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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.2 São Paulo abr./jun. 2005

     

     

     

     

    URBANISMO

    Periferia e favelização avançam nas grandes cidades da América Latina

     

    As condições de pobreza e desigualdade social na América Latina fazem com que 44% de sua população viva em favelas ou subúrbios com estrutura precária e condições mínimas de sobrevivência. Os dados, divulgados no início deste ano pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), identificam a maior parte das favelas nas cidades, onde vivem três de cada quatro latino-americanos.

    O estudo, intitulado "Pobreza e precariedade do habitat na América Latina", mostra que a precariedade é maior nas periferias das cidades do interior que, em sua maioria, não chegam a receber ajuda federal. Dos domicílios em bairros precários, 76% têm problemas de qualidade da construção e dos serviços básicos, como saneamento e iluminação. E a maioria desses domicílios é chefiada por mulheres.

    A estimativa da Cepal para os próximos 15 anos é que a população das grandes cidades crescerá 2%. Nos países mais pobres da região – Bolívia, Guatemala, Haiti, Honduras e Paraguai – esse aumento será de 3%.

    Dois estudos de pesquisadores brasileiros, divulgados na última reunião da SBPC em julho passado, em Cuiabá, evidenciam que o problema das favelas ou da periferização não é exclusivo das metrópoles ou mesmo das cidades; também no meio rural existem locais com péssimas condições de moradia. O sociólogo João Batista Filho, hoje na Universidade Norte do Paraná (Unopar) e sua ex-aluna na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e atual docente do Departamento de Sociologia e Política da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Marineti Covezzi, realizaram estudos de caso para entender o processo. O foco do trabalho de João Batista foi Londrina, cidade do norte-paranaense, fundada por ingleses há apenas 70 anos, com vocação agrícola para os cultivos de café e algodão, pela qualidade de sua terra roxa. Projetada para um crescimento equilibrado, de forma a chegar ao ano 2.000 com uma população de 30 mil habitantes vivendo bem, Londrina tem hoje, porém, perto de 500 mil habitantes, e é marcada pela especulação imobiliária e pela presença de latifúndios urbanos. O Plano Diretor feito em 1997 identificava 43 núcleos de favelas e assentamentos; na atualidade, esse número já subiu para 68 favelas e/ou assentamentos, contabiliza o pesquisador.

     

     

    Marineti Covezzi escolheu Poconé e Barão de Melgaço, municípios periféricos da capital mato-grossense, como objetos de estudo. Cuiabá nasceu planejada, conta a pesquisadora, mas a partir do inchaço provocado por áreas de exploração do garimpo e em conseqüência de uma série de condições próprias da região, da concentração de terras à crônica falta de emprego, sofre com problemas urbanos de metrópole. A pesquisa coordenada por Marineti começou dentro do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld), patrocinado pelo CNPq. O foco em Mato Grosso, portanto, era meio ambiente. Mas, rapidamente se percebeu que a presença do homem é fundamental para entender o bioma pantaneiro, e esse viés foi crescendo durante o estudo. A principal questão enfrentada pelo grupo de pesquisadores foi: quais as conseqüências, ambientais e sociais, da exclusão do homem, instalado há mais de 200 anos com atividade econômica produtiva, de uma área de preservação?

    ESPAÇO LEGAL A pesquisa da Unopar iniciou com a avaliação da legitimidade de ocupação nas 12 favelas mais centrais de Londrina. Como desdobramento, passou-se a apurar outras questões como o direito de acesso à cidade que essa população tem. Afinal, hoje são 160 mil habitantes em Londrina vivendo em situações de risco social, 35% deles com renda familiar de até 2 salários mínimos; 11 mil famílias em condição de miséria, com renda de um dólar por dia; e só 12 mil famílias desse universo atendidas por algum tipo de benefício social.

    "São pessoas que vivem na cidade e não a cidade, com a característica de estarem sempre em trânsito". Para Batista, o olhar da cidade a partir da favela equaliza todas as metrópoles. Essas populações não têm identificação: sua rua não tem nome, sua casa não tem número, seu bairro ninguém sabe como chama. A origem das famílias que moram em situação precárias é o próprio estado: 60% do norte paranaense; 32% de Londrina; 8% de outros estados. Essa é a dramática realidade constatada pela pesquisa: "um estado rico favelando sua própria população, com 16% de analfabetos e 83% com até 1º grau", acrescenta.

