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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.4 São Paulo oct./dic. 2005

     

     

    MUDANÇAS CONCEITUAIS OU COMPORTAMENTAIS?

    Patrícia Santos de Oliveira, Marta Cristina Nascimento e M. Lucia Bianconi

     

    É difícil pensar um ensino de ciências sem experimentação. Porém, o ensino atual tem mostrado ser essencialmente livresco, o que pode ser percebido tanto na prática em sala de aula como na formação do professor durante o ensino universitário e mesmo nos cursos de especialização e/ou formação continuada (1). A experimentação no ensino de ciências teve sua importância relatada inúmeras vezes durante a segunda metade do século XX. Segundo Krasilchik (2), no período 1950-70, prevaleceu o modelo de ensino-aprendizagem conhecido como o "método da redescoberta", baseado nas idéias construtivistas de que o aluno constrói seus conceitos a partir de observações e principalmente de concepções prévias (2, 3). Pode ser que o construtivismo radical não leve a um fim satisfatório, mas o construtivismo moderado pode ser um método incentivador no ensino de ciências (3).

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) surgiram como uma resposta à nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB/96) a fim de orientar o professor de ensino básico. Porém, as várias características citadas nos PCN são, muitas vezes, conflitantes para o professor que não teve sua formação baseada na prática experimental – levando às sérias distorções observadas em sala de aula. Essa constatação, apesar de ter sido baseada em conversas e discussões com professores do ensino fundamental e médio, foi também comentada por vários autores na literatura, extensivamente revisados por Pérez e colaboradores (1). Em nossa opinião, a aula experimental não deveria ser vista apenas como uma demonstração da teoria previamente exposta em sala de aula. Ao contrário, é essencial que o professor de ciências entenda que a aula experimental pode e deve ser usada como uma ferramenta importante, para estimular não só o aprendizado, como também o raciocínio e a convivência em grupo, desenvolvendo habilidades que normalmente numa aula teórica expositiva não é possível fazer. Porém, mais prejudicial que a ausência dessas aulas talvez seja a prática desorganizada das mesmas, não permitindo ao aluno a compreensão dos fatos ou o desenvolvimento de raciocínio lógico.

    A experimentação permite que os alunos manipulem objetos e idéias e negociem significados entre si e com o professor durante a aula. É importante que as aulas práticas sejam conduzidas de forma agradável para que não se tornem uma competição entre os grupos e, sim, uma troca de idéias e conceitos ao serem discutidos os resultados.

    Muitas vezes, os professores comentam a falta de aulas experimentais como conseqüência das dificuldades cotidianas, como ausência de local apropriado (o laboratório!), de material e equipamento. Como nossa preocupação tem sido a de oferecer alternativas no ensino de ciências, testamos alguns experimentos de baixo custo com alunos de ensino fundamental e médio. Os resultados mostraram que a aplicação dos módulos experimentais estimulou os alunos que criaram uma nova postura no curso de ciências (ensino fundamental) ou biologia (ensino médio). Nossa experiência estimulou, ainda, a montagem de uma página de internet com idéias simples, de baixo custo e que possam até ser realizadas por crianças.

    MUDANÇAS CONCEITUAIS Montamos um módulo de digestão que foi aplicado a alunos da 3ª série do ensino médio, os quais realizavam experimentos antes de discutirem a teoria. Todo o módulo foi realizado dentro da sala de aula e usando material de baixo custo, já que esses alunos eram de uma escola pública carioca com dificuldades bastante evidentes. Não se pretendia seguir o método da redescoberta, pois tratamos de um tema já conhecido desses alunos, mas os experimentos serviam de introdução ao tema, incentivando uma discussão entre os alunos, e entre eles e a professora.

    As aulas experimentais eram intercaladas com discussão de resultados, quando a professora organizava as conclusões dos alunos para que pudessem chegar às definições corretas. Antes de dar início aos experimentos, era aberta uma pequena discussão, para encaminhar os tópicos do dia. Em seguida, cada grupo recebia seu material, com o roteiro para ser lido em conjunto. Ao final, era aberta uma nova discussão, com resultados e conclusões, que eram posteriormente finalizados e entregues na forma de um relatório simplificado.

