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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo July/Sept. 2005

     

     

    NELSON DE OLIVEIRA

     

     

    (ENTRE PARÊNTESES)

     

    (Imagine um pedaço de queijo suíço, do tipo mais cheio de buraco possível. Quanto mais queijo mais buraco, certo?)
    (Se cada buraco ocupa o lugar onde deveria haver queijo, então quanto mais buraco menos queijo, certo?)
    (Assim, quanto mais queijo mais buraco e quanto mais buraco menos queijo. Logo, quanto mais queijo menos queijo!)
    (…)
    (Você não é de muito papo, né?)
    (Não adianta resmungar, xingar, isso só piora a situação. O segredo é ter paciência. Mais cedo ou mais tarde alguém vai achar a gente aqui e chamar o zelador.)
    (O segredo é ter paciência, relaxar.)
    (Pegadinha: qual é o sistema dos restaurantes por quilo em Portugal?)
    (Simples: o freguês é pesado na entrada e na saída.)
    (Pô, que mau humor. Desse jeito fica difícil, né?)
    (Outra pegadinha: qual a diferença entre drama e tragédia?)
    (Drama é a primeira vez que não se consegue dar a segunda. Tragédia é a segunda vez que não se consegue dar a primeira.)
    (Tá bom, tá bom, não falo mais nada.)
    (…)
    (Já percebeu que ficar preso em elevador é o mesmo que estar entre parênteses?)
    (Não é outra pegadinha, não. Tô falando sério!)
    (Nada embaixo, nada em cima, percebe?)
    (…)
    (Parênteses.)
    (Me acusam de sempre colocar as pessoas entre parênteses. Que ironia, agora o feitiço se voltou contra mim.)
    (…)
    (Parênteses, parên-teses, pa-rên-te-ses.)
    (Me acusam de colocar as pessoas entre parênteses, sempre. Já falei isso, né?)
    (Queriam o quê? Peso cento e trinta quilos, não fui feliz no casamento, não fui feliz antes do casamento, não sou feliz depois do divórcio.)
    (Minha ex-mulher, você a conheceu, não?)
    (Durante quinze anos de casado não há quem não ganhe peso.)
    (Solteiro, eu trabalhava o dia todo, chegava em casa, via o que tinha na geladeira e, desanimado, ia pra cama. Casado, as coisas mudaram.)
    (Eu chegava em casa, via o que tinha na cama e, desanimado, ia pra geladeira. Foi assim durante quinze anos.)
    (Minha ex-mulher, você se lembra dela, não?)
    (Adorava queijo suíço.)
    (Aprendi a botar as pessoas entre parênteses com ela, comecei com os parentes dela: a mãe e o pai.)
    (Estreei com minha sogra. Deu trabalho, a velha gritou e esperneou. Tive que usar alicate, chave-de-fenda e furadeira. Sogra boa é sogra enlatada.)
    (Entre parênteses as sogras falam menos, usam menos o telefone, se preocupam menos com a vida alheia.)
    (Depois foi a vez do meu sogro. O velho não reclamou nada, acho até que ficou muito feliz de se ver livre da mulher e da filha. As duas o infernizaram durante décadas. Eu o enfiei com cadeira de rodas e tudo. No final ele me sorriu. Em sinal de agradecimento, eu acho.)
    (Ele detestava queijo suíço.)
    (Com a minha mulher eu senti prazer, prazer sádico, entende?)
    (Ela me ameaçou, me mordeu a mão e arranhou meu rosto.)
    (Parecia duas pessoas, sabe por quê? Porque estava fora de si.)
    (Pegadinha… Não consegui evitar.)
    (A verdade é que entre parênteses as mulheres não notam se você está com as unhas sujas ou não, não insistem em discutir a relação nem exigem flores no aniversário de casamento.)
    (Entre parênteses as mulheres não reclamam que a tampa do vaso não foi levantada, que o peido não foi silencioso, que os dentes não foram escovados, que a descarga não foi dada.)
    (Não quero ser grosso, detesto grosserias, mas já reparou que. Nem sei como dizer.)
    (Já reparou que o que as mulheres têm são deliciosos parênteses entre as pernas? Parênteses com cheiro de queijo suíço… Que adoramos botar nosso travessão neles? Travessão entre parênteses, essa é a melhor travessura do mundo, não?)
    (Cara, você é mesmo muito mal-humorado.)
    (Tudo bem, não falo mais nada.)
    (…)
    (Última pegadinha? Que foi que a zebra disse pra mosca?)
    (…)
    (Você está na minha lista negra.)

     

     

    Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guaíra, SP. Escritor e doutorando em letras pela USP, publicou Naquela época tínhamos um gato (contos, 1998), Subsolo infinito (romance, 2000), O filho do crucificado (contos, 2001, também lançado no México), A maldição do macho (romance, 2002, publicado também em Portugal) e Verdades provisórias (ensaios, 2003), entre outros. Em 2001, organizou a antologia Geração 90: manuscritos de computador e, em 2003, Geração 90: os transgressores. Dos prêmios que recebeu destacam-se o Casa de las Américas (1995), o da Fundação Cultural da Bahia (1996) e duas vezes o da APCA (2001 e 2003).