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Ciência e Cultura
versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. v.57 n.3 São Paulo jul./sep. 2005
EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA
ENREDO
I Não crescemos como era preciso, mas alguém deve aparar as unhas da história. Os navios continuam chegando, não os vemos, nem a colônia que fundam além da primeira página. II A varanda incendeia sua orfandade. Inútil o mar que transformou os ossos em corais e a fisga que os recupera para os livros. III O nervo do lagarto é um irmão, pouco importa se o arrancaram de suas costas e haja mais curvas numa hélice que em sua raiva. IV Uma salva de tiros me acorda, se estão celebrando não é pelo esqueleto a quem pertenci. A cárie no dente de um morto é ameaçadora. V Na fotografia que Verger não fez, os carros apodrecem. Plantas lançam seu cateter e antes de atingir o coração da máquina, a escondem. Os coletores de ferro velho assaltaram essa ermida, o deus carcaça os abençoa. VI O espírito da floresta aluga um quarto na cidade. Sufoca de não poder. De hora em hora os trens disparam e a morte compra cedo na padaria. O gato se desprendeu da rede elétrica e às escuras vemos os dentes em marcha. VII A varanda desceu a escada de incêndio e deparou com o serviço da vida nas ruas. O lagarto, a cárie, os coletores de ferro velho e o espírito da floresta rabiscam a geografia da cidade. |
(Primeira parte do livro O mestressala)
Edimilson de Almeida Pereira nasceu em Juiz de Fora (MG) em 1963. Poeta, ensaísta, professor no Departamento de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em co-autoria publicou, dentre outros, Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira (2001), Flor do não esquecimento: cultura popular e processos de transformação (2002). Sua obra poética se encontra reunida nos volumes Zeosório blues (2002), Lugares ares (2003), Casa da palavra (2003) e As coisas arcas (2003). Em literatura infanto-juvenil editou, entre outros, O menino de caracóis na cabeça (2001) e Os reizinhos de Congo (2004).