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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.2 São Paulo Apr./June 2005

     

    JULIO VERNE

    CENTENÁRIO DA MORTE DO PAI DA FICÇÃO CIENTÍFICA

     

    O mundo mágico criado, atualmente, por escritores, roteiristas e diretores de filmes como O senhor dos anéis, Harry Potter e Guerra nas estrelas, certamente paga um tributo ao pai da ficção científica, cuja morte completa cem anos. Escrita num mundo muito distante das possibilidades acenadas pela alta tecnologia de hoje, Cinco semanas em um balão, obra inaugural do então desconhecido autor francês Jules Gabriel Verne, lançada em 31 de janeiro de 1863, propunha a primeira de uma série bem-sucedida de viagens literárias, mais tarde chamadas de ficção científica. O produtivo escritor Julio Verne, como ficou popularmente conhecido no idioma português, alimentaria a imaginação de seus leitores com histórias que dificilmente são superadas mesmo depois de passado um século de sua morte, em dia 24 de março de 1905. Seus personagens cruzaram os sete mares, o espaço aéreo terrestre, mergulharam nas águas e penetraram nas terras mais profundas, quentes e geladas, até atingir a Lua, ambientadas no presente, passado ou séculos à frente, em trajetórias descritas em mais de 70 obras.

     

     

    Verne nasceu em 8 de fevereiro de 1828 em Nantes, na França, com a vida planejada para seguir carreira de advogado, como o pai. Nessa direção, embarcou para Paris, mas o amor ao teatro promoveu um desvio de rota, ao acatar o conselho do amigo Alexandre Dumas (autor de Os três mosquiteiros) para escrever peças, enquanto ganhava a vida como corretor da bolsa de valores da cidade.

    Com o apoio do amigo e editor Pierre-Jules Hetzel, que adequava seus escritos, produzidos com tal avidez que lhe garantia duas a três novas publicações ao ano, trilhou uma bem-sucedida carreira. Sua obra constitui-se de ensaios, peças, poemas, contos e romances, mas foram as suas 54 "Viagens Espetaculares" que o consagraram. Muitas vezes descritas em mais de um volume, publicadas com alguns anos de diferença, as viagens foram material fértil que os estúdios de Hollywood popularizaram pelo mundo afora.

    UMA AVENTURA CIENTÍFICA Ricas em detalhes e escritas em tom de diário de viagem, inclusive com notas de coordenadas geográficas, essas histórias maravilhosas nasciam inspiradas na leitura que Verne fazia de outros autores, como o norte-americano Edgar Allan Poe, de revistas como Le Tour du Monde-Nouveau Journal de Voyages, e em conversas com amigos cientistas sobre as recentes descobertas e avanços, como Felix Nadar, interessado em navegação aérea e balonismo, tema recorrente em diferentes romances. O resultado é uma fascinante mescla de ficção e realidade, aventura e princípios científicos, que lhe renderam, inclusive, o título de profeta de feitos que a ciência produziria, pelo menos, seis décadas mais tarde, como em sua Da Terra à Lua (1865), com eventos que se assemelham ao programa espacial da Nasa.

    O FANTÁSTICO NAS IMAGENS As mais de quatro mil imagens presentes nas Viagens Extraordinárias potencializavam a verossimilhança dos acontecimentos e contribuíam para tornar a leitura ainda mais saborosa, em tempos em que esforços para combater o analfabetismo na França ainda estavam em andamento. Arthur Evans, editor do periódico Science Fiction Studies e professor da Universidade DePauw, dos EUA, analisou as ilustrações das obras de Julio Verne e concluiu que, para cada seis ou oito páginas, há uma imagem que ilustra os protagonistas, locais visitados, documentos (como mapas e cartas náuticas) e acontecimentos, geralmente antecedendo os fatos narrados, como uma forma de motivar a leitura. Para Evans, as ilustrações teriam mais um valor pedagógico do que propriamente o de reproduzir momentos cruciais da história.

     

     

    Entre os principais ilustradores de Julio Verne estavam George Roux e León Benett, cujo trabalho era minuciosamente acompanhado e muitas vezes até modificado pelo próprio autor das histórias. Certa vez, o editor Hetzel se viu obrigado a intervir em um aparente desentendimeto entre Verne e Benett sobre a representação de um dos protagonistas.

    Embora Julio Verne nunca tenha visitado o Brasil, ambientou uma de suas Viagens Extraordinárias em solo nacional. Em A jangada – 800 léguas pelo Amazonas, publicada em 1881, conta a trajetória de uma família em uma espécie de casa flutuante até o destino final, Belém, para realizar o casamento da filha. Há também menções ao descobrimento oficial do Brasil, em uma publicação de 1873.

    VISÃO FUTURISTA Seus últimos trabalhos tratavam dos impactos da tecnologia no ambiente, como em Propeller Island (1896), onde populações nativas de ilhas da Polinésia são destruídas, ou em The sphinx of the ice fields (1897), onde prevê a dizimação de baleias. A última obra foi A invasão do mar (1905), onde um projeto de criação de um mar através de canais de comunicação com o Mediterrâneo, é mal recebido pela população local que vê seu estilo de vida ameaçado. A mudança do tom, inicialmente otimista em relação aos benefícios que a tecnologia poderia trazer à humanidade, acontece, principalmente, depois da morte de Hetzel, em 1886 e é um dos motivos do livro Paris no século XX (1863) só ter sido publicado em 1989, pelo bisneto de Verne. Temendo a repercussão negativa que teria na carreira do escritor, seu editor preferiu censurar a história de um jovem que vive em um mundo de arranha-céus, trens de alta velocidade, carros movidos a gás e rede mundial de comunicação, que não encontra a felicidade diante de um ambiente altamente materialista, resultando em um fim trágico.

    CENTENÁRIO As comemorações são coordenadas pelo Centro Internacional Jules Verne, na França que iniciou o Congresso Mundial de Jules Verne, de 19 a 27 de março, com uma série de debates, encontros e visitas que transcorreram em cidades francesas como Picardie, Loire e Paris. As Viagens Extraordinárias também serão recontadas ao público de Picardie até novembro deste ano e a Casa de Jules Verne, localizada em Amiens (cidade onde morreu), deverá ser inaugurada em dezembro de 2005 com a proposta de ser um espaço de encontro com a vida e obra do autor francês. Em 16 de outubro de 2004 os estudantes Gilles Savy e Nicolas Pimbaud refizeram a famosa Viagem ao redor do mundo em 80 dias, monitorada por satélite e que produziu fotos, vídeo e material que será divulgado durante o ano todo nas escolas de Picardie. A editora Actes Sud e a cidade de Nantes reeditarão títulos pouco conhecidos e esquecidos, na coleção Os mundos conhecidos e desconhecidos, em 9 volumes. Até o início do ano, não havia eventos programados no Brasil. Uma série de edições em português e filmes inspirados nas Viagens Extraordinárias está acessível em bibliotecas, livrarias, sebos e locadoras.

     

     

    Germana Barata