SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 issue3 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo July/Sept. 2005

     

     

     

    VALE DO RIBEIRA

    Quilombo mantém raízes culturais na modernização

     

    Para chegar até lá só atravessando o rio por uma balsa improvisada ou em uma canoa. Cerca de 100 metros separam as duas margens do rio Ribeira: de um lado estradas cortam a cidade de Eldorado, extremo sul paulista; do outro, um caminho de terra leva até Ivaporunduva, uma comunidade quilombola reconhecida pelo governo e considerada a mais antiga do Vale do Ribeira.

    Ali vivem 83 famílias, somando ao todo uma população de 290 habitantes entre crianças, jovens e adultos, que se empenham em preservar sua cultura.

    Descendentes de escravos – a maioria originária de Moçambique – que chegaram no Ribeira no século XVIII para garimpar ouro, esses quilombolas, como são chamados os habitantes dessas comunidades, embora vivam da agricultura familiar, estão atentos aos avanços da tecnologia e querem tornar sua particularidade numa atração para garantir uma renda extra.

    Entre os projetos atuais tocados pela comunidade, está o plantio e a comercialização da banana orgânica, a instalação de uma fábrica de processamento de banana-passa, a abertura de uma pousada – chamada por eles de Casa dos Visitantes – para fomentar o turismo local e a produção de peças de artesanato em palha de bananeira. Tais ações foram discutidas entre os membros de Ivaporunduva, com o objetivo de garantir o desenvolvimento sustentável do local.

     

     

    DIFICULDADES Benedito Alves da Silva, 50 anos, um dos moradores do quilombo, explica que a comunidade viveu isolada durante muito tempo e que, desde a década de 1970, lutou pela regularização de suas terras. "No estado de São Paulo, nós fomos a primeira comunidade que teve coragem de entrar na justiça e pedir que o governo reconhecesse nossa comunidade e nos desse o título", afirma Silva, que também é membro da coordenação da Associação Quilombo de Ivaporunduva e faz parte da Comissão Estadual Quilombola e da Equipe de Articulação das Comunidades Negras do Brasil.

    O maior perigo para os quilombos é a especulação imobiliária. "Muitas comunidades quilombolas estão, hoje, nas mãos dos fazendeiros", diz Silva. Outro problema é a exclusão escolar. As crianças, por exemplo, estudam da pré-escola à quarta série em uma escola dentro do quilombo; depois precisam ir até Itapiuna e, mais tarde, para Eldorado (45 km de distância), para poderem continuar os estudos. Apesar das dificuldades, treze jovens da comunidade estão na universidade, graças ao núcleo pré-vestibular existente dentro do quilombo e às parcerias com o projeto Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes.

    PREOCUPAÇÃO A construção das barragens para a formação de hidrelétricas na região é um problema que a comunidade se prepara a enfrentar. Alguns moradores, como Benedito Alves, fazem parte do Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (MOAB) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Para ele, o projeto da construção da barragem de Tijuco Alto, por exemplo, poderá trazer prejuízos à comunidade e comprometer a preservação da Mata Atlântica.

    COSTUMES A vida em Ivaporunduva tem a marca da simplicidade: a maioria mora em casas de alvenaria, embora boa parte ainda mantenha a tradição de viver em casas de sapé, pau-a-pique, com o chão de barro socado; plantam milho, mandioca, arroz e feijão, disputam o espaço com galinhas e, mais no interior do quilombo, com os bananais, que constituem a maior renda local. São cerca de 120 mil pés de banana que produzem, em média, 600 caixas por semana. O lucro é dividido, num sistema cooperativado.

    Em breve, entrará em operação uma fábrica para produzir banana-passa, banana frita (tipo chips), balas e doces. É uma parceria com a Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, num projeto de geração de renda, aumento da qualidade de vida, preservação e conservação ambiental e obtenção de produtos com certificação social e orgânica.

    Os moradores aguardam, ainda, a finalização e inauguração de uma pousada construída com recursos estaduais para atrair escolas e universidades. Com a pousada, os estudantes poderão passar mais tempo e explorar melhor o local.

    O artesanato é outra fonte de renda e de expressão cultural dos quilombolas. São cerca de vinte artesãos que, além de venderem suas peças na região, expõem seus trabalhos em faculdades e mostras de arte, como o projeto "Revelando São Paulo".

    PATRIMÔNIO Ivaporunduva abriga relíquias arquitetônicas como uma igreja construída no século XVIII e um cemitério cercado por um muro de taipa e encravado no meio da mata. Contam os moradores que o quilombo surgiu quando, ainda no século XVIII, uma fazendeira conhecida como Maria Joana teria ficado doente e voltado para Portugal, deixando para trás seus escravos. Alguns permaneceram em Ivaporunduva, outros se espalharam em outras comunidades.

     

    Gabriela Di Giulio