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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.57 n.4 São Paulo oct./dic. 2005

     

    LITERATURA

    TRINTA ANOS SEM A PROSA DE VERISSIMO

     

    Os 30 anos da morte de Erico Verissimo em 28 de novembro, e o centenário de seu nascimento, em 17 de dezembro, começaram a ser lembrados, na verdade, desde 2003, em sua cidade natal: a Universidade de Cruz Alta (Unicruz) lançou um projeto para resgatar a trajetória de seu filho mais ilustre, que pode ser conhecido no site http://www.unicruz.edu.br/verissimo/. Contém breve biografia do autor, galeria de fotos, a síntese de 20 dos seus principais livros, relaciona trabalhos acadêmicos e publicações sobre Verissimo e apresenta informações do museu que leva o nome do escritor e foi criado na casa onde ele nasceu. Mostra fotográfica, palestras e espetáculos teatrais baseados na obra do escritor também foram programados para este ano.

    VIDA E OBRA Parte de sua extensa obra foi adaptada para o cinema – O sobrado (1956), Um certo capitão Rodrigo (1971), Ana Terra (1972) – e para a televisão – Clarissa, novela da TV Cultura (1961) e na Rede Globo a novela Olhai os lírios do campo, (1980) O tempo e o vento, (1985) e Incidente em Antares.

    Filho do farmacêutico Sebastião Verissimo e de Abegahi Lopes Verissimo, Erico teve uma infância opulenta: seu avô materno, Aníbal Lopes, era um rico fazendeiro, e seu avô paterno, Franklin Verissimo, um importante médico de Cruz Alta. Antes mesmo de partir para estudar em Porto Alegre, Erico já começara sua formação literária com as aventuras de Júlio Verne e com romancistas brasileiros para, em seguida, sob influência dos tios Catarino Azambuja e João Raimundo, mergulhar na obra dos clássicos. Sua biografia conta que, aos 20 anos sentiu um estranho prazer ao descobrir a filosofia amarga de Machado de Assis. Em seguida, sua trilha literária passou pelo olhar irônico de Bernard Shaw e pelo sorriso malicioso de Anatole France. Mas "a mais perigosa e inelutável" de suas influências literárias foi Oscar Wilde.

     

     

    Mudanças familiares a partir de 1922, com a separação dos pais, morte de um dos avós na pobreza e o outro arruinado, obrigam-no a retornar à terra natal, para trabalhar em um armazém para ajudar a mãe, Abegahi, a sustentar a família.

    Em suas memórias, o escritor relata o sentimento que o tomou na época: "Julguei que todos os meus sonhos de arte e beleza estavam para sempre destruídos, ignorando que para um romancista mais vale tomar lições particulares com a grande mestra vida do que fazer um curso completo em qualquer universidade do mundo. O balcão me punha em contato com gente de toda espécie: operários, soldados, empregados do comércio, funcionários públicos, caixeiros-viajantes, pequenos burgueses, estancieiros, trabalhadores do campo, caudilhos e vagabundos ... Era uma parada singular".

    Naquele armazém, ele produz o que chama de sua "primeira literatura em pedaços de papel de embrulho". Decidido, no entanto, a se tornar um escritor, Erico Verissimo volta para Porto Alegre em 1930, e é convidado para trabalhar na Revista do Globo, que havia publicado um ano antes o seu primeiro conto, "Ladrão de gado". Junto à atividade jornalística, começa seu caminho literário: seu primeiro livro é de 1932 – Fantoches – uma antologia de contos; no ano seguinte, publica seu primeiro romance urbano – Clarisse. Ao final da década, o escritor já somava 16 livros publicados, entre contos, romances e literatura infanto-juvenil, todos pela Editora Globo, onde veio a trabalhar. O constante trabalho como escritor e editor o levaram, anos mais tarde, a esboçar uma "teoria do ato da criação literária na ficção".

    "A criação literária parece ter sido um dos assuntos que mais preocuparam Verissimo ao longo de sua vida. Ele não só costumava avaliar suas obras ao acabá-las e entregá-las ao público, como freqüentemente refletia sobre o modo como eram gestadas e vinham à luz", diz Maria da Glória Bordini, diretora do Acervo Literário Erico Verissimo, ligado ao Centro de Memória Literária da PUC-RS. "Em anotações particulares, em entrevistas, em seus livros autobiográficos, e mesmo nas narrativas de viagens, volta e meia efetua depoimentos sobre o que se passa com ele ao escrever. Registra consultas a fontes bibliográficas ou a pessoas e cogita sobre o significado do ato de escrever tanto em termos de seus fins, quanto de seu processo", acrescenta.

    DOS FUNDOS DO CÉREBRO Segundo a pesquisadora, o processo de criação literária para Verissimo ocorre no plano do inconsciente, que seria um "repositório insondável de vivências, intuições, experiências". Para o escritor, o ato criativo nada mais é do que um trabalho quase psicanalítico de trazer à tona o que está naquilo que ele chama de "depósito dos fundos" do cérebro. "O consciente (que os psicólogos e os analistas me perdoem estas heresias) é apenas a frente da loja, em cujas prateleiras se expõem algumas ‘mercadorias’ e em cujo balcão monta guarda um sujeito meio atarantado, que olha para a rua e espera a ‘freguesia’ com a qual terá de se comunicar e transacionar. A parte mais importante da casa é o ‘depósito dos fundos’, cujo inventário é impossível fazer e cujas riquezas ninguém consegue sondar", disse Verissimo, em entrevista ao jornal carioca Correio da Manhã, em 1971.

    PROCESSO CRIATIVO Em suas incursões ao "depósito dos fundos", o escritor procurava não pensar em palavras, para não "subordinar a história e as personagens à sintaxe ou ao estilo". Ele dizia que primeiro buscava conviver mentalmente com as criaturas de sua imaginação, como se fossem pessoas vivas. "Só depois de imaginar as figuras é que ele as articula através de relações espaciais", explica Bordini. "Desenhava suas personagens a lápis de cor e listava suas características físicas e psicológicas, antes de escrever o roteiro do enredo", acrescenta. O processo de imaginar primeiro para depois trabalhar com as palavras o levava, certas vezes, a cortar relações com a língua portuguesa e enveredar pelo inglês em seus manuscritos. "Com isso, posso esquecer a forma e me concentrar na essência: os personagens e a história. Há trechos inteiros de meus pré-originais escritos em inglês", contou o escritor em outra entrevista publicada no mesmo ano de 1971, dessa vez à revista Manchete.

     

     

    A familiaridade de Verissimo com a língua inglesa aumentou ainda mais com suas viagens ao exterior e sua atuação como diplomata. Em 1941, ele visita os Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado, e lança em seguida a narrativa de viagem Gato preto em campo de neve (1941). Retorna àquele país em 1943, com a esposa Mafalda e os filhos Luis Fernando e Clarissa, para dar aulas de literatura brasileira em universidades. Publica, em seguida, o ensaio Brazilian literature: an outline (1945) e A volta do gato preto (1947). Em 1953, assume a direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, na Organização dos Estados Americanos (OEA), no lugar de Alceu Amoroso Lima. Após essa missão diplomática, em 1956, resolve se dedicar exclusivamente à literatura, sempre cheio de planos. "Cada novo projeto era sempre um recomeço", conclui Bordini.

     

    Rodrigo Cunha