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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2006

     

     

    MERCOSUL: UM TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO?

    Claudio A. G. Egler

     

    O Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, foi instituído por meio do Tratado de Assunção em 1991. Desde então, pouco se avançou quanto à profundidade do efetivo processo de integração regional, que ainda está muito longe da União Aduaneira prevista para 1994, porém ampliou-se bastante a sua área de abrangência, com a entrada de vários membros-associados, como o Chile (1996), Bolívia (1997), Perú (2003) e Venezuela (2004), culminando em 2005 com o acordo entre Mercosul e o Pacto Andino que deflagra a proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações.

    Há uma concepção bastante difundida de que o Mercosul acompanharia a trajetória histórica de integração da América Latina, originada no imediato pós-guerra com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), aprofundada na Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) do início dos anos 1960 e consolidada com a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), criada pelo Tratado de Montevidéu em 1980 e que se encontra em vigor até os dias atuais. No entanto, essa visão de cima para baixo e generalizante e incorre em um problema elementar: perde o locus geográfico da origem histórica do processo regional de formação do Mercosul: a Bacia do Rio da Prata.

    A Bacia do Prata, território nativo dos índios guaranis, foi palco de disputas entre portugueses e espanhóis desde os primórdios da colonização (1). Ocupada originalmente pelos jesuítas, através de suas reduções indígenas, onde os nativos foram aglomerados e aculturados, foi varrida pelos ataques periódicos dos bandeirantes em busca do trabalho escravo acumulado e, no ocaso da colonização, partilhada pelos tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), que traçaram os contornos básicos dos seus limites internacionais (2). Nesse contexto, a Bacia do Prata foi o teatro de guerra, seguindo o caminho traçado por Tilly (3), onde se fizeram, e desfizeram, os estados nacionais que posteriormente vão integrar o Mercosul.

    Mais do que espaço onde se desenvolveram as concepções geopolíticas dos militares brasileiros e argentinos, o Rio da Prata e seus principais formadores: o Paraguai, Paraná e o Uruguai desempenharam decisivo papel geoeconômico, pois além de cederem sua toponímia para países, estados e províncias, a vasta rede fluvial abriu vias para a circulação mercantil no interior do Cone Sul da América e garantiu a oferta de energia necessária para a industrialização de suas principais economias: o Brasil e a Argentina. É nesse contexto, que os rascunhos do Mercosul podem ser buscados no Tratado da Bacia do Prata, assinado no Rio de Janeiro em 1969, onde além da gestão da bacia propriamente dita, foi previsto o aperfeiçoamento das interconexões rodoviárias, ferroviárias, fluviais, aéreas, elétricas e de telecomunicações. Moniz Bandeira (4) descreve o Tratado de Assunção como um "esforço de construção do espaço econômico comum da Bacia do Prata".

    O PAPEL ATUAL DOS TERRITÓRIOS NACIONAIS O ingresso no século XXI é um marco crucial na redefinição do papel dos territórios nacionais no contexto global. Até então, o primado da geopolítica ressaltava aspectos como extensão, contigüidade e posição, como elementos potenciais para construção e afirmação do Estado-nação. Hoje, contudo, nos fluxos de mercadorias, pessoas e informações não se respeitam fronteiras e apenas a posse sobre terras e águas, definidas por limites políticos internacionais, não garante o efetivo domínio sobre o território.

    A expansão das redes globais e a aceleração da velocidade em seus diversos circuitos alteram constantemente as dimensões relativas dos territórios nacionais. É a dimensão geoeconômica que assume importância crescente no modo como os diversos espaços se inserem na economia mundial, em permanente mutação. Para a geoeconomia, o território nacional não é um ente estático, mas dinâmico, em sua forma, estrutura e organização.

    Geopolítica e geoeconomia não são campos excludentes. Se de um lado, a geopolítica se fundamenta no controle estratégico dos lugares, a geoeconomia atua preferencialmente sobre a logística das redes. É essa articulação que define as relações espaciais de poder entre domínios e fronteiras, que redesenham constantemente os contornos do mapa do mundo atual. A formação dos blocos supranacionais, tais como a União Européia, o Mercosul e o Nafta e as propostas atuais de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), unindo em um mesmo sistema de tarifas o território que se estende desde a Terra do Fogo até o Alasca, define novos espaços econômicos, através de instrumentos que vão desde a simples liberalização das trocas comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do Nafta, a imposição de Tarifas Externas Comuns (TEC), a regulação dos mercados de trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como o euro, que circula em boa parte do continente europeu.

