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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.57 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2005

     

     

    O CENTRO DE BIOTECNOLOGIA MOLECULAR ESTRUTURAL: APLICAÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS DESENVOLVIDOS JUNTO AO ENSINO MÉDIO

    Nelma Regina Segnini Bossolan, Neusa Fernandes dos Santos, Ronaldo de Rosa Moreno e Leila Maria Beltramini

     

    A rápida evolução do conhecimento nas áreas de biologia molecular e de suas tecnologias associadas nos últimos anos tem gerado uma lacuna na formação acadêmica dos atuais professores. Por outro lado, os alunos demandam esse conhecimento por influência de fontes de informação como, por exemplo, a imprensa escrita e falada, onde esses temas têm ocupado um espaço regular. Assim, percebe-se que os professores têm a necessidade premente de atualização e aperfeiçoamento nesses assuntos. Nesse contexto, o papel da universidade, como geradora, difusora e disseminadora de conhecimento, é o de, através de parcerias com as escolas públicas, diminuir o espaço temporal que existe entre os avanços alcançados nessa área e a "sala de aula".

    A universidade pode colaborar no aumento do nível de entendimento público da ciência, que deve ser vista como uma necessidade de sobrevivência do homem, pois hoje se convive mais intensamente com a ciência, a tecnologia e seus produtos (1). Mesmo que a investigação científica e o avanço tecnológico sejam do domínio de poucos indivíduos da sociedade, todos os cidadãos em uma democracia devem estar preparados para refletir sobre as questões sociais levantadas pela ciência e suas tecnologias decorrentes (2).

    Noções sobre temas atuais em que se emprega conhecimento tecnológico podem aparecer em vários momentos na escola, nas disciplinas de ciências da natureza, com níveis diversos de enfoque e aprofundamento. É principalmente nas últimas séries do ensino fundamental e no ensino médio que os jovens devem compreender as inter-relações entre o entendimento científico e as mudanças tecnológicas e devem considerar o impacto que as tecnologias podem produzir sobre a qualidade de vida.

    Entre os maiores desafios para a atualização pretendida no aprendizado de ciência e tecnologia, nos ensinos fundamental e médio, está a formação adequada de professores e a elaboração de materiais instrucionais apropriados (3). A falta de recursos nas escolas, inexistência de laboratórios e/ou equipamentos nas escolas e ainda a falta de tempo têm sido algumas das dificuldades alegadas pelos professores para a utilização de materiais didáticos, quando disponíveis.

    Dentro desse contexto, a Coordenadoria de Difusão Científica do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural (CBME/Cepid/Fapesp), em colaboração com os pesquisadores desse Centro, elaborou um conjunto de estratégias para promover a educação e a disseminação de conceitos da biologia molecular estrutural e da biotecnologia. Entre as quais podemos citar uma série de recursos educacionais, como "baralhos", CD-rom, conjuntos de peças plásticas para montar estruturas moleculares, jogos e outros, desenvolvidos para serem usados em salas de aula (veja em http://cbme.if.sc.usp.br). De maneira lúdica, esses podem ser utilizados isoladamente ou em seqüência – partindo dos conceitos básicos para alcançar os mais complexos – auxiliando no entendimento e na construção do conhecimento relacionado às biomoléculas e ao papel que estas desempenham nos seres vivos.

    Esses recursos educacionais têm alcançado escolas, centros de ciências e universidades do estado de São Paulo e de outras regiões do país, através de cursos e oficinas destinados a professores e alunos de todos os níveis de ensino. Como parte das atividades propostas, está incluída a avaliação desses recursos como ferramentas de ensino-aprendizagem.

    Dentre as atividades desenvolvidas durante os últimos anos, destacamos um estudo com estudantes do ensino médio da Escola Estadual Sebastião de Oliveira Rocha (Eesor), em São Carlos, SP, realizado em parceria com o projeto "Desenvolvimento e avaliação de uma pedagogia universitária participativa no ensino médio: atividades com ênfase em matemática, ciências e comunicação" (Programa de Melhoria do Ensino Público no Estado de São Paulo), financiado pela Fapesp e coordenado pela pesquisadora Yvonne Primerano Mascarenhas, do Instituto de Estudos Avançados da USP, campus São Carlos (mais informações- http://educar.sc.usp.br/esor/).

