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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2005

     

     

    APRENDENDO COM IMAGENS

    Isabel Martins, Guaracira Gouvêa e Cláudia Piccinini

     

    Imagens são importantes recursos para a comunicação de idéias científicas. No entanto, além da indiscutível importância como recursos para a visualização, contribuindo para a inteligibilidade de diversos textos científicos, as imagens também desempenham um papel fundamental na constituição das idéias científicas e na sua conceitualização. Essas questões têm sido objeto de um crescente conjunto de investigações no campo da educação em ciências que, mesmo organizado a partir de quadros teórico-metodológicos tão distintos quanto a semiótica social, a psicologia cognitiva e os estudos culturais entre outros, compartilha o interesse de melhor compreender as relações entre imagens, conhecimento científico e ensino de ciências (1). Exemplos de resultados desses estudos incluem a idéia de que imagens são mais facilmente lembradas do que suas correspondentes representações verbais (2-5) e o efeito positivo de ilustrações na aprendizagem dos alunos (2, 3, 6, 7). Ainda, extensas revisões da literatura educacional documentaram investigações acerca do papel da imagem na aprendizagem (8-10), entre eles, modelos que analisam texto, imagem e suas inter-relações (11); análises das expectativas de autores e leitores acerca da imagem (12). Imagens também foram analisadas no contexto da legibilidade de livros didáticos (13) e de uma comparação entre apresentações em papel e tela de computador (14). Análises de imagens em livros didáticos, de leituras de imagens por estudantes e de usos em sala de aula também foram investigadas, a partir de um quadro teórico da semiótica social (15), revelando engajamentos culturais, afetivos e estéticos (16, 17). Outros estudos incluem dados sobre a valorização pelos professores sobre as imagens no livro como critério para escolha dos mesmos (18) e análises do potencial didático e dos limites da imagem como facilitadoras da aprendizagem do ponto de vista cognitivo (19).

    Neste trabalho, realizado ao longo de dois anos por uma equipe de professores e pesquisadores em educação em ciências, foram exploradas questões relativas à natureza híbrida, do ponto de vista semiótico, dos textos científicos (20), visando a uma melhor compreensão e avaliação da natureza das demandas desses textos, das suas possibilidades de leitura, crítica e utilização por professores e alunos em sala de aula e do seu papel em contextos de divulgação científica.

    LINGUAGEM VISUAL Em nossos estudos questionamos a "transparência" da imagem, isto é, desafiamos a idéia de que as imagens comunicam de forma mais direta e objetiva do que as palavras. Ao considerarmos, junto com Kress e van Leeuwen (15), que a linguagem visual se constitui em um sistema de representação simbólica, profundamente influenciado por princípios que organizam possibilidades de representação e de significação em uma dada cultura, abrimos espaço para problematizar não só a própria linguagem visual, mas também o que está envolvido em sua leitura. Esta é considerada um processo de construção de sentidos, no qual jogam a intencionalidade do autor, a materialidade do texto e as possibilidades de ressignificação do leitor (21).

    Com vistas a explorar as questões propostas para investigação foram realizados três estudos de caso em escolas do nível fundamental, envolvendo levantamentos, entrevistas e observação de sala de aula, objetivando: 1. documentar a freqüência de ocorrência das imagens e analisar os diferentes papéis por elas desempenhados em livros didáticos de ciências; 2. analisar a leitura das imagens em livros didáticos de ciências feitas por estudantes do ensino fundamental – 3º e 4º ciclos; e 3. analisar as formas de utilização das imagens em situações de ensino em sala de aula. A seguir descrevemos os principais resultados obtidos nos diferentes estudos.

