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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2005

     

     

     

    AGRICULTURA

    Fórum do Software Livre estende projeto contra monopólio para as sementes

     

    O que há de comum entre os agricultores tradicionais e o movimento software livre? Aparentemente nada, pois enquanto um lida com a milenar atividade agrícola o outro trabalha com aquilo que, em nosso imaginário, se liga ao que há de mais futurístico. Os inimigos, porém, parecem estar aproximando esses dois personagens. Ambos têm como adversário principal o monopólio. Os hackers do movimento software livre lutam para que o código que produzem e utilizam seja livre, já os agricultores tentam fazer com que as espécies que cultivam há anos não se tornem de domínio exclusivo das transnacionais, interessadas em obter patentes sobre as sementes. No último caso, o código a ser protegido é o genético. No fundo, agricultores e programadores hoje lutam pela mesma coisa: o conhecimento livre.

    Um grande passo para que os dois movimentos aumentem o diálogo e a colaboração foi dado no sexto Fórum Internacional de Software Livre. Neste ano, pela primeira vez o fórum montou um "Banco de Sementes Livres", iniciativa para oferecer a comunidades indígenas e quilombolas do Rio Grande do Sul sementes livres de modificação genéticas e sobre as quais não incida nenhuma patente. Ao todo, o movimento conseguiu arrecadar 3 toneladas de sementes que, segundo os organizadores, deverão gerar 3 mil toneladas de alimentos.

    FOME ZERO Tradicionalmente, o fórum costuma arrecadar alimentos, doados ao programa Fome Zero. Mas havia, entre os organizadores, o desejo promover uma ação que pudesse ajudar os beneficiados a garantir seu próprio sustento de forma autônoma. Quem conta a história é Mário Teza, um dos organizadores e membro do Comitê Gestor da internet brasileira: "Ficamos tocados com a história da alta mortalidade infantil dos índios em Dourados (MS) e queríamos fazer algo que vencesse o problema da distribuição, já que é complicado fazer chegar os alimentos".

    A coleta para o Fome Zero não foi interrompida – mas a ela somou-se a arrecadação de dinheiro para a compra de sementes. Ao final do sexto fórum, no início de junho, o total arrecadado chegou a R$ 30 mil – fruto da contribuição dos patrocinadores e de R$ 3 da inscrição de cada participante. O próximo passo, agora, é comprar as sementes e fazer com que elas cheguem às comunidades. Para isso estão envolvidos a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater-RS), as secretarias de Agricultura e de Trabalho do estado, a universidade Unijuí, o Conselho Indígenista do RS e, possivelmente, a Embrapa.

    Durante o processo de organização, percebeu-se que poderia ser mais interessante atender às comunidades do próprio estado do Rio Grande do Sul do que tentar ajudar os índios do Mato Grosso do Sul, que já recebiam bastante atenção da mídia. "No mesmo período, ocorreu aquela seca no estado e a população indígena e quilombola foi fortemente afetada", afirma Teza. Segundo ele, quem plantou sementes transgênicas perdeu 100% da lavoura, enquanto a taxa de resistência da área plantada com as variedades crioulas (tradicionais) foi de 60%. "Boa parte dos chefes das comunidades indígenas do estado foi seduzida pelo canto da sereia dos transgênicos e estão tentando imitar o modelo do agronegócio. Com a seca, ficaram sem grãos até para o plantio da próxima safra", afirma Teza.

    O objetivo agora é criar uma cadeia produtiva livre, em que os agricultores não sejam obrigados a pagar os royalties abusivos cobrados pelas transnacionais dos transgênicos. No próximo ano, as comunidades beneficiadas contribuirão, com o fruto de seu trabalho, para fazer crescer ainda mais o Banco de Sementes Livres. "Não podemos ver reproduzido na agricultura o monopólio que a Microsoft exerce sobre o mercado de software", afirma Teza. "Queremos liberdade para o código genético, assim como queremos que sejam livres os códigos-fonte dos programas de computador", completa.

     

    Rafael Evangelista