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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.2 São Paulo Apr./June 2005

     

     

    LÍNGUAS DE FRONTEIRA: O DESCONHECIDO TERRITÓRIO DAS PRÁTICAS LINGÜÍSTICAS NAS FRONTEIRAS BRASILEIRAS

    Eliana Rosa Sturza

     

    INTRODUÇÃO Uma história das línguas praticadas nas zonas de fronteira do Brasil deve ser considerada a partir de duas condições fundamentais: a primeira, que as nossas fronteiras geopolíticas também se definem pela existência de um velho par de línguas, com um contato histórico e genealógico muito estreito, que é o do português-espanhol; a segunda, que a história de contato dessas línguas, na América, é compartilhada pela história de outras línguas com quais convivem e/ou entram em conflito. Ambas condições são reforçadas pelo modo como nossas fronteiras políticas foram sendo constituídas ao longo da história.

    A história dessas práticas lingüísticas, que se deseja apresentar, não objetiva recuperar apenas os registros existentes sobre as línguas praticadas nas zonas de fronteira. Mas pretende-se, sobretudo, realizar um resgate da história da produção científica sobre a situação lingüística das zonas de fronteira, especialmente daquelas onde os estudos sobre os contatos do português e do espanhol desenvolveram-se mais, criando inclusive uma reconhecida tradição em alguns meios acadêmicos, caso da Universidad de la República, do Uruguai.

    Quase dois séculos depois de conflitos, solucionados pela armas ou pela diplomacia, ainda desconhecemos muito da situação de contato das línguas portuguesa e espanhola nas zonas fronteiriças do Brasil com os demais países hispano-americanos.

     

     

    A fronteira do Brasil com esses países é caracterizada por zonas de grande concentração populacional, como o sul do Brasil, e outras marcadas por obstáculos geográficos naturais, caso do norte do país, onde existem zonas praticamente vazias de presença humana.

    De qualquer modo, mesmo onde os agrupamentos são menores e menos populosos, a fronteira efetivamente é complexa pela natureza de sua formação e pelo modo como se estabelecem ali as relações sociais das diferentes etnias que nela habitam. As fronteiras geográficas são preenchidas de conteúdo social.

    Se as fronteiras são sociais, se nelas vivem diferentes etnias – índios, espanhóis, árabes, portugueses, alemães, entre outros – o contato lingüístico é uma conseqüência inevitável, e a situação das práticas lingüísticas nessas regiões, de um modo geral, um campo pouco explorado pela lingüística brasileira.

    O número ainda escasso de trabalhos lingüísticos que possam, principalmente, mapear a situação das línguas de fronteira é resultado, sobretudo, da falta de organização e divulgação das pesquisas já realizadas e de uma maior focalização na questão do contato lingüístico nas nossas fronteiras por parte da lingüística brasileira. A exceção tem sido o grande interesse pelas línguas indígenas, principalmente, na bacia do rio Amazonas.

    Dentre as fronteiras do Brasil com os demais países hispano-americanos, a fronteira com a Argentina e o Uruguai, na chamada bacia do rio da Prata é, sem dúvida, onde o contato lingüístico foi historicamente determinado pelas línguas do Estado.

    Nessa fronteira, o contato lingüístico entre o português e o espanhol é decorrente de um século de litígios pelo domínio dos territórios, de uma política expansionista de ocupação da região e militarização das áreas, além da existência de povoamentos desenvolvidos e de um intercâmbio econômico, cultural e social já consolidado.

    Um bom exemplo, de que na fronteira do Brasil com os países da bacia do rio da Prata o contato entre as comunidades fronteiriças é regular e contínuo, é a recente decisão dos governos brasileiro e uruguaio de expedir uma Carteira de Identidade de "fronteiriço" para os chamados doble chap" – moradores que vivem ao longo da faixa fronteiriça, que abrange 900 km de distância e até 20 km de largura para dentro do território de cada país. (Zero Hora – 15/04/04).

    Esse fato, no alvorecer do século XXI, registra o reconhecimento da fronteira compartilhada, de um lugar menos imaginário, de um lugar que tem uma dinâmica social muito particular, sustentada pelo movimento migratório das populações e suas contínuas transgressões territoriais.

