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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo July/Sept. 2005

     

     

     

    ANGOLA

    Exploração de diamantes gera conflito cultural

     

    A riqueza diamantífera de Angola oferece um espantoso contraste com as condições de vida da população: é o terceiro maior produtor de diamantes do mundo, mas ocupa a 166ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2004, entre um total de 177 países avaliados. As maiores reservas, inclusive inexploradas, ficam na região das Lundas, no nordeste de Angola. São cerca de 180 mil km2 delimitados como Zona de Reserva Diamantífera, com mais de um milhão de habitantes.

    No passado, as pedras brilhantes das Lundas entraram para o rol dos "diamantes de conflito", ou "diamantes de sangue", por financiarem a guerra civil, que durou 27 anos. Atualmente, o desafio é combater o contrabando, a corrupção e a violação dos direitos humanos, como mostra o relatório "Lundas: as pedras da morte", divulgado em fevereiro deste ano.

    KIMBERLEY O uso da receita gerada no comércio de diamantes para financiar guerras, tanto em Angola como em outros países, levou à proibição das relações comerciais com as forças rebeldes. Em 2003, esse processo ganhou proporções maiores com a implementação do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK). Esse sistema obriga os países produtores a criar mecanismos de controle desde o garimpo até a exportação de diamantes, e os países compradores a impedir a entrada nos seus mercados de pedras desprovidas do certificado de origem. As medidas criadas pelo governo angolano para cumprir as regras de Kimberley foram questionadas no relatório, produzido pelo jornalista angolano Rafael Marques e o advogado português Rui Falcão de Campos, a partir de pesquisas feitas na região com apoio da Fundação Mario Soares, de Portugal.

    Entre os problemas apontados no relatório estão: a falta de controle na compra e venda de pedras exploradas de forma artesanal, vendidas por preços abaixo do mercado, provocando o aumento do contrabando; o envolvimento dos fiscais do governo local no tráfico; a intensa migração de estrangeiros e repatriamento, especialmente da República Democrática do Congo; a inexistência de qualquer sistema bancário na região, que força a realização de todas as transações em dinheiro vivo, gerando a evasão fiscal e violência no garimpo; e a ausência de políticas de indenização para os aldeões retirados de suas terras.

    Com relação à violência nas Lundas, Rui Campos acrescenta que "o mais preocupante é que não é uma violência pontual, excepcional e focalizável, mas uma situação generalizada e cotidiana".

    RAÍZES HISTÓRICAS "Responsabilizar apenas o governo pela situação atual das Lundas é, no mínimo, ingenuidade", diz o sociólogo angolano Francisco Cézar Almeida. Em sua opinião, é preciso conhecer as condições históricas que permitiram que um país tão rico em recursos naturais como Angola ainda esteja à deriva. Almeida analisa que, embora a organização política e administrativa do país tenham sido modificadas, não se alteraram verdadeiramente os seus princípios coloniais: as novas elites reforçaram as alianças com as empresas internacionais, facilitando sua entrada e instalação no país; o capital estrangeiro continuou investindo prioritariamente na exploração de matéria-prima; a população deixou cada vez mais de produzir o que necessitava para extrair o que o "colono" desejava (diamantes, ouro, petróleo); e, conseqüentemente, tornou-se cada vez mais dependente dos produtos europeus. "O resultado de tudo isso é que a economia local, antes auto-suficiente, hoje definha. Desfazer esse sistema passa não apenas pelo governo angolano, mas pela Europa, pelos interesses econômicos, pela ruptura com essa história" e, arrisca com certa esperança, "talvez passe também pelo Brasil".

     

    Susana Dias