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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.1 São Paulo jan./mar. 2006

     

     

     

    CRONOBIOLOGIA

    Efeito-estufa adianta a primavera

     

    A "sublime estação das flores" parece estar se adiantando. Ao menos nos países temperados, onde dados coletados ao longo de muitos anos confirmam essa impressão. E mais: indicam que o fenômeno está ligado ao aquecimento global. A advertência parte do biólogo Alastair Fitter, da Universidade de York, no Reino Unido, que analisou os registros da primeira data de floração de um conjunto de 385 espécies, entre 1991 e 2000, a década mais quente já registrada. Esses registros haviam sido feitos por seu pai, o naturalista amador e autor de guias para outros amadores Richard Sidney Richmond Fitter (morto em 3 de setembro de 2005), nas cercanias de sua residência em Chinnor (Oxfordshire).

    Os dados mostram que as plantas floresceram, em média, 4,5 dias antes do dia em que as flores surgiam no período de 1954 e 1990, analisados em um estudo anterior. Nos extremos da distribuição, duas espécies. Uma é Lamium album, erva da família da hortelã, que floresceu 55 dias antes – a data da primeira floração, que era 18 de março entre 1954-1990, passou a ser 23 de janeiro de 1991 a 2000. A outra é o arbusto Buddleja davidii, originário da China e do Japão, que, na década de 1990, floresceu 36 dias mais tarde. Ao todo, 60 espécies (16% da amostra) se adiantaram em 15 dias e 94 se atrasaram em relação ao período anterior. Mas o atraso só foi significativo para 10 delas (3%).

     

     

    DESENCONTROS DA NATUREZA O fato observado constitui-se num grande problema, a princípio, porque a floração é um evento de suma importância para as plantas, que dela dependem para se reproduzir, gerando frutos. Quando são polinizadas por animais como borboletas, alterações no período de floração podem reduzir as chances de encontro entre os polinizadores e as flores. Além disso, tende a haver uma dessincronização entre os ciclos das plantas e os dos animais que delas extraem recursos como pólen, néctar e sementes. Assim, os efeitos sobre os ecossistemas como um todo podem ser desastrosos.

    Fitter especula que as plantas que têm florescido mais tarde sejam sensíveis a verões e outonos quentes, que atrasam a floração em algumas espécies. "Possivelmente essas espécies têm alguma forma de relógio que requer que um certo tempo passe entre uma floração e a seguinte", diz.

    A associação com o efeito-estufa decorre do fato de que a mais forte relação causal observada se deu com a temperatura, que vem aumentando, à qual as espécies que costumam florescer mais cedo, na primavera, se mostraram mais sensíveis. Para piorar a situação, segundo Fitter, a elevação da temperatura ainda pode, indiretamente ao menos, afetar o número de horas de insolação, conhecido como fotoperíodo, porque a evaporação e a formação de nuvens vão aumentar com o calor.

    INCERTEZA TROPICAL A medida como essas observações podem ser estendidas aos trópicos permanece em aberto. Antes de tudo, faltam dados. "O problema maior é que não temos dados fenológicos de longa duração que permitam esse tipo de abordagem, como a apresentada pelos pesquisadores de área temperada", explica Patrícia Morelatto, do Grupo de Fenologia e Dispersão de Sementes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. A fenologia se dedica à compreensão dos ciclos de vida (nascimento, crescimento/ desenvolvimento, reprodução) dos seres vivos. "Na Europa, assim como na China e no Japão, há dados históricos, séries de 100 ou mais anos da fenologia de plantas e animais que podem ser comparados a dados atuais e, assim, evidenciar mudanças como essa, de antecipação da primavera", afirma.

    De acordo com Patrícia, a fenologia é considerada uma das ferramentas mais importantes no monitoramento de mudanças climáticas globais na Europa. Redes de monitoramento para plantas e animais têm sido estabelecidas pelo mundo. "Estamos longe disso, embora eu tenha procurado estabelecer alguns monitoramentos de longa duração", lamenta. Para a pesquisadora, somente agora o país está "entrando na onda" das mudanças climáticas, mas se vê "duas fases atrás" de outros países, onde já houve fusão de departamentos e/ou criação de centros interdisciplinares para o estudo de mudanças climáticas globais que, entre outras matérias, inclui a fenologia.

    Além da escassez de dados, outro "problema" dos trópicos é que as estações não são definidas como ocorre na região temperada. "Então, visualizar essas variações e alterações e separá-las das variações naturais é uma tarefa muito difícil", explica. Patrícia faz parte do grupo que analisa a mais longa série de dados tropicais, relativos à floresta amazônica ao longo de 30 anos, e diz que eles ainda estão procurando formas de distinguir entre os dois tipos de variação. "Acredito que exista um efeito dessas mudanças, menos evidente, mas talvez não menos importante. O grande desafio é poder detectá-lo de forma clara". Para tanto, os pesquisadores têm se beneficiado da interação com os grupos europeus que trabalham com as séries temporais longas, o que tem ajudado na busca de ferramentas de análise e interpretação dos padrões observados.

     

    Flávia Natércia