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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo July/Sept. 2005

     

     

     

    PERNAMBUCO

    Projeto sócio-político salva o povo xucuru da extinção e é premiado pela Fundação Ford

     

    O povo xucuru, etnia localizada na região pernambucana da Serra de Ororubá, recebeu este ano o prêmio Gestão Pública e Cidadania, da Fundação Ford, com o programa "Organização sócio-política do povo xucuru de Ororubá". O objetivo do projeto foi a reorganização sócio-política da etnia, assim como valorização e afirmação da identidade indígena do povo xucuru.

    O programa pernambucano concorreu com outros 1.191 trabalhos de todo o Brasil e recebeu uma premiação no valor de R$ 20 mil. "O que permitirá comprar um caminhão para transportar água até as aldeias mais distantes e, posteriormente, começar um projeto de recuperação da vegetação e das nascentes", planeja o cacique Marcos Xucuru. O Prêmio é uma iniciativa da Fundação Ford com a Universidade de Harvard. No Brasil, a seleção dos projetos é realizada pela Fundação Getúlio Vargas e apoiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

     

     

    "A organização do povo xucuru resgata a identidade de uma etnia que vivia subjugada em seu próprio território" afirma o cacique. Outro ponto importante foi a visibilidade conquistada para a causa de seu povo, bem como as conquistas políticas adquiridas após a sua consolidação, tornando-os um referencial para a organização de outros povos indígenas da região Nordeste e do restante do país.

    LÍNGUA E EDUCAÇÃO Os xucurus do Ororubá perderam a língua nativa no percurso de quase 400 anos de contato com a civilização branca. Alguns vocábulos foram resgatados, mas o idioma é considerado morto. Apesar disso, a etnia possui um projeto de educação específica, coordenado por um conselho de professores xucuru, responsável pelo livro Xucuru, filhos da mãe natureza — uma história de resistência e luta a partir de relatos dos conhecimentos e costumes, resgatados a partir da tradição oral. Outra ação dos xucurus refere-se, agora, à criação do magistério indígena, junto à Secretaria Estadual de Educação, para dar continuidade ao processo de educação diferenciada e intercultural garantida pelo Conselho Nacional de Educação.

    DEMARCAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE TERRAS Assumindo o discurso dos grandes proprietários de terras, entre 1860 e 1880, o governo imperial decretou oficialmente a extinção dos aldeamentos em Pernambuco, para resolver os conflitos causados pelas invasões dos territórios indígenas da região. O argumento usado era a ausência da pureza racial, afirmando que os índios da região não mais existiam, pois estavam confundidos com a massa da população.

    A extinção das aldeias e o loteamento das propriedades indígenas, entre elas as dos xucurus, culminou com a perseguição de seus remanescentes ou no paradoxo da contratação dos índios possuidores de terras como bóias-frias em seus próprios territórios. Os xucurus eram considerados extintos até o início do século XX. A partir de então, começou quase um século de lutas pelo reconhecimento étnico e a garantia das terras. A homologação dos 27.555 hectares de terras pertencentes ao povo xucuru só ocorreu, definitivamente, em maio de 2001.

    No final dos anos 1980, os xucurus ocupavam menos de 10% do seu território. Após um violento processo de demarcação das terras, cerca de 70% do território foi resgatado pelo povo xucuru, que possui hoje uma população de aproximadamente nove mil indígenas, distribuídos em 24 aldeias.

    Foi um processo de recuperação das terras bastante conturbado, lembra o cacique, com assassinatos e perseguições permanentes nos últimos anos. Entre essas mortes está a do cacique Chicão, pai de Marcos, assassinado em 1998, durante sua luta pela demarcação das terras. O cacique Chicão foi considerado uma liderança expressiva na luta pelas garantias dos direitos indígenas do Nordeste e em todo o Brasil, tendo recebido ameaças e escapado de emboscadas, promovidas por fazendeiros contrários à demarcação de terras, por cerca de dez anos.

    ANISTIA INTERNACIONAL O drama dos xucurus ilustra situações reais vividas por grande parte dos povos indígenas do país. Como o pai, o atual cacique Marcos Xucuru também vem sofrendo ameaças de morte por sua luta pela terra. Em decorrência do não-cumprimento da disposição da Organização dos Estados Americanos (OEA) por parte do Brasil, a organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional convidou Marcos para apresentar a história do seu povo a políticos, ONGs, associações religiosas e jornalistas de países como a Bélgica, Espanha, França, Suíça e Holanda, em 2004.

    MOVIMENTO SOCIAL INOVADOR Segundo o estudo, "Índios e Parlamentos", realizado pelo Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), com o apoio da Oxfam e da Fundação Heirich Boll, o movimento indígena se encontra entre os principais movimentos sociais da América Latina. Diversos autores vêem nele uma força inovadora semelhante ao papel que a "classe trabalhadora" teve ou tem em relação a possibilidades de mudança social, afirmada por autores de ciências sociais.

     

    Luciene Zanchetta