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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo July/Sept. 2005

     

     

     

     

    PARQUES NACIONAIS

    Populações residentes vivem à margem da lei de conservação do meio ambiente

     

    Os parques nacionais brasileiros são considerados Unidades de Proteção Integral e não admitem nenhum tipo de ocupação humana. O objetivo da legislação que regulamenta o assunto é garantir o mais alto grau de conservação do meio ambiente. Essa determinação confronta-se, porém, com a existência de populações residentes há anos no interior dessas áreas.

    Para Lúcia da Costa Ferreira, coordenadora do Núcleo de Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, são necessárias mudanças substanciais relacionadas ao tratamento dado a essas populações, inclusive considerando a hipótese de não retirá-las do interior dos parques: "em curto prazo, é necessário democratizar o debate sobre gestão dos parques, com a participação oficial dos moradores no processo de tomada de decisão", afirma. Paralelamente, também é imprescindível "investir em mecanismos de geração de renda para diminuir os atrativos econômicos e a pressão para a exploração dos recursos naturais", completa.

    PARQUE DO JAÚ A constatação da pesquisadora é partilhada pela antropóloga Ana Beatriz Vianna Mendes, que defendeu sua dissertação de mestrado sobre o tema, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mendes realizou uma etnografia com o estudo de caso da comunidade de Tapiira, situada a aproximadamente 500 quilômetros de Manaus (AM), em uma das regiões fronteiriças do Parque Nacional do Jaú.

    Criado em 1980, ele é o terceiro maior parque nacional do Brasil e uma Unidade de Proteção Integral. O fato de a região ser considerada Parque Nacional, no entanto, não faz uma diferença significativa para as comunidades situadas em seu interior. "Constatei, logo de início, que as pessoas viviam e faziam o que queriam na região, com exceção da caça e exploração de recursos madeireiros", afirma Mendes. Segundo a pesquisadora, existem apenas dois funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fiscalizar toda a área do Parque, de 2,2 milhões de hectares, equivalente ao estado de Sergipe.

    Durante seu trabalho de campo, Ana Beatriz viveu cerca de três meses na comunidade de Tapiira, acompanhando as estratégias adotadas para resolução de problemas da comunidade diante de situações concretas. Um dos episódios mais marcantes foi a realização de um "acordo de pesca", envolvendo os ribeirinhos, pescadores comerciais, pescadores esportivos, o Ibama e as autoridades de alguns municípios da região. A necessidade do acordo foi motivada pela escassez de pescado no rio Unini, causada pelos chamados "geleiros" ou "geladores", barcos que pescam com rede de arrasto e bombas, atividade predatória e proibida por lei, geralmente realizada por pessoas de fora do Parque.

    A alternativa encontrada para minimizar o problema foi instalar um posto de fiscalização, sob responsabilidade do Ibama e em colaboração com a Associação de Moradores do Rio Unini. O objetivo é limitar a pesca e o número de barcos "geleiros" que adentram o rio na época da temporada – sendo que 50% dos pescadores desses barcos devem ser, segundo o acordo, provindos das comunidades que vivem no parque. A pesquisadora notou, nesse caso, que a atribuição de fiscalização, que era do Ibama, acabou sendo efetivada pela associação dos moradores das comunidades do rio Unini, devido à incapacidade do órgão em fiscalizar uma área do porte do parque.

    PICINGUABA Para a coordenadora do Nepam, a situação do Parque do Jaú ilustra o que ocorre na maioria dos parques nacionais. Outras iniciativas de êxito também podem ser citadas, como o Núcleo Picinguaba, no Parque Estadual da Serra do Mar, próximo à Ubatuba, no litoral paulista. Os moradores locais, na sua maioria pequenos pescadores, não foram realocados e se investiu em turismo de baixo impacto. Apesar do aumento populacional, diminuiu-se a pressão para construção de casas de veraneio, os objetivos de conservação foram mantidos e a qualidade de vida dos moradores melhorou, garante Lúcia.

    Além das iniciativas em curto prazo, como democratizar as decisões e diminuir a pressão pela exploração econômica de alto impacto na região dos parques, a pesquisadora considera que "é preciso estabelecer acordos com os moradores para o controle do uso de recursos, e se fazer cumprirem esses acordos". Ela acrescenta, ainda, a necessidade de alteração da legislação, para acompanhar o avanço do debate científico sobre biodiversidade.

     

    Daniel Chiozzini