    Para este projeto, um módulo de atividades práticas relacionadas à biologia molecular e suas tecnologias, empregando alguns dos recursos educacionais desenvolvidos pelo CBME, foi elaborado e avaliado.

    A escolha de atividades práticas baseou-se no fato das mesmas terem, em relação à aula expositiva, a vantagem de poder promover entre os alunos uma interação social mais rica, motivadora e, conseqüentemente, mais eficaz (4). A introdução de um problema, como iniciador da atividade, teve o objetivo de funcionar como uma mola propulsora, uma vez que motiva, desafia, desperta o interesse e gera discussões entre os alunos (5).

    Os temas das atividades foram escolhidos considerando-se o contexto curricular e tendo como pré-requisitos os conteúdos referentes à biologia celular. As atividades tiveram duração de duas horas e foram realizadas quinzenalmente, durante um semestre, no Laboratório de Ensino de Biologia do Instituto de Física de São Carlos e no Laboratório de Ciências da Eesor. Foram aplicadas a 70 alunos da 2ª e 3ª- séries do ensino médio, alternados semanalmente em grupos de 35 alunos. O módulo consistiu de 6 atividades práticas cujos temas eram complementares e diretamente conectados. Apesar de terem sido planejadas como um módulo, as mesmas podem ser aplicadas isoladamente, em momentos diferentes, de acordo com a conveniência do professor e do seu planejamento curricular; podem ainda ser adaptadas ao tempo de uma aula regular e considerando-se o número de aulas disponíveis para determinado tema.

    O módulo compreendeu as seguintes atividades: 1. um experimento simples para a extração de DNA de cebola; 2. uma atividade lúdica utilizando modelos plásticos de ácidos nucléicos (6) para a abordagem da estrutura da molécula, precedida do estudo do contexto histórico envolvido na determinação desta estrutura; 3. abordagem dos fenômenos de duplicação do DNA e transcrição utilizando os mesmos modelos; 4. estudo do processo da síntese protéica, através de um jogo de tabuleiro que simula uma célula em atividade (7); 5. uma simulação de técnicas de manipulação de DNA, como o uso de enzimas de restrição ("tesouras de DNA") e da eletroforese em gel, através de recortes de papel (2); e 6. uma simulação dos métodos de investigação de paternidade e criminalística e uma demonstração da técnica de eletroforese em gel, utilizando-se DNA bacteriano plasmidial e duas enzimas de restrição (Eco RI e Dra I) (2).

    O método utilizado na abordagem dos temas foi o de trabalho em grupo, sob a orientação de um monitor, que teve a função de introduzir a atividade através de questionamentos sobre o assunto e da complementação com informações científicas, auxiliares no alcance dos objetivos da mesma.

    Uma das ferramentas empregadas para a avaliação da eficiência dessas atividades práticas com relação à aprendizagem dos conceitos envolvidos e à resolução de situações-problema foi a utilização de pré e pós-testes (8). O pré-teste consistiu de questões dissertativas referentes a conceitos básicos que seriam trabalhados durante as atividades 1, 2 e 3 do módulo de atividades, tendo sido aplicado uma semana antes do início do módulo. As mesmas questões foram aplicadas uma semana após o término da atividade 3 e foram denominadas de pós-teste. Além disso, os alunos, ao final de cada uma das atividades, foram convidados a responder algumas questões referentes ao assunto abordado no dia. Registros sobre as dúvidas e o comportamento dos alunos foram feitos em um "diário de bordo".

    O desempenho dos alunos com relação ao aprendizado dos conceitos relacionados a gene e DNA foi satisfatório, o que pôde ser observado no aumento de respostas corretas e parcialmente corretas no pós-teste, quando comparado ao pré-teste. Em questões como "O que são genes?" esses valores foram de 3,7% no pré-teste e 78,2% no pós-teste; na questão "O que é DNA?" os índices observados foram de 44,4% e 79,7% respectivamente. O uso contextualizado dos modelos plásticos de ácidos nucléicos bem como da atividade de extração de DNA da cebola contribuíram para a compreensão dos conceitos trabalhados visto que o tema já havia sido abordado anteriormente nas aulas regulares na escola, o que não foi suficiente para um bom desempenho dos alunos no pré-teste.