    LIVROS DO ENSINO FUNDAMENTAL Vimos que é grande o número de imagens presentes nos livros didáticos de ciências, mas que enquanto nas primeiras séries encontramos tipicamente imagens naturalistas e realistas, remetendo o leitor a cenários familiares do cotidiano, nas séries finais a essas se somam representações abstratas e ilustrações esquemáticas de situações microscópicas. Vale destacar que, nas últimas séries, passa a ser mais evidente a manipulação de elementos composicionais, tais como cor e escala, e a conseqüente necessidade de seu entendimento para a significação das entidades representadas. Os livros destas séries também passam a incluir localidades e tempos remotos, alguns sem correspondência no cotidiano do aluno. Essa necessidade de ampliação da noção de tempo e espaço por parte do estudante é acompanhada por uma ampliação do poder explicativo da ciência, do exemplo para a generalização, do local para o global, do particular para o geral, no sentido de construir um caráter mais universal para o conhecimento científico. Em outras palavras, diferenciam-se e se complexificam as estratégias de leitura desses textos.

    No que diz respeito às marcantes diferenças na variedade de tipos de imagens encontradas nos livros de ensino fundamental, podemos questionar em que medida a opção por apresentar aos estudantes uma maior diversidade de representações pode revelar duas potenciais fontes de dificuldade para a aprendizagem científica. Por um lado, essa parcimônia indicaria a expectativa de que os estudantes não possuem habilidades para a leitura de certos tipos de representação como, por exemplo, esquemas abstratos. Nesse caso, a dificuldade percebida refere-se à conseqüente impossibilidade de que o estudante adquira desde cedo familiaridade com tipos de representação essenciais para a ciência. Por outro lado, a marcada ruptura entre as formas de representação, típicas do primeiro e segundo ciclos e aquelas do terceiro e quarto ciclos, podem reforçar diferentes visões no que diz respeito aos objetos de conhecimento e às formas de conhecer do empreendimento científico.

    Assim, enquanto nos livros de primeiro e segundo ciclos destaca-se a construção de habilidades relacionadas à observação de fenômenos, é somente nos livros de terceiro e quarto ciclos que encontramos o embrião de uma discussão mais abrangente acerca de aspectos da natureza da ciência e da atividade científica, de forma a incluir, além de questões relacionadas a método e fenomenologia, uma discussão sobre as implicações sociais da ciência e tecnologia. Esses dois tipos de introdução tardia a aspectos fundamentais da ciência podem não corresponder nem às expectativas, nem aos interesses, nem às necessidades e nem às habilidades que as crianças demonstram ter. Os meios de comunicação apresentam às crianças não só diferentes possibilidades representacionais, quanto informações a respeito de descobertas científicas que fornecem elementos para a construção de representações acerca, por exemplo, do que é ciência, de quem é o cientista e qual seu papel social. Uma iniciação precoce ao discurso científico, auxiliada por conjuntos de imagens mais diversificados, poderia proporcionar maior riqueza nesse processo de construção de atitudes e identidades em relação ao conhecimento científico.

    LEITURA DE IMAGENS Durante entrevistas, com duplas de estudantes do 3º e 4º ciclos do ensino fundamental, tivemos a oportunidade de verificar várias estratégias de leitura das imagens realizadas por esses estudantes. A análise destas revelou que, na busca de uma significação para a imagem, eles se engajam em procedimentos elaborados que envolvem análises de elementos composicionais, buscas na memória por experiências relevantes, estabelecimento de relações com situações do seu cotidiano (incluindo experiências escolares). Observamos que os alunos:

    fazem leituras descritivas, especialmente de aspectos comuns e cotidianos das imagens, revelando dificuldades para identificar elementos abstratos e que não possuem uma representatividade em seu universo mais próximo;

    necessitam de um tempo para a observação e significação das imagens. Imagens com maior densidade de informações remeteram a uma necessidade de pausa para pensar e analisar as possibilidades descritivas;

    estabelecem intertextos com outras imagens. Imagens que remetem a outras imagens, a outros contextos interpretativos aumentam a possibilidade de entendimentos. Estas funcionam também como um recurso de memória, onde através de outras imagens podem se recordar;

    comparam imagens distintas. Foram atribuídos novos significados às imagens a partir de exercícios de comparação;

    realizam uma leitura seletiva. Destacaram apenas um aspecto presente na imagem;

    utilizam-se de diversos modos semióticos para identificar ou acompanhar a leitura. Apontar e acompanhar com o dedo das mãos ajuda na leitura e detalhamento da imagem;

    nem sempre fazem uma leitura da imagem no contexto do texto ao redor. O texto ao redor da imagem é ignorado. Em alguns momentos os alunos atribuem facilidade à leitura da imagem e acreditam que o texto não é necessário para o entendimento da mesma;

    lêem o texto ao redor. Atribuem dificuldade de compreensão da imagem, sem a leitura dos textos anexos. Atribuem importância e papel pedagógico à legenda. Realizam uma leitura situada das imagens na página, em relação ao texto ao redor;

    dão atenção aos aspectos composicionais das imagens. Imagens mais nítidas favorecem o entendimento.