    OURO PANTANEIRO Os pequenos municípios de Poconé e Barão de Melgaço integram o quarto maior estado brasileiro em território – 930 mil quilômetros quadrados – mas com uma pequena população de 2,02 milhões de habitantes e um crescimento demográfico de 2% ao ano na última década. Mais de 80% dos habitantes de Mato Grosso estão concentrados nas áreas urbanas de Cuiabá, Vargem Grande, Rondonópolis e Cáceres. Um movimento totalmente contrário à proposta de colonização das décadas passadas, quando se pensou a ocupação do estado a partir da atividade agrícola."As dificuldades das terras do Cerrado impulsionaram a população para as cidades", assinala Marineti.

    POCONÉ E BARÃO DE MELGAÇO O foco inicial da pesquisa da UFMT foi o Sesc-Pantanal, que colocou sua área de reserva à disposição para os estudos ambientais propostos. Porém, rapidamente o problema social gerado com a retirada de famílias daquelas terras se impôs. Essa população, desenraizada e sem atividade produtiva, passou a deslocar-se para o entorno e, entre os locais de chegada, estavam Poconé e Barão de Melgaço, conta a pesquisadora.

    Poconé, formada no século XVIII em decorrência da exploração do ouro, "é o quarto município de MT que surge quando a exploração das minas se esgota". Barão de Melgaço nasce para atender as monções dos bandeirantes; depois a produção de açúcar atraiu mais gente; mas foi somente na década de 90 do século XX que se transformou em município. Barão do Melgaço teve um crescimento mais lento, pois apenas 25% de sua área é terra firme, e 50% de sua população está no campo ou é ribeirinha. Poconé está situada na planície pantaneira e chegou a abrigar a maior criação de gado do estado. Hoje tem 30,8 mil habitantes, em 18 bairros. O novo ciclo de exploração recente do ouro em suas terras a transformou: em 1990, Poconé chegou a ter 47 mil moradores por conta da mineração de grandes empresas – em 1985 eram cerca de 10 mil garimpeiros trabalhando, conta Covezzi. Com o fechamento das áreas de exploração, a população ficou sem fonte de renda e concentrou-se na cidade, com apenas 8,4 mil de seus habitantes fixados no campo.

    O solo de Poconé, hoje, lembra uma superfície lunática, por causa das grandes perfurações em busca do ouro, cuja exploração passou a ser controlada por oito grandes mineradores. Além do inchaço urbano, a situação ambiental é igualmente grave. O abandono das áreas de exploração do ouro deixou crateras e microbacias contaminadas pelo esgoto. Barão de Melgaço tem apenas cinco bairros e economia centrada na pecuária e na pesca. São 730 pescadores profissionais vivendo próximos às grandes lagoas; mas as barragens construídas pelas usinas reduziram a vazão do rio Cuiabá e colocaram sua fonte de subsistência em risco. O lixo despejado nessas regiões desemboca nas bacias do Chapororé e Mariana, o que afeta a fauna pesqueira, conta a pesquisadora.

    INVISIBILIDADE Como em Londrina, e provavelmente em todas as cidades onde o favelamento não se acontece nas áreas nobres, também nessas localidades mato-grossenses há uma invisibilidade dos bairros pobres em relação às instâncias políticas e sociais de poder local.

    São aglomerações urbanas com elevadas taxas de analfabetismo – Barão com 22% e Poconé 21% – e níveis baixos de benfeitorias sociais, como água tratada – Barão 44% e Poconé 61% . Mas no Fundo de Participação dos Municípios, os recursos não são tão pequenos, diz Marineti: R$ 1,1 milhão e R$ 2,2 milhões, respectivamente. O fato é que inexiste um plano de administração social para esses municípios, considera a pesquisadora.

    "A situação dessas duas cidades empurram para um processo de favelização semelhante ao das grandes cidades", acrescenta a pesquisadora. Por falta de planejamento e de políticas públicas mais abrangentes, que conciliem o progresso econômico e preservação ambiental com o cuidado e atenção aos direitos de cidadania de sua população mais pobre, as favelas vão transformando as cidades em aglomerados com a mesma feição.

    Dentre as propostas que tratam dessa questão, o professor João Batista considera que a tendência mais progressista hoje não é a erradicação, mas a urbanização das favelas. Em alguns cenários existem moradores há várias décadas no mesmo local. "E essa população não tem como voltar para lugar nenhum: são pessoas que perderam o sistema comunitário que existia antes, ou vieram de áreas que se transformaram em preservação ambiental", complementa Marineti.

     

    Wanda Jorge