    Essas atividades promoveram, ainda, a mudança em algumas concepções dos alunos com relação, por exemplo, à localização do DNA no organismo. Aproximadamente 30% dos alunos citaram o sangue como local "onde o DNA está presente em maior quantidade", sem, no entanto especificar em qual tipo celular, ou então os descrevendo "soltos" na circulação sanguínea. O cabelo também foi citado como sendo o local preponderante do DNA. Tais concepções muito provavelmente derivam de informações veiculadas pela mídia, como a televisão, que relacionam a coleta de sangue de uma pessoa para a realização do exame de DNA; ou que, a partir de um fio de cabelo, pode-se chegar a um criminoso. A falta de relação entre os conceitos e fatos do cotidiano também pôde ser verificada pelo perfil de respostas dos alunos diante do questionamento da ingestão de DNA: 42% dos alunos responderam que nunca haviam ingerido ou que então poderiam ingerir se "engolissem o próprio sangue ou se comessem carne mal passada". A prática da extração do DNA de cebola contribuiu para uma mudança nessas concepções.

    De modo geral, pôde-se concluir que houve assimilação dos conceitos trabalhados e que as relações entre os conceitos estudados e as situações do cotidiano devem ser incrementadas através da proposição de situações-problema. As atividades, ainda, promoveram a vivência no ambiente de pesquisa (laboratório) e uma maior interação entre os alunos, com conseqüências claras para o processo de aprendizagem. Observou-se também que houve uma incorporação dos termos científicos na escrita dos alunos e uma melhora no desempenho escolar na disciplina, segundo a professora de biologia da Eesor.

    Considerando que a metodologia e a avaliação utilizadas nesse trabalho mostraram resultados positivos e com o intuito de amplificar o seu raio de ação, os professores de ciências e biologia da Eesor que não participaram do projeto serão convidados, numa próxima etapa, a conhecer e desenvolver as atividades junto aos outros alunos da escola, sob a supervisão do grupo de trabalho envolvido no projeto. Com isso pretende-se dar continuidade ao mesmo, bem como sensibilizar os professores à incorporação de metodologias alternativas na sua prática diária. A reforma realizada no Laboratório de Ciências da escola com recursos do projeto, incluindo a compra de equipamentos, deverá contribuir, igualmente, para o alcance deste objetivo.

     

    Nelma Regina Segnini Bossolan é doutora em ciências (UFSCar) e professora de prática de ensino de ciências do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – USP.
    Neusa Fernandes dos Santos é doutora em educação, gestão e difusão em biociências (UFRJ) e pós-doutoranda junto ao CBME.
    Ronaldo de Rosa Moreno é licenciado em ciências exatas pelo IFSC/USP.
    Leila Maria Beltramini é professora associada do IFSC/USP, atua na área de biofísica molecular e espectroscopia e é coordenadora do setor de difusão científica do CBME.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Lorenzetti, L.; Delizoicov, D. Ensaio – Pesquisa em educação em ciências, v.3, n.1, 17p. 2001. Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/ensaio/v3_n1/leonir.PDF

    2. Kreuzer, H.; Massey, A. Engenharia genética e biotecnologia. 2ª edição. Porto Alegre, Artmed, 434p. 2002.

    3. Brasil. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino médio: Parte 3 – Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 58p. 1999.

    4. Gaspar, A. Experiências de ciências para o ensino fundamental. São Paulo: Ática, 328 p. 2003.

    5. Carvalho, A.M.P., Vannucchi, A.I., Barros, M.A., Gonçalves, M.E.R. e De Rey, R.C. Ciências no ensino fundamental: o conhecimento físico. São Paulo, Scipione, 199 p. 1998.

    6. Modelo plástico tridimensional "Construindo as moléculas da vida: DNA e RNA". Desenvolvido pelo CBME (CEPID/FAPESP) em parceria com o Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da Universidade de São Paulo.

    7. Jogo de tabuleiro "O jogo síntese protéica". Desenvolvido pelo CBME (Cepid/Fapesp).

    8. Haydt, R.C. Avaliação do processo ensino-aprendizagem. 4ª ed. São Paulo, Ed. Ática, 159 p. 1994.