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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.3 São Paulo jul./sep. 2005

     

     

    MÚSICA

    ENCONTRO ENTRE INDÍGENAS E ERUDITOS

     

    Promover a diversidade das músicas indígenas no Brasil, criando um diálogo com a música clássica de tradição ocidental é o que moveu o projeto Ponte entre povos, iniciativa da compositora e intérprete de música indígena Marlui Miranda. A troca entre diferentes estilos musicais iniciou-se em 2001, com a apresentação da música indígena dos povos do Amapá para alunos da Escola de Música Walkíria Lima, um conservatório fundado em Macapá, na década de 1950, pelo músico erudito Oscar Santos. A partir de uma série de oficinas, músicos indígenas, eruditos de São Paulo e estudantes de Macapá produziram três CDs e um livro, lançados em fevereiro último, durante a realização de um grande espetáculo musical que reuniu 20 índios do Oiapoque e do Parque Indígena do Tumucumaque, 13 estudantes do Amapá e a Camerata Atheneum, formada por músicos da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.

    "Os participantes indígenas decidiram gravar para preservar e ensinar também para os não-índios", diz Marlui. Nos três CDs, a prioridade é a música indígena dos povos Apalai, Wayana, Katxuyana, Tiriyó e Palikur. No repertório estão cantigas rituais, que contam o cotidiano: de caça, de fazer roça, de casamento, de chorar a perda de um amor, do contato com os brancos. A escolha do título e da ordem das músicas é dos indígenas. No repertório clássico se destacam Uma pequena serenata noturna, de Mozart, e o Minueto em lá maior de Boccherini.

    Os índios também participaram das transcrições, traduções e descrições dos rituais, do uso dos instrumentos musicais e das narrativas míticas que caracterizam cada música – esse material e as partituras estão no livro. A publicação, feita pelo Sesc paulista, está repleta de fotografias, grafismos, desenhos indígenas, roteiros das gravações e alguns textos acadêmicos que contextualizam a história e os costumes de cada um dos povos indígenas do projeto.

    Num dos textos, Lux Vidal, antropóloga da Universidade de São Paulo, lembra que existem diferentes maneiras de abordar a música tradicional indígena. A pesquisa acadêmica, por exemplo, desenvolvida no Brasil por etnomusicólogos importantes como Anthony Seeger e Rafael Menezes de Barros, enfatiza as organizações sociais, as cosmologias e os significados das músicas no contexto das diferentes culturas indígenas. Outra possibilidade é o resgate e a divulgação genuinamente musical, fazendo com que a diversidade étnica, vocal e instrumental dos povos indígenas seja acessível fora das aldeias,através de gravações e espetáculos musicais.

    Essa é a proposta que permeia o trabalho de Marlui Miranda há 30 anos, com pesquisas e o registro de diferentes linguagens e tradições musicais indígenas. "Existem cerca de 240 povos indígenas no Brasil. Essa diversidade permite uma abordagem ampla, uma espécie de paisagem da música de diferentes grupos indígenas", diz Marlui.

    DIREITOS AUTORAIS Uma das preocupações do projeto foi a questão dos direitos autorais das obras indígenas. Todo o repertório está protegido por autoria: as partituras das músicas foram registradas na Biblioteca Nacional, os CDs foram numerados e os intérpretes, nomeados individualmente, foram comunicados ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), responsável pelo repasse dos recursos arrecadados com a utilização das músicas. "Desde 1971, a partir do disco Olhos D’Água, percebi que a autoria, no caso da música indígena, não poderia ser de ordem coletiva porque a legislação brasileira e a internacional são de natureza individual. Para evitar que esse repertório indígena fosse considerado de domínio público, optei por nomear indivíduos como autores das músicas", justifica Marlui.

     

    Carolina Cantarino