    Na fronteira Brasil-Uruguai, a transgressão dos limites ocorreu, sobretudo, para dentro do território uruguaio. Primeiro se instalaram os portugueses e, posteriormente, os brasileiros, de tal modo que isso possibilitou a manutenção da língua portuguesa e determinou a sua importância no próprio processo de ocupação da região norte do Uruguai.

    Esse fator histórico despertou interesse principalmente de lingüistas uruguaios, levando-os a estudar e pesquisar sobre a existência da língua portuguesa e sua extensão dentro do território uruguaio, a partir do final da década de 1950.

    O marco inaugural sobre a situação das línguas na fronteira Brasil-Uruguai, é o trabalho "Dialecto Fronterizo en el Norte del Uruguay", de José Pedro Rona, divulgado em 1959 e publicado, posteriormente, em 1965.

    A partir desse trabalho de Rona, ao longo de meio século, os estudos sobre a presença da língua portuguesa na zona de fronteira foram tendo regularidade e continuaram a focalizar este "Dialecto Fronterizo" como questão fundamental.(1)

    A regularidade das pesquisas e o debate interno que, a partir dele, passa a se instituir, é o do processo de designação da(s) prática(s) lingüística(s) resultante(s) do contato lingüístico entre o português do Brasil e o espanhol do Uruguai. Esse debate pode ser percebido nos diferentes modos como os pesquisadores titulam seus estudos e teses realizados sobre o português no Uruguai, tais como: Dialecto fronterizo del norte del Uruguay (Rona, 1965); Nós falemo brasilero. Dialectos portugueses del Uruguay (Elizaincín, Behares & Barrios, 1987); The sociolinguistcs of the brazilian-uruguayan border (Hensey, 1972); The social distribution of uruguayan portuguese in a bilingual border town (Carvalho, 1998).

    É importante destacar que designar essa prática lingüística é uma tarefa que já apresenta dificuldades e posicionamentos políticos no próprio contexto nacional de ambos países envolvidos, pois o português é "brasileiro" e o espanhol é "castelhano", o que já por si mesmo marca a diferença das línguas internamente às suas hereditariedades lingüísticas – língua portuguesa de Portugal e língua espanhola da Espanha e aos seus domínios políticos na América hispânica.

    O DESCONHECIDO TERRITÓRIO Quando Guimarães (2001) trata do espaço das línguas dominantes na América Latina, ele se refere
    ...a um espaço configurado pela presença de outras línguas em funcionamento, de um lado as línguas indígenas e o espanhol, além do contato com a língua portuguesa, e de outro as línguas indígenas, as línguas africanas e o português, além do seu contato com o espanhol. Neste sentido estamos configurando este espaço por uma memória que lhe é própria, sem a qual ele não é este espaço. E nesta medida cabe pensar, inclusive, a história da constituição do espanhol e do português como línguas nacionais.

    Este espaço desterritorializado é o que coloca as nossas línguas da fronteira em situação de contato. Com o status de línguas oficiais e predominantes, o português e o espanhol na América se colocam lado a lado ao longo das fronteiras geográficas que compartilham. Porém, do ponto de vista da situação étnica, os grupos de convívio e seus contatos lingüísticos, em diferentes regiões fronteiriças do Brasil com os demais países da América do Sul, contribuem para a constituição de um panorama lingüístico heterogêneo, muito aquém do que representa a dualidade português-espanhol no seu estatuto de línguas majoritárias.

    Um exemplo que ilustra bem esta situação é o que apresenta Oliveira (2000):
    São Gabriel da Cachoeira é uma cidade no centro da região mais plurilíngüe do Brasil, o Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, nas fronteiras do país com a Colômbia e a Venezuela. O núcleo urbano tem cerca de dez mil habitantes e domina uma região de 112.000 Km-, maior portanto que Portugal ou o estado de Santa Catarina, com 409 aldeias nas quais funcionam 165 escolas indígenas bilíngües de ensino fundamental (de 1ª a 4ª séries). É um caso pouco 'típico' no país (se se pode utilizar tal conceito) mas que servirá para apresentar um caso concreto de plurilingüismo urbano e para pensar a formulação de políticas públicas nas cidades, incluindo-se aqui também a política lingüística.

    Disto decorre que nossas fronteiras são marcadas por uma heterogeneidade lingüística, iniciando-se ao norte (2), onde há esse contato entre as diferentes nações indígenas, o português e o espanhol, apresentando uma clara situação de plurilingüismo, até a região oeste, onde as fronteiras brasileiras são também marcadas pelo convívio das línguas portuguesa e espanhola com as línguas indígenas da Bolívia e do Paraguai.