    Nesse cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica, isto é, o mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento dinâmico da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de integração multilocacional das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites, como uma linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, devido à fluidez dos circuitos internacionais de bens e capitais, perdeu boa parte de seu poder explicativo, na medida em que os instrumentos clássicos de atuação do Estado-nação perdem seu poder de estabelecer fronteiras, em função do poder que dispõem as firmas transnacionais para delimitar, através de mecanismos econômicos, suas respectivas áreas de influência.

    A nova configuração das estruturas produtivas ampliou o papel da logística como instrumento de manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de novas fronteiras através da extensão de novas redes. As novas estruturas espaciais que estão se conformando nesse contexto caracterizam-se por alterações significativas na divisão territorial do trabalho entre as cidades que formam os sistemas urbanos nacionais. As indústrias que foram os motores do padrão "fordista" foram obrigadas a uma radical reestruturação de seu padrão, que passa a ser caracterizado pela procura de formas de produção mais flexíveis e interconectadas, o que valoriza as redes de circulação de mercadorias e informações.

    Todas essas mudanças econômicas influenciaram a organização da hierarquia urbana. Os grandes pólos industriais tradicionais geralmente entraram em declínio, arrastando a região vizinha, apesar de algumas reconversões bem sucedidas. Paralelamente, as novas formas de produção encontraram menos restrições na localização de suas atividades. Apesar disso, assistimos a uma reconcentração espacial ligada aos imperativos da organização industrial e a qualidade dos mercados do trabalho. A aglomeração espacial permite reduzir os custos da troca, além de aumentar as externalidades positivas. Podem-se também observar o desenvolvimento rápido de centros urbanos intermediários, cujo crescimento está relacionado aos circuitos do capitalismo mundial. Muitas vezes, o responsável pela difusão do crescimento não é mais a firma, mais sim o tecido produtivo e gerencial, conformando o que se passou a denominar de "cidade-região" ou "território produtivo" (5).

    Nesse ponto, assume especial importância a dimensão da conectividade entre as cidades, que não depende mais da distância física entre elas, mas sim de uma estrutura de fluxos mais ou menos estáveis, mantidos por agentes públicos e privados, que refletem não apenas as características do passado, mas também as novas formas de inserção no mercado mundial. Esses fluxos são proporcionais à rede de influência que as cidades exercem sobre o seu espaço imediato e pelo que deles recebem, que passa a ser um elemento de posicionamento da cidade na estrutura urbana.

    A operação multilocacional das firmas transnacionais é um dos fatores que explicam a perda de capacidade fiscal e financeira dos Estados nacionais, que vêm reduzindo seu poder regulatório sobre os mercados domésticos, com especial ênfase no esvaziamento do papel da moeda, enquanto meio de definir o espaço das relações salariais.

    Quando isso ocorre, novos instrumentos geoeconômicos são postos em prática para tentar delimitar o território sob domínio. Dentre esses instrumentos, assume especial importância a capacidade, tanto do setor privado, como público, de atrair e fixar fundos financeiros globais. Essa capacidade, que assume sua expressão mais nítida nos diferenciais de risco atribuídos pelas agências de classificação, é referenciado a partir da taxa de juros praticada pelas autoridades monetárias norte-americanas (6).

    A institucionalização da Organização Mundial do Comércio (OMC), em substituição às periódicas rodadas do GATT, deu foro global a uma série de medidas regulatórias das trocas internacionais, na sua grande maioria assimétricas em relação aos países emergentes (7), que são obrigados a renunciar aos mecanismos de proteção de sua matriz industrial, orientando-se para nichos onde podem contar com algumas "vantagens competitivas", que muitas vezes provêm apenas de sua dotação de recursos naturais.

