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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.1 São Paulo jan./mar. 2006

     

     

     

     

    RESENHA

    Filósofo italiano trata da exceção como regra

     

    "Terra de ninguém", "zona incerta", "zona de indeterminação", "conceito-limite da ordem jurídica", o estado de exceção tende, cada vez mais, a constituir o paradigma dominante de governo na política contemporânea. É o que defende o filósofo italiano Giorgio Agamben em seu último livro, Estado de exceção, publicado recentemente no Brasil. Este seria o "Homo sacer II", volume que dá seqüência às reflexões feitas em Homo Sacer — O poder soberano e a vida nua I (Editora da UFMG, 2002), sobre o campo de concentração como paradigma biopolítico moderno. O ponto de partida para a retomada da discussão são as leis promulgadas nos Estados Unidos em 2001 para combater o terrorismo, por meio das quais a política revela o que seria sua estrutura originária: o banimento — que reduz o homem à sua condição animal, desprovida de direitos — e as medidas excepcionais e provisórias, tomadas em situações de "necessidade" ou de "emergência". A partir de então, Agamben adverte, a exceção pode estar se tornando regra.

    Ele descreve a base norte-americana da baía de Guantánamo, em Cuba, como "vida nua em sua máxima indeterminação": mais de 500 "detentos" (detainees), em sua maioria talibãs — muçulmanos de posições extremadas —, sofrem abusos, inclusive sexuais. Ficam sujeitos à vigilância militar permanente, passam grande parte do tempo encapuzados, de mãos atadas, aguardando o chamado para depor diante das comissões (e não tribunais) militares. É-lhes vedada qualquer defesa legal. Sem direito ao estatuto de "acusado", segundo as leis norte-americanas, sem direito a tratamento como "prisioneiros de guerra", segundo a Convenção de Genebra, seus destinos cabem às mais altas instâncias do governo dos EUA.

    A detenção de que são objeto é indeterminada quanto ao tempo e também quanto à própria natureza — "totalmente fora da lei e do controle judiciário". Só haveria uma comparação possível: a situação dos judeus nos campos de concentração nazistas.

    Afinal, o Terceiro Reich pode ser considerado, juridicamente, um estado de exceção que durou 12 anos.

    Mas o estado de exceção não é uma invenção moderna. Agamben busca no iustitium do direito romano a referência originária para essa inclusão de algo que, de certa forma, lhe escapa e não pode ter forma jurídica. E contrapõe as idéias de Carl Schmitt, um dos juristas do Terceiro Reich, às de Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, sobre o estado de exceção, para o qual o italiano reclama a necessidade de uma teoria. A epígrafe do livro provoca os juristas, perguntando: "Por que silenciais diante de uma questão que lhes diz respeito?".

    Para o pensador italiano, o novo paradigma sob a ordem militar instaurada pela guerra ao terrorismo tem um claro significado biopolítico: revela o dispositivo original graças ao qual o direito se refere à vida e a inclui, por meio de sua suspensão. Agamben não é um autor facilmente digerível, tampouco o é o tema que ele se propõe a analisar, mas o livro é de grande interesse para diversas discussões atuais. Foi publicado na Itália em 2003, pela Editora Bollati Boringhieri, e faz parte da coleção Estado de Sítio da Boitempo Editorial.