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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.1 São Paulo ene./mar. 2006

     

     

     

     

    ECOLOGIA

    Abelhas entre os Girassóis de van Gogh

     

    Expostas a reproduções de pinturas "amplamente apreciadas na sociedade ocidental", abelhas mamangavas (Bombus terrestris) perscrutaram e pousaram com maior freqüência nos Girassóis do impressionista holandês Vincent van Gogh. Especial atenção foi dada à assinatura do artista, em azul sobre fundo amarelo, no canto inferior direito. Um fenômeno curioso. O experimento foi realizado por Lars Chittka, biólogo especializado em ecologia comportamental da Faculdade Queen Mary da Universidade de Londres (Reino Unido) e o artista de instalação Julian Walker, cada um atraído pelo trabalho do outro devido ao fato de que tanto abelhas quanto seres humanos são atraídos por flores. Seus resultados foram publicados na revista Optics & Laser Technology.

    As "cobaias" foram três colônias de mamangavas que nunca haviam visto flores. As caixas onde compõem seus ninhos em laboratório foram conectadas a uma "arena de vôo". No chão dessa arena, foram colocadas quatro reproduções de pinturas – duas com flores e duas sem flores. Além dos girassóis de van Gogh, em ordem decrescente de preferência pelas abelhas, os autores expuseram Pottery, de Patrick Caulfield, Still life with beer mug, de Fernand Léger, e Um vaso de flores, de Paul Gauguin. Cada colônia foi exposta às quatro pinturas, mas somente uma vez a cada uma, por quatro minutos, e suas reações foram filmadas com câmeras digitais de vídeo, permitindo distinguir entre vôos de averiguação e aterrissagens sobre as reproduções. As abelhas sobrevoaram tanto as flores quanto os objetos não-florais das pinturas, mas a proporção de vôos que terminaram com pousos foi significativamente maior nas pinturas com flores. De acordo com Chittka, isso indica que as flores pintadas "capturaram a essência das características florais, do ponto de vista de uma abelha".

    Não se trata de um experimento científico no sentido mais restrito do termo, ainda que os autores tenham seguido um protocolo convencional para mensurar respostas inatas de abelhas a estímulos visuais. Elementos como o cheiro das reproduções das pinturas não foi isolado como variável. "Nesse estudo de ciência e arte (SciArt, em inglês), a intenção foi estimular a reflexão sobre as origens evolutivas da percepção e das preferências estéticas numa audiência que não está acostumada a pensar nesses termos", conta Chittka. A idéia dos autores era intrigar, levantar questões. Em que medida a percepção reflete a realidade? Qual a natureza da imagem como objeto? Haveria um sentido evolutivo na estética ou na apreciação humana das flores?

    "Flores são uma componente conspícua e bem estabelecida das culturas humanas, e se espera que flores nos façam sentir felizes e positivos. Por quê?". Embora o pesquisador admita ser difícil testar essa idéia, acha que vale a pena refletir sobre ela, sobretudo sobre a preferência européia por flores alaranjadas ou vermelhas (cores dos frutos que atraem primatas), em detrimento de azuis, por exemplo, as preferidas das abelhas por estarem associadas a um alto conteúdo de néctar. "Talvez esse gosto seja conseqüência da evolução de outro caráter ou característica, como a frugivoria (hábito de alimentar-se de frutos)", pondera Chittka. Ele admite que a percepção de cores pelos seres humanos, certamente, não foi diretamente influenciada pelas flores num sentido evolutivo. "Mas, prestar atenção nas flores pode ter trazido benefícios na história evolutiva humana, porque flores são indicativas de outros recursos que são mais úteis do que as próprias flores", especula Chittka, que pretende continuar investigando as origens evolutivas da percepção e da "preferência estética" em abelhas e peixes.

     

     

    Mas dizer que animais têm senso estético é uma questão controversa. Para Darwin, diversos animais – especialmente as aves, como o pavão – apresentam um senso estético genuíno, ainda que não tão sofisticado quanto o humano, que evolui num contexto de seleção intersexual, no qual, em geral, cabe às fêmeas escolher entre diferentes machos. Se, na competição entre os machos pelas fêmeas, o que vale mais são armas, vigor, força, para atrair as fêmeas é preciso algo mais: ornamentos, cores contrastantes, belos presentes ou incrementadas danças nupciais. A seleção sexual constitui um mecanismo evolutivo à parte da seleção natural, levando às vezes ao desenvolvimento de características que, embora aumentem suas chances de encontrar um parceiro, diminuem as possibilidades de sobrevivência dos animais. Assim, esse mecanismo poderia ser responsável pelo desacoplamento entre o senso estético e a utilidade dos objetos de apreciação. Para alguns, a inteligência humana, a um só tempo criativa e destrutiva, pode ter evoluído em contexto semelhante.

    Embora diferentes aspectos do mundo em cores sejam relevantes biologicamente para cada espécie, existe alguma sobreposição entre o que humanos e abelhas são capazes de perceber. Como explicam os autores, abelhas têm três tipos de receptores para cores assim como os primatas do Velho Mundo, inclusive os humanos. Esses fotorreceptores são ligeiramente sensíveis para a luz ultravioleta que, entretanto, é absorvida pelo cristalino e, normalmente, jamais atinge a retina. Assim, parte das diferenças de percepção entre abelhas e humanos pode ser reduzida quando o cristalino é removido cirurgicamente para combater a catarata, como aconteceu com o pintor francês Claude Monet (ver box) .

     

    Flávia Natércia