    No caso do Paraguai, o reconhecimento do guarani como língua oficial e o seu destacado lugar como língua materna da grande maioria da população é um ingrediente fundamental na configuração das línguas da fronteira, sobretudo pela importância étnica e identitária que o guarani ocupa frente a outras línguas, as dos imigrantes e a do Estado (3).Vale lembrar, neste caso, a importância do contingente de brasileiros no Paraguai (4), os chamados brasiguaios, que levam para o interior das terras paraguaias a sua língua portuguesa (a de gaúchos, paulistas, paranaenses, mato-grossenses...).

    Na fronteira do Brasil com Argentina e Paraguai, mais ao sul, é esclarecedora a situação da província fronteiriça de Missiones. Nesta região, o fluxo migratório trouxe, especialmente, para dentro do território argentino, alemães, italianos e polacos, além de um contingente significativo de brasileiros, que contribuíram para fortalecer presença da língua portuguesa nas comunidades da zona fronteiriça. (Sturza,1994 e Maia,2002).

    Já no caso das fronteiras do extremo sul, limite com Argentina e Uruguai, o contato de línguas mais intenso e contínuo é o do português com o espanhol, embora haja na região a presença de outras etnias como árabes, italianos e alemães, em cidades limítrofes como Chuí, Uruguaiana, Aceguá, Livramento.

    Nessa fronteira, do Rio Grande do Sul com os países da bacia do rio da Prata, sobretudo na zona fronteiriça do Brasil com o Uruguai, há ainda uma terceira "língua", que não é nativa, não é a do imigrante, não é a do Estado. É a que funciona como mais uma nas práticas lingüísticas de grande parte da população fronteiriça e que resulta do cruzamento das línguas portuguesa e espanhola, da extensão ou do influxo de uma língua em território lingüístico da outra.

    Essas práticas foram designadas de dois modos: o portunhol – que abrange uma maior extensão de contato, ainda que com caracterizações discutíveis, e pouco definido enquanto fenômeno de contato lingüístico e os DPUs – Dialetos Portugueses do Uruguai – que gozam de um reconhecimento maior, de pesquisas e estudos regulares da lingüística internacional.

    Acrescenta-se a esse panorama da região Sul, o fato de que no mapa das variantes dialetais do português do Rio Grande do Sul, a região da fronteira está caracterizada por seu conservadorismo luso e por influxos do espanhol no linguajar do gaúcho, especialmente na linguagem informal e no meio rural (Koch; Altenhofen; Klashmann, 2002).

    AS LÍNGUAS DA FRONTEIRA: A SITUAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL - URUGUAI A ocupação das zonas de fronteira do Brasil com o Uruguai ocorreram, no lado brasileiro, obedecendo ao processo expansionista da Coroa portuguesa, em meados do século XVIII, que distribuiu terras e fundou guarnições militares na região. Em seguida, os grandes espaços vazios da região norte do Uruguai, foram sendo invadidos e colonizados. Mais tarde, os brasileiros, atraídos pela riqueza das terras e abundância de gado nativo, se estabeleceram no interior do Uruguai, em quase 300 km de extensão (Tau Golin, 2002).

    A comprovação da existência e da extensão da língua portuguesa e de seus dialetos no interior do Uruguai foi detalhada por Rona (1965), em mapas onde descreve as zonas lingüísticas fronteiriças com o Brasil. Seu estudo confirma que a região norte do Uruguai foi fortemente afetada pela presença, primeiramente, de portugueses e, depois, de brasileiros. Desse contato, afirma Rona (1963), surgiu um "dialecto mixto" ao qual denomina "fronterizo". Segundo ele, éste es una mezcla de portugués y español, pero no es ni portugués ni español y resulta con frecuencia ininteligible tanto para los brasileños como para los uruguayos. – Este dialecto es de base portuguesa, hispanizada.

    Na metade da década de 1960, dando continuidade à problemática do contato lingüístico nessa região, Hensey (1965) busca descrever e comprovar a existência de bilingüismo nas comunidades urbanas fronteiriças, diferentemente de Rona que concentra seus estudos mais em zonas rurais e objetivava localizar dialetos resultantes do fenômeno do contato lingüístico.