    Nossas análises revelam uma diversidade de formas de engajamento com a imagem (afetivo, cognitivo, estético) e uma variedade de estratégias de leitura, que destacam o papel do conhecimento prévio, de experiências de leitura anteriores realizadas no ambiente escolar e de estratégias de leitura que integram informações verbais e contextualizam as imagens no espaço gráfico da página.

    IMAGENS EM SALA DE AULA Em uma terceira etapa realizamos observações de situações de aulas de ciências com o objetivo de identificar como as imagens são trabalhadas, por professores e alunos, nos diversos aspectos relacionados à sua construção, leitura e interpretação em contextos de aprendizagem (22). Discutimos, também, diferentes possibilidades de utilização das imagens na sala de aula analisando sua relação com os conteúdos curriculares. O registro dessas observações foi realizado por meio de gravação em áudio e vídeo, que foram transcritos na íntegra, focando-se aspectos de comunicação verbal e não verbal. Documentamos vários momentos em que as explicações do conceito de célula e de conceitos adjacentes foram realizadas pelo uso de diferentes modos semióticos – ação/gestual, imagem e verbal – na orquestração retórica para a construção de significados. Na análise dos episódios, examinando a articulação e o fluxo dos modos, verificamos tanto exemplos das relações de cooperação entre eles, quanto momentos nos quais se estabelece a centralidade de um dado modo. Observamos, ainda, que os modos criaram sentidos de diferentes maneiras, configurando de forma particular a explicação e a re-significação do conhecimento. Verificamos também que os modos desempenharam papéis específicos na explicação das entidades científicas, ou seja, possuem maior capacidade de representação em alguns momentos, sendo menos eficientes em outros e, portanto, proporcionando distintos sentidos.

     

     

    Em especial, observamos que nas aulas documentadas as imagens permitiram:

    localizar estruturas (e suas possíveis funções) e torná-las dinâmicas (movimentos, mudanças de lugar etc.), possibilitando mostrar relações espaciais entre parte e todo;

    fornecer um cenário no qual alunos e professora podiam pensar, localizar e identificar as entidades e suas partes, apresentando e detalhando essas entidades;

    conduzir os processos de construção de representações, seja através de descrições ou estabelecendo analogias;

    momentos em que as explicações assumiram um caráter menos rígido e possibilitaram uma expressão mais criativa e representativa, inclusive da participação dos alunos na mediação de conceitos e/ou idéias (por exemplo, com o uso de analogias);

    influenciar na memorização dos alunos (analogias visuais ajudaram a lembrar o nome das organelas) e que os alunos se aproximassem de um universo invisível, inacessível, aumentando a possibilidade de "convencimento" desses alunos.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, nossos resultados contribuem para a consolidação de uma área de investigação no campo da educação em ciências. A importância dessa pesquisa se traduz no seu potencial para fornecer subsídios para uma melhor compreensão e avaliação da natureza das demandas desses textos e das suas possibilidades de leitura, crítica e utilização por professores e alunos em sala de aula. Os resultados enfatizam, também, a necessidade de problematizar tanto as condições sociais de produção das imagens, quanto às condições sociais de produção da leitura das imagens. A primeira perspectiva nos chama atenção para a necessidade de considerar as tecnologias e suas linguagens específicas no entendimento de imagens. A segunda diz respeito às dimensões envolvidas ao considerarmos a leitura na perspectiva discursiva, isto é, a relação leitor-texto-autor, sentidos de leitura, modos de leitura e suas relações com contextos, espaços e finalidades específicas como, por exemplo, a leitura na escola.