    A análise das mudanças conceituais foi realizada através de um questionário. Dessa forma, pudemos avaliar seus conhecimentos sobre a diferença entre fenômenos físicos e químicos, da importância da mastigação e do efeito de agentes externos em enzimas digestivas (amilase salivar e oxidase da maçã), entre outros. A mudança conceitual foi, então, avaliada comparado-se as respostas dos alunos ao questionário, antes do início do bloco experimental e um mês depois de terminado o mesmo. Os resultados foram surpreendentes. Apesar de ser um tema conhecido, as respostas iniciais tiveram entre 10 e 25% de acertos, sendo que em uma das questões, não houve um acerto sequer. O questionário aplicado após a finalização do módulo mostrava que os conceitos foram adquiridos pela maioria dos alunos, que agora apresentavam de 60 a 90% de respostas corretas. A questão em que não observamos respostas corretas no início, foi a de menor índice, com cerca de 40% de acertos ao final.

    Não há dúvidas de que houve uma mudança conceitual significativa. Porém, o que ficou claro durante a aplicação do módulo é que o aprendizado dos conceitos foi estimulado pelos experimentos. Isto porque os experimentos permitiram a discussão de dados e a troca de idéias e de conceitos entre os grupos e a professora, que conduzia as classes para que as discussões mantivessem um objetivo determinado. Nessas discussões, sempre calorosas e envolvendo a maioria dos alunos, era possível introduzir os conceitos de forma estimulante.

    Ao final, a maioria (87,3%) dos 71 alunos que participaram do módulo opinou de forma positiva sobre o método de aula, intercalando experimentos, discussões e aulas teóricas. As respostas foram categorizadas de acordo com palavras-chave, ou seja, pelo fato de "ter gostado das aulas" (n = 26), porque "permitiu um melhor aprendizado" (n = 16), porque foi "um método interessante" (n = 11) ou por "permitir a descoberta" (n = 9). Das respostas positivas, uma descreve muito bem a aceitação do módulo: "No princípio não gostei, mas ao longo das atividades fui aprovando a idéia e me interessando pelos debates e descobertas". As respostas negativas (12%) foram agrupadas em uma única categoria já que eram, em geral, curtas ("não gostei"), sem uma justificativa para o fato.

    É válido ressaltar que uma abordagem experimental é fundamental no ensino de ciências, mas não é o único recurso para a melhoria do ensino em ciências. O ideal é que se faça uso de um conjunto diversificado de recursos que permitam ao aluno o desenvolvimento de todas as suas competências para que ele aprenda e utilize esse aprendizado em outros os momentos de sua vida, escolar ou não.

    MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS O outro módulo experimental foi aplicado com alunos de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental, tendo sido relativo a problemas do meio ambiente, como a relação entre a impermeabilização do solo ou quanto ao lixo nas ruas e enchentes, degradação do lixo e efeito de poluentes/chuva ácida no crescimento de plantas e sementes.

    Neste caso, não observamos qualquer mudança conceitual já que os conceitos abordados eram conhecidos da maioria dos alunos. No questionário inicial, houve um grande percentual de respostas corretas (até 90%) mas decidimos aplicar os experimentos e avaliar a aceitação pelos alunos.

    O mais interessante é que, apesar de conhecerem os temas, os alunos participaram ativamente das aulas experimentais. Com isso, notamos mudanças comportamentais significativas, tanto na relação do aluno com o meio-ambiente como na sua participação nas aulas de ciências no decorrer do período letivo. No primeiro caso, os alunos se tornaram mais preocupados com os ataques constantes ao meio-ambiente. Antes dos experimentos, os alunos não se consideravam responsáveis pelo lixo espalhado pela escola mas, depois, adotaram uma postura de cuidado com o lixo, próprio e dos colegas. A preocupação com o destino do lixo em geral e com programas de reciclagem também foi evidente nesses alunos.

    A outra mudança comportamental foi em relação à postura do aluno nas aulas de ciências. O interesse aumentou à medida que as aulas ocorriam. Cerca de 90% gostaram de fazer esses experimentos e até pediram para repeti-los em outras ocasiões, mesmo já tendo compreendido os objetivos. Pediam para repetir porque gostaram de fazer experimentos que envolviam parceria, medidas e discussão.