    No entanto, o pesquisador americano concluiu que o bilingüismo nessa zona de contato não pode ser considerado como o que existe em outras comunidades, pois o grau de bilingüismo dos falantes não é equivalente. Há um maior domínio do português pelos uruguaios do que vice-versa, isto se explicaria pela manutenção da língua portuguesa em território uruguaio. No norte do Uruguai, há falantes de português, o que comprovaria uma situação de bilingüismo, mas há também falantes de uma mistura de línguas, nas comunidades gêmeas, a qual Hensey (1969) descreve como um interlecto.

    No entanto, esse português de maior domínio por parte dos uruguaios é, na seqüência dos estudos, descrito por Elizaincín, Behares & Barrios (1987) como um dialeto (ou dialetos) da língua portuguesa, ao qual chamam de dialectos portugueses del Uruguay.

    Para esses autores, a situação das línguas na região norte do Uruguai se caracteriza bem mais por um convívio de dialetos, um na zona urbana e uma outra variedade de base portuguesa mais conservada no meio rural. Os falantes de "fronterizo" são monolíngües e se concentram na zona rural e nas periferias urbanas. Os falantes bilíngües ou como preferem descrever os autores, a situação de bidialetismo ocorre pelo domínio de um dialeto do espanhol padrão – espanhol regional e de um dialeto português do Uruguai.

    No entanto, para Carvalho (2003), a situação das práticas lingüísticas nessa zona fronteiriça é na verdade a caracterização de que português é esse que se pratica e como ele se distribui, dado a que a mistura dos sistemas lingüísticos do português e do espanhol não são aleatórias tal como afirma Elizaincìn, Behares & Barrios (1987), mas são condicionadas por fatores extralingüísticos.

    Para Carvalho(idem), o português falado pelos bilíngües uruguaios, nas zonas mais urbanas, é um dialeto do português brasileiro urbano. O português uruguaio rural é um dialeto falado nas zonas rurais por monolíngües, que corresponderia, portanto, ao "fronterizo" de base portuguesa de Rona (1965). O que pretende Carvalho (idem) é propor uma definição do português uruguaio, desfazendo a idéia de dialetos em convivência. Para ela, a manutenção de uma descrição lingüística que faz diferenças nestas práticas lingüísticas, classificando-as como "línguas" ou como "dialetos", reproduz a condição social dos falantes que as praticam. O que existe então, nessa zona fronteiriça, são duas variantes de uma só língua – o português.

    Punaren (1999), ao pesquisar a atitude lingüística dos uruguaios de Rivera, em relação ao prestígio do dialeto que praticam, decide designar o que Elizaincìn chama de DPU, de portunhol. Essa designação é recolhida por ele dos depoimentos dos entrevistados, que constantemente fazem referência a "fronterizo" e a "portunhol", utilizando-os, inclusive, como sinônimos.

    A dificuldade em definir o "portunhol", está nos sentidos que foram sendo constituídos pelo senso comum, especialmente, por referir negativamente, por dizer o "mal falar" uma das línguas da mistura, em geral, de brasileiros em relação à língua espanhola.

    Mas se pode formular, pela própria situação de indefinição do termo, duas hipóteses: a primeira é a de que o portunhol é sinônimo de fronterizo e de DPU, com uma tendência a designar mais o fenômeno no meio urbano (Punaren, 1999) e estaria mais restrito às zonas de contato mais intenso, tais como as cidades gêmeas na fronteira Brasil-Uruguai.

    No entanto, Punaren também designa esse mesmo fenômeno lingüístico de contato, nas zonas de fronteira da Argentina com o Brasil e se origina, do mesmo modo que na fronteira Brasil-Uruguai, pela forte presença de brasileiros em território argentino e pela manutenção da língua portuguesa como a língua familiar (Maia,2002). A diferença das zonas de fronteira é a extensão e consolidação do fenômeno. No caso uruguaio, ele é reconhecido como uma prática lingüística instituída, seria como uma "terceira língua".A segunda hipótese é a de que o portunhol é uma "interlíngua", remete ao processo de aquisição, especialmente do espanhol por parte de falantes brasileiros, e seria uma situação intermediária desse processo no qual os alunos misturam as línguas a nível gramatical e discursivo. É freqüentemente utilizado, neste mesmo sentido, pela mídia, na Internet e pelo próprio mercado editorial de livros didáticos da área (Sturza, 2004).

