duros nos levam – em micro-cenas de extraordinária, amarga, força gráfica – a um sentimento de indignação e revolta: cartuchos que, ao sair de um fuzil disparando, se tornam moedas para os senhores da guerra; uma criança árabe sendo reprovada por um adulto porque, se não estudar, jamais será uma bomba inteligente; a Estátua da Liberdade, símbolo de Nova Iorque, armada com metralhadora, ou a pomba da paz ameaçada por Ariel Sharon e forçada a carregar tijolos para construir o muro que separa os palestinos do resto da comunidade em Israel.

     

     

    Como os artistas conseguem evocar sentimentos e pensamentos complexos com signos mínimos, acompanhados de pouco ou nenhum texto, é tema de debate para semiólogos, lingüistas, teóricos da mídia e psicanalistas. Histórias em quadrinhos, cartuns e caricaturas são baseados em linguagens e discursos de natureza elíptica: pouco dizem explicitamente, muito deixam à fantasia do observador e à sua capacidade de re-construir e inferir a parte de texto que falta, seu contexto, suas conotações simbólicas e até sua temporalidade. As imagens de HQ e de cartuns são, dizem alguns, "espaços que adquirem uma dimensão de temporalidade".

    O inglês Scott McCloud analisou os processos psicanalíticos que jogam papel importante na "leitura" ativa que o espectador efetua, por exemplo, ao assistir a uma obra cinematográfica. Referindo-se a cinema, o estudioso fala de uma capacidade de "fechamento" que pode ser aplicada também ao caso de cartuns, charges e quadrinhos: cabe ao espectador a tarefa de costurar, completar e dar significado às imagens estilizadas que aparecem no desenho, de maneira parecida ao que acontece com um leitor que se depara, no interior de um texto literário, com a figura retórica da sinédoque, quando uma parte é explicitada com a função de evocar o todo.

    O acervo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba é acessível na internet, no endereço – http://www.salaodehumordepiracicaba.com.br

     

    Yurij Castelfranchi