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Ciência e Cultura
versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. v.57 n.3 São Paulo jul./set. 2005
APRESENTAÇÃO
A FÍSICA E SUAS (MUITAS) INTERAÇÕES E INTERFACES
Ildeu de Castro Moreira e Marcelo Knobel
Aquele que trabalha em física, ou conhece um pouco de seus domínios, sabe que o estudo de superfícies e interfaces é uma área de pesquisa rica em fenômenos interessantes, que surgem das descontinuidades e diferenças de propriedades existentes entre dois ou mais meios que estão em contato. Extrapolando esse conceito para a própria física considerada, de maneira simplificada, como uma área razoavelmente uniforme de métodos, conceitos e paradigmas buscamos, neste Núcleo Temático (NT), trazer à tona discussões sobre a interface com outros campos do saber, da cultura, da arte e da técnica e sobre suas ações mútuas. Os textos que compõem este NT abordam as fronteiras da física com domínios culturais e artísticos, além de destacar territórios sociais e econômicos, como o meio ambiente, a indústria e a guerra, nos quais a física está inserida. Tais interações, em geral, têm sido pouco comentadas e estudadas; quando o são, muitas vezes recebem ênfase as diferenças e aspectos que justificariam uma suposta separação entre duas culturas. Ou então, numa contraposição igualmente limitada, se constroem convergências forçadas entre a física e outros campos do conhecimento, convergências estas frouxamente conectadas por analogias superficiais. Nossa pretensão aqui foi, mais do que enfatizar descontinuidades, mas preservadas as diferenças de enfoque e métodos, apresentar textos que buscam aproximações e que exploram aspectos relevantes e interessantes emanados dessas interações e interfaces científicas e culturais.
Acreditamos que o presente Núcleo Temático possa contribuir de forma original nas comemorações do Ano Mundial da Física 2005, escolhido em comemoração ao centenário dos trabalhos seminais de Albert Einstein. De fato, um dos principais objetivos do Ano Mundial da Física é chamar a atenção do público em geral, mas especialmente dos jovens, para a importância e o impacto da física no mundo contemporâneo. Tal impacto abrange não só as aplicações práticas que decorrem de avanços teóricos e experimentais da física, mas também as contribuições da física para a construção da nossa visão do mundo e suas inter-relações com as outras áreas do conhecimento, assim como os seus aspectos culturais e humanísticos.
O Ano Mundial da Física tem tido um impacto significativo na literatura disponível sobre a física em português, principalmente na área de divulgação científica. Diversos livros, edições especiais de revistas, reportagens especiais em jornais e TVs têm aparecido, explorando diferentes aspectos dessa área científica fascinante. Destacamos particularmente a série de artigos publicados mensalmente na revista Ciência Hoje e o livro Física para o Brasil: pensando o futuro (Alaor Chaves e Ronald Cintra Shellard, orgs.), publicado pela Sociedade Brasileira de Física, que pretende mostrar um panorama geral da física no Brasil e no mundo. Foram ali exploradas outras importantes interfaces da física com domínios científicos próximos, como com a medicina, com a biologia, com a computação.
Essas atividades de divulgação e de discussão sobre a física e seus impactos dentro da ciência, da tecnologia e da cultura humana, nas quais este NT se insere, encontram razão nas palavras do próprio homenageado de 2005. Em um artigo de divulgação, publicado no Berliner Tageblatt, em 1924, Einstein escreveu: "A comunidade dos pesquisadores é uma espécie de órgão do corpo da humanidade: alimentado por seu sangue, esse órgão secreta uma substância essencial à vida que deve ser fornecida a todas as partes do corpo, na falta da qual ele perecerá. Isso não quer dizer que cada ser humano deva ser atulhado de saberes eruditos e detalhados, como ocorre, freqüentemente, em nossas escolas nas quais se vai até o desgosto. Não se trata, também, do grande público decidir sobre questões estritamente científicas. Mas é necessário que cada homem que pensa tenha a possibilidade de participar com toda lucidez dos grandes problemas científicos de sua época, mesmo se sua posição social não lhe permite consagrar uma parte importante de seu tempo e de sua energia à reflexão científica. É somente quando cumpre essa importante missão que a ciência adquire, do ponto de vista social, o direito de existir".