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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.3 São Paulo jul./set. 2005

     

     

     

    ENTREVISTA: MÁRCIA BARBOSA

    Mulheres são maioria na educação, mas não chegam ao topo na carreira profissional

     

    Embora a presença feminina seja dominante na universidade, algumas áreas, como física ou matemática, são ainda consideradas masculinas. A mobilização para reverter esse quadro começou em 2002, na 1ª Conferência Internacional de Mulheres na Física, em Paris, com a disposição das cientistas participantes em declarar guerra às barreiras que as impedem de chegar aos postos mais altos de suas carreiras. A física Márcia Cristina Bernardes Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), estava presente e pode ser considerada uma das sementes plantadas na França que renderam bons frutos. Em 2004, junto com sua colega Elisa Saitovitch, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), organizou um congresso pioneiro com outras cientistas latino-americanas das ciências duras – que neste ano deverá incluir as engenheiras. Segundo estudos de Jacqueline Leta, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), menos de 10% dos acadêmicos titulares ativos em 2003 na Academia Brasileira de Ciências eram mulheres; dentre os acadêmicos titulares, 28.4% dos cargos administrativos da UFRJ eram ocupados por elas. Em pleno ano internacional da física, esse parece ser um bom debate.

    Como foi a mudança de atitude das mulheres das ciências duras que, de objeto de estudo das humanas, passaram a atuantes nas questões de gênero na ciência?
    As mulheres da área de exatas e biológicas simplesmente seguiam sua carreira e, mesmo percebendo barreiras, preconceitos, estereótipos, nunca se mobilizavam a ponto de ter grupos específicos para atuar, denunciar, trazer as questões, tentar compreender a problemática. A organização Internacional Union of Pure Applies Physics (IUPAP), que reúne sociedades de física do mundo inteiro, num certo momento, se questionou porque existiam tão poucas mulheres fazendo física, o que acabou originando, em 1999, o grupo de trabalho Working Group on Women in Physics, coordenado por mim, e que organizou uma conferência internacional, dois anos depois, em Paris. Hoje, temos setenta grupos de mulheres no mundo inteiro. Nessa conferência, Elisa Saitovitch era a palestrante convidada, e eu a organizadora pelo Brasil. Nunca tínhamos nos envolvido com o tema, ocupadas em sobreviver na profissão. Ao trocar experiências com outras mulheres percebemos que, no mundo inteiro, enfrentamos barreiras idênticas. A partir daí, decidimos analisar a América Latina, e, mais que isso, expandir o estudo também para biólogas, químicas, matemáticas.

     

     

    O fato de o governo Lula decretar 2004 como a ano da mulher contribuiu para o movimento?
    Isso nos incentivou na organização do primeiro congresso de mulheres latino-americanas nas ciências exatas e da vida, em novembro passado. O governo começou o movimento, lançou uma secretaria especial da mulher, mas são estruturas extremamente recentes e com resultados muito lentos. Mas acredito que é um movimento crescente e que, em alguns anos, falar de gênero será mais óbvio, como o é na Europa e Estados Unidos. Na América Latina, ainda estamos construindo esse conceito, principalmente dentro das áreas científicas.

    Segundo estudos de Jacqueline Leta, bioquímica da UFRJ, mesmo em países como a França, onde há incentivos para que os gêneros busquem a ciência de forma igualitária, a presença de mulheres nas ciências exatas e da vida é reduzida. A que atribui isso?
    A França é um dos países que está melhor no que chamamos de pirâmide, ou efeito tesoura: a mulher entra na carreira, mas ao longo dela vai sendo cortada. Mas, ainda há um impacto muito forte da mídia sobre a imagem do cientista. Essa é uma questão fundamental no momento de decidir-se por uma carreira nas ciências. A França tem alguns ícones femininos de pesquisadoras, o que serve para atenuar o problema, mas é ainda pouco, pois não há um grande número delas em todas as áreas. Um dos estímulos franceses é um prêmio anual de US$100 mil dado pela L’Oreal, para incentivar a mulher cientista. Não sei se conseguiremos chegar ao mesmo número (que dos homens), mas o que importa é não eliminar do caminho científico ninguém que tenha potencial.

    Em 2004, as mulheres já eram maioria nos cursos de graduação e na pós-graduação?
    Mas aí você vai ver a distribuição por áreas e as mulheres vão muito mais para as carreiras das áreas humanas. Os dados mostram que o percentual daquelas que entram na graduação permanece até a pós-graduação. Mas o grande bloqueio acontece quando ela se insere no mercado profissional. Na minha história tive alguns momentos em que eu detectei problemas de gênero, mas tem mulheres que vivem isso no cotidiano e internalizam o sofrimento. Elas não percebem a quantidade de preconceito sutil que está envolvido nisso.

    Como você avalia o crescimento desse movimento no Brasil?
    Algumas mulheres chegaram a carreiras de destaque e alavancam esse movimento, que começa a crescer em muitos países e é claro que nos atinge. Particularmente no Brasil, e na América Latina em geral, que vive um período de um pouco mais de liberdade, essa consciência começa a se formar. Há alguns anos nem se pensaria nisso.

    Os homens participam da discussão de gênero na ciência?
    Em Paris, tínhamos 15% de participação masculina, porque o homem do primeiro mundo já está um pouco preocupado com a temática. Ainda há homens com muito medo de ação afirmativa, como cotas, embora o que se queira é eliminar barreiras. Eu gostaria que todos os processos de julgar as pessoas não tivessem nome e sobrenome, que não fossem focados na pessoa e nem baseados no perfil masculino. Os comitês que julgam projetos, que avaliam candidatos são, majoritariamente, masculinos. Por que não se pensar em ter um percentual de mulheres neles? O simples ato de dizer – será que não dava para colocar uma mulher neste comitê? – já será estimulante.

     

    Germana Barata