    Esta "terceira língua", predominantemente praticada em território uruguaio, recebeu inicialmente sua identificação como "fronterizo", tomando na sua designação o sentido geográfico. A partir daí, essa mistura de línguas foi sendo designada diferentemente ao longo do percurso das pesquisas lingüísticas, de acordo com as filiações teóricas de cada pesquisador, sobressaindo-se entre eles a sociolingüística variacionista.(Elizaincín et alli,1987; Carvalho, 2003). Todos esses estudos são sempre realizados no lado uruguaio da fronteira, em centros urbanos como Jaguarão-Rio Branco, Livramento-Rivera.

    E o que dizer, então, sobre o lado brasileiro dessas fronteiras? Neste caso, os estudos que tratam da questão do contato lingüístico também se localizam na tradição dos estudos dialetológicos e na sociolingüística, desde as descrições de Bunse (1969) até o mapeamento do Atlas Lingüístico-Etnográfico do Rio Grande do Sul (ALERS).

    O enfoque é sempre do ponto de vista das influências do espanhol/castelhano, dos influxos, dos espanholismos do vocabulário gaúcho, da entonação e pronúncia do dialeto gaúcho da fronteira (Bisol,1988), que sofre influências castelhanas. Porém, os resultados do contato não determinaram a existência de uma terceira variedade tal como os pesquisadores comprovaram existir na fronteira com o Uruguai.

    Dos mapas de Rona (1965) às tabelas de Carvalho (2003), designar a língua da fronteira é também dizer o seu lugar político nas relações históricas. Da neutralidade aparente do "fronterizo" de Rona (1965), passando pela referência à mistura do "portunhol" de Punaren; ao apagamento do português do Brasil que são os DPUs de Elizaincìn (1987), às tentativas de definição de Carvalho(2003), designar é muito mais, é redizer o litígio. É colocar o político no modo de designar as práticas lingüísticas em funcionamento. A política das línguas está nesse espaço das práticas lingüísticas, que não se resume à dualidade português-espanhol, mas que se enunciam nesse espaço configurado pela diversidade lingüística.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS A língua portuguesa além das fronteiras brasileiras é uma outra língua. A sua extensão e o seu significado em território uruguaio são, como nos revela Rona (1965), é o reconhecimento de que existe uma língua portuguesa e brasileira no Uruguai. O que evidencia que ela não é resultado só do contato lingüístico, mas é de fato a comprovação de sua existência no interior do Uruguai, por isto o "fronterizo" es un dialecto de base portuguesa, hispanizada.

    Esse reconhecimento vai causar um efeito político definitivo, que está dito pelo modo como foram designadas as práticas lingüísticas da fronteira, sendo, inclusive, determinante para que se possa, hoje, compreender as relações das línguas na zona de fronteira e a políticas lingüísticas que este contexto constitui.

    Esse efeito é mais significativo ainda porque rompe com a visão da homogeneidade lingüística do espanhol no Uruguai. E eu acrescentaria que esta história, constituída por raros pesquisadores não brasileiros sobre a língua portuguesa /brasileira além de nossas fronteiras geográficas, nos chama a ocupar um lugar no debate sobre a língua portuguesa do Brasil que não está circunscrita as nossas fronteiras geopolíticas.

     

    Eliana Rosa Sturza é professora de língua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas, do curso de letras, no Centro de Artes e Letras da UFSM.

     

    NOTAS

    1. O artigo de Millán, Sawaris & Welter. "El camino recorrido: lingüistas y educadores en la frontera Brasil Uruguay", apresenta um histórico das pesquisas realizadas sobre as línguas em contato nas zonas fronteiriças do Brasil com os países do Prata, tratando também de suas conseqüências pedagógicas.

    2. Para entender melhor a situação das línguas indígenas na Amazônia ver também Rodrigues, Ayron. Panorama das línguas indígenas da Amazônia.

    3. Ver tese de doutorado de Carolina Maria Rodríguez Zucolillo. "Língua, nação e nacionalismo. Um estudo sobre o guarani no Paraguai". IEL/Unicamp, 2000.

    4. Segundo Da Costa, 10 % da população paraguaia é composta de brasileiros, sendo que sobe para 50% na região leste do Paraguai, fronteira com o oeste do Brasil. Esse autor afirma, ainda, que o português representa a língua de minorias da Bolívia e da Venezuela.

     

    BIBLIOGRAFIA CITADA

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