     

    Isabel Martins é professora adjunta do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ.
    Guaracira Gouvêa é professora adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
    Cláudia Piccinini é professora substituta da Faculdade de Educação da UFRJ,da SME/RJ e do NADC/Projeto Fundão, da Biologia (UFRJ).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Martins, I. "Visual imagery in school science texts", in Graesser, A., Otero, J. e De Leon, J. A. (eds.). The psychology of scientific text comprehension. Hillsale, N. J. Lawrence Erlbaum Associate Publishers. 2002.

    2. Levie, W. H. & Lentz, R. Educational Communication and Technology Journal, 30, 195-232, 1982.

    3. Levin J R & Mayer R E "Understanding illustrations in text", in Britton, B. Woodward, A. & Binkley, M. Learning from textbooks: theory and practice. Hillsdale, N. J. Lawrence Erlbaum Associates, 1998.

    4. Mcdaniel M. A. & Pressley, M. (eds.) Imagery and related mnemonic processes: theories, individual differences and applications. New York: Springer Verlag. 1987.

    5.Paivio, A. Imagery and verbal processes. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates Publishers. 1971.

    6. Levin, J.R.; Anglin, G.J. & Carney, R.N. "On empirically validating functions of pictures in prose", in Willows D M & Houghton H A (eds.) The psychology of illustration: I Basic Research (pp. 51-85) New York: Springer Verlag. 1987.

    7. Schallert, D. L. "The role of illustrations in reading comprehension", in Spiro, R. J.; Bruce, B.C. & Brewer, W.F. (eds.) Theoretical issues in reading comprehension: perspectives from cognitive psychology, linguistics, artificial intelligence, and education. Hillsdale, N J: Lawrence Erlbaum Associates. 1980.

    8. Filippatou, D. & Pumfrey, P. Educational Research, 38, (3). 259-291.1996.

    9. Fleming, M. AV Communication Review, 25, (1), Spring, 43-61. 1977.

    10. Fleming, M. Instructional Science, 8, 235-251. 1979.

    11. Goldsmith, E. "The analysis of illustration in theory and practice", in Willows, D. M. & Houghton, H. A. (eds.) The psychology of illustration: II instructional texts, (pp. 53-85) New York: Springer Verlag. 1987.

    12. Vézin, J-F. & Vézin, L. Bulletin de Psychologie, XLI, (386), 655-666. 1990.

    13. Kearsey, J. & Turner, S. Journal Of Biological Education. 33 (2) 87–94. 1999.

    14. Reid, D. & Bevridge, M. "Effects of text illustration on children’s learning of a school science topic", in British Journal of Educational Psychology, 56, 294-303. 1986.

    15. Kress, G. & Van Leeuwen, T. Reading images: the grammar of visual design. London: Routledge. 1996.

    16. Martins, I. "O papel das representações visuais no ensino e na aprendizagem de ciências", in: Moreira, A. (org.). Atas do I Encontro de Pesquisa e Educação em Ciências. Águas de Lindóia, 23 a 26 de novembro, pp. 294-299. 1996.

    17. Martins, I. Ensaio – Pesquisa em educação em ciências. Vol. 1, nº 1, set, 29-46. 1999.

    18. Carneiro, M. H. S. "As imagens no livro didático", in Moreira, A. (org.). Atas do I Encontro de Pesquisa e Educação em Ciências. Águas de Lindóia, 23 a 26 de novembro, pp 366-373. 1997.

    19. Otero, M. R. & Greca, I. M. Cadernos Brasileiros de Ensino de Física. Vol 21, nº 1, abr, 35-64. 2004.

    20.Lemke, J. L. "Multiplying meaning: visual and verbal semiotics in scientific text", in Martin, J. R. E.; Veel, R. (Eds.) Reading science: functional perspectives on discourses of science. London: Routledge. 1998.

    21. Orlandi, E. P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez. 1999.

    22. Piccinini, C. L. "Análise da comunicação multimodal na sala de aula de ciências: um estudo envolvendo o conceito de célula". Dissertação de mestrado. NUTES, UFRJ. 2003.