    No tratamento dos dados, apesar de não ter sido observado qualquer problema no preenchimento de tabelas, notamos uma grande dificuldade na construção de gráficos. Dos 150 alunos que apresentaram os resultados do experimento de impermeabilização do solo, por exemplo, apenas dois fizeram uma representação correta em forma de gráfico. Todos os outros apresentaram erros, sendo os mais comuns a escolha correta de abscissa e ordenada ou o uso correto de escala.

    O fato de os alunos demonstrarem dificuldades em apresentar dados na forma de gráficos é preocupante. O uso de diferentes linguagens parece ser negligenciado no ensino de ciências. Esse ponto nos levou a refletir sobre os resultados da avaliação nacional do ensino básico, SAEB, que em 1997 avaliou disciplinas de ciências (4). De uma forma geral, os resultados do SAEB sugerem que há uma grande defasagem entre o que se espera em termos de desempenho do aluno (ditado pelo que é proposto nos currículos) e o que estão sendo capazes de aprender.

    O uso de diferentes linguagens (gráficos, tabelas, fórmulas, textos) é fundamental no ensino de ciências.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS Esses dois exemplos de aulas contendo prática experimental que induzem o raciocínio mostraram que, mais que o aprendizado, o interesse dos alunos pelas aulas aumentou consideravelmente. Os blocos experimentais ocorreram no início de um ano letivo e, após essas aulas, as autoras deste artigo perceberam que os alunos questionavam mais, buscavam explicações na literatura (fato quase inédito nas turmas de ensino médio) e participavam das aulas com grande interesse. Dessa forma, nosso grupo confirmou que o interesse e a motivação dos alunos aumentaram significativamente, através da experimentação e do estímulo ao raciocínio. E, quando há um aumento de interesse, a aprendizagem torna-se mais prazerosa e, provavelmente, mais eficiente.

    Segundo Mortimer (5), "aprender ciências envolve a iniciação dos estudantes em uma nova maneira de pensar e explicar o mundo natural, que é fundamentalmente diferente daquelas disponíveis no senso-comum." A prática experimental deve ser bem conduzida. As dificuldades na aplicação de um método experimental em sala de aula podem estar relacionadas à formação precária do professor. Bizzo (6), por exemplo, não considera a licenciatura curta um curso e, sim, "um mero treinamento". De acordo com esse autor, se o professor não aprende os métodos utilizados na ciência, dificilmente conseguirá entender os rápidos avanços da pesquisa científica.

    Nosso trabalho mostra que nem sempre ocorre uma mudança conceitual quando um método alternativo de ensino é aplicado. Porém, houve uma mudança positiva refletida pelo interesse e aproveitamento dos alunos nas aulas, nos ensinos fundamental e médio.

    De uma forma geral, a aplicação de um experimento que estimule o raciocínio, de um jogo, a apresentação de teatro ou mesmo o uso de quadrinhos em sala de aula, ou seja, métodos que fogem do ensino tradicional, formal, trazem um grande incentivo ao ensino de ciências. O ensino não-formal deve ser estimulado na atividade acadêmica do professor. O que se deve, porém, é estimular uma revisão de como tem sido a formação de professores, já que os problemas relacionados ao ensino de ciências têm sido apontados como uma conseqüência da má formação do professor (6, 7).

     

    Patrícia Santos de Oliveira e Marta Cristina Nascimento são biólogas com especialização (lato sensu) no ensino de biologia e ciências pelo Departamento de Bioquímica Médica do ICB/UFRJ e lecionam em escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio.
    M. Lucia Bianconi é professora adjunta do Departamento de Bioquímica Médica do ICB/UFRJ.

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Pérez, D.G.; Montoro, I.F.; Alís, J.C.; Cachapuz, A.; Praia, J. Ciência & Educação 7: 125-153. 2001.

    2. Krasilchik, M. São Paulo em Perspectiva 14:85-93. 2000.

    3. Duit, R. Investigações em ensino de ciências 1. 1996. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/N1/3artigo.htm

    4. Pestana, M.I.G.S. et al, Saeb 97: Primeiros resultados, Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 140 p. 1999.

    5. Mortimer, E. Investigações em ensino de ciências 1. 1996. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/N1/2artigo.htm

    6. Bizzo, N. Ciências: fácil ou difícil?, Editora Ática, São Paulo. 2000.

    7. Krasilchik, M. O professor e o currículo das ciências. EPU, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo. 1987.