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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2005

     

     

     

    PATRIMÔNIO

    Condepacc pretende preservar o ciclo do café em fazendas

     

    Resquícios do ciclo do café, que deu à região paulista de Campinas projeção política e econômica em nível nacional, deverão ser tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc). Eles se encontram em 38 áreas — 35 fazendas e 3 microusinas hidrelétricas — estudadas por técnicos da prefeitura nos distritos de Sousas e Joaquim Egídio e na Administração Regional 14.

     

     

    Juntamente com outras fazendas da região e dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, as áreas a serem tombadas em Campinas recontam parte da história do Brasil e ajudam a preservar a identidade rural de sua população. Em sua maioria, encontram-se inseridas na área de proteção ambiental (APA) municipal, regulamentada por lei em 2001. "A idéia é conjugar a proteção ambiental com a preservação dos bens culturais e patrimoniais", afirma Sandra Maria Geral de Milne-Watson, arquiteta da Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural (CSPC), órgão da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas de apoio técnico ao Condepacc. "Afinal, a lei que cria a APA não visa somente à conservação do patrimônio natural, mas também à preservação do patrimônio cultural e arquitetônico".

    São poucas as áreas que não sofreram descaracterizações em maior ou menor grau. Construções íntegras são menos freqüentes que vestígios arqueológicos. São casas-sede construídas com taipa de pilão ou pau-a-pique, casas de colonos, terreiros de café, portões, que remetem à segunda metade do século XIX. "Escolhemos o ciclo cafeeiro devido à sua importância para Campinas e região", afirma Milne-Watson. "Como metade (51%) do território campineiro ainda é rural, essa identidade não pode se perder, pois grande parte dela se formou nessas fazendas".

    A fazenda São Joaquim merece destaque por ter sido uma das mais importantes produtoras da região, chegando a cultivar 188 mil pés de café. Outras, porém, são ainda mais antigas. É o caso da fazenda Palmeiras, por exemplo, cujas terras pertenciam a Joaquim Egídio de Souza Aranha, o "Marquesinho", e lhe foram concedidas, sob a forma de sesmaria, pelo imperador D. Pedro I.

    As sesmarias nas campinas do caminho dos Goiazes (ou Guaianazes) começaram a ser requeridas por volta de 1720, e o número de requerimentos foi aumentando ao longo do século XVIII. Entre 1770 e 1780, a cultura de cana-de-açúcar foi introduzida na região. Campinas ainda era uma cidade colonial – o estatuto de cidade, aliás, só foi adquirido em 1842. Engenhos de açúcar em número considerável, tocados por escravos, possibilitaram o ingresso da elite da cidade no circuito internacional. Os senhores de engenho, ou "engenheiros", chegaram a acumular pequenas fortunas, mas formavam uma elite aristocrática ainda sem refinamento nem desenvoltura. Por volta de 1850, houve uma transição rápida da economia açucareira para a economia cafeeira.

    A sociedade local se tornou senhorial e enriqueceu rapidamente. Uma demanda crescente do produto nos mercados estrangeiros fez com que os preços fossem subindo, incentivando aqueles que tinham condições de transformar seus canaviais em cafezais. A economia continuou a ser baseada no trabalho escravo. A cidade, porém, deixou de ter feições coloniais. E os fazendeiros passaram a ser os "barões do café". Campinas se tornou a capital agrícola da província, rivalizando com a cidade de São Paulo.

    A transformação de canaviais em plantações de café, em 1850, implicava claros benefícios financeiros aos proprietários das fazendas, respondendo a uma demanda crescente do mercado. Já o tombamento dos remanescentes desse momento da história de Campinas, nos dias de hoje, ainda não conta com mecanismos efetivos de incentivo econômico aos fazendeiros interessados. "O Condepacc deseja, há muito tempo, preservar os bens rurais através do mecanismo de tombamento", afirma Milne-Watson. Desde a década de 1940, pesquisadores buscam incluir, nos "livros de tombo", exemplares da arquitetura rural paulista dos séculos XVII e XVIII considerados ameaçados pela expansão das cidades.

     

     

    A necessidade de direcionar parte dos esforços de tombamento aos domínios rurais foi reconhecida por Rodrigo Melo Franco de Andrade, fundador do Iphan – à época Sphan –, em 1955, num artigo para a revista Módulo. Na década de 1960, as fazendas Resgate e Pau d’Alho, no Vale do Paraíba, tiveram suas respectivas casas grandes tombadas pelo Iphan, e mais tarde, em 1982, também pelo Condephaat, órgão paulista do instituto. A Pau d’Alho, juntamente com outra fazenda, a Boa Vista, ilustra um selo postal da série dedicada às fazendas históricas, e é considerada uma fazenda monocultora de café típica do período, tendo a casa-grande, a tulha (depósito), as máquinas e as áreas para beneficiamento organizadas em torno do terreiro de café. No entanto, ainda hoje é preciso encontrar meios de incentivar financeiramente os proprietários rurais a pedir o tombamento de suas fazendas.

    Interesse existe. Em janeiro, alguns dos proprietários procuraram a prefeitura a fim de se informar sobre o processo de tombamento. E foram convidados a colaborar com os técnicos nos estudos. Por ora, a adesão ainda pode ser considerada baixa. Apenas nove representantes de fazendas compareceram à reunião com os técnicos da CSPC, mas deve aumentar à medida que os proprietários se convençam dos benefícios potenciais do tombamento, como a exploração de visitas turísticas.

    TURISMO CULTURAL A exploração econômica de atividades turísticas vem sendo realizada com sucesso em diversas fazendas do Brasil. Na região de Limeira, cinco pontos se abriram à visitação histórico-turística: Morro Azul, Quilombo, Itapema, Ibicaba e Santa Gertrudes. Nesta, de acordo com Luís Filipe Botelho, sócio-gerente, a principal atividade atual é a produção de cana-de-açúcar, da qual se extraem os recursos necessários para a manutenção de toda a fazenda. "O turismo não paga a manutenção, mas a motiva, e confere utilidade à estrutura de produção do café, hoje obsoleta". A Santa Gertrudes recebe, há cinco anos, uma média de 2500 visitantes por ano, e eles podem ver como era processado o café na época, quando a produção chegou a atingir a marca de 2 milhões de pés de café e havia cerca de 2 mil empregados em atividade. A fazenda também serve de locação para novelas, como ocorreu com Esperança, da Rede Globo, e A escrava Isaura, da Rede Record.

     

    Flávia Natércia