    Nesse aspecto, a capacidade de delimitar um campo econômico relativamente estável, capaz de atrair investimentos de capitais globais, passa a estar diretamente dependente da consolidação e operação das redes logísticas, que não podem estar mais vistas como um conjunto de redes separadas (energia, transportes, comunicações), mas sim uma estrutura integrada, multimodal e interdependente, que é fundamental para garantir o controle sobre porções selecionadas do território, que constituem os novos domínios, de onde se projetam ramos ou linhas de expansão que abrem fronteiras em novas zonas de influência no mercado mundial. Segundo uma concepção logística, competitividade está diretamente vinculada, não apenas à densidade ou à extensão das redes, mas também à sua confiabilidade, expressa no seu caráter permanente e pouco vulnerável a perdas ou a rupturas temporárias. Neste aspecto as redes técnicas mudam as distâncias relativas e as condições específicas dos lugares. Se o estoque de riqueza pode ser considerado como atributo do lugar, sua capacidade de gerar fluxos de renda está definida pelas condições que o ligam aos outros lugares, isto é sua conectividade às redes técnicas.

    AS REDES LOGÍSTICAS E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DO CONE SUL A despeito dos problemas que dificultam o processo de integração no nível macroeconômico, resultantes da disparidade de políticas monetárias e cambiais postas em prática pelos membros do grupo, a integração física das redes logísticas tende a avançar, em grande parte devido às próprias necessidades materiais das principais economias que conformam o Mercosul: Brasil e Argentina (8).

    A rede ferroviária traz a marca da orientação das economias agrário-exportadoras para os principais portos, formando verdadeiras bacias urbanas, com especial destaque para o papel de Buenos Aires, no Pampa Úmido, e de São Paulo-Santos, no Planalto Paulista. Destaca-se o papel da Bolívia, como zona de convergência interior dos sistemas ferroviários comandados por esses dois grandes complexos territoriais agrário-exportadores.

    A integração dos mercados nacionais nas duas grandes economias do Cone Sul foi feita através do padrão rodoviário, onde não apenas a indústria automobilística comanda o processo de industrialização, mas também se manifesta espacialmente na rápida expansão da malha rodoviária. Deve-se ressaltar a baixa densidade das redes nas regiões de fronteira dessas economias: a Amazônia e a Patagônia, onde fatores geográficos e históricos explicam a rarefação da população, que são, evidentemente, muito mais flagrantes na Amazônia brasileira.

    A consolidação da indústria pesada é um fator crucial para a diferenciação das economias nacionais do Cone Sul, seja pelas dimensões que assume no Brasil, seja pelo caráter concentrado que apresenta na Argentina (9). A rede elétrica expressa na distribuição regional essas características, além de traços constitutivos da montagem do sistema, que no Brasil foi orientado preferencialmente para a hidroeletricidade, cujo apogeu se expressa na construção da central binacional de Itaipu, que transforma o Paraguai em exportador de energia, enquanto a Argentina, apesar da importância da termoeletricidade na conformação do sistema elétrico nacional, seguiu os passos do vizinho e construiu a usina de Yacyreta, também na fronteira com o Paraguai.

    O gás natural apresenta perspectivas de aumento acelerado de participação na matriz energética mundial e a Argentina é um dos países do mundo de maior participação desse combustível na oferta de energia primária, com cerca de 50 % do total, tendo iniciado a construção de seu primeiro gasoduto em 1947. A difusão do gás natural como combustível no Brasil acelera-se com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, que já nasce como uma rede transnacional no Cone Sul, onde a Bolívia reassume seu papel de interface na margem das redes brasileiras e argentinas.

    Em suma, as redes logísticas refletem em seu desenho, tanto aspectos históricos, como também novas formas de articulação entre as economias nacionais. A compreensão dessa dimensão espaço-temporal das redes é fundamental para o estabelecimento de políticas territoriais, na medida em que os eventuais gargalos que hoje apresente algum dos sistemas logísticos, pode ter sido uma vantagem estratégica no passado.

    Para compreender esse processo, foi feita uma análise das principais redes logísticas na escala regional e as conexões que se estabelecem entre as principais cidades do Cone Sul, selecionadas a partir dos seguintes critérios: 1. Possuir mais de 100 mil habitantes no aglomerado urbano; 2. Ser capital de estado (Brasil), província (Argentina) ou sede de região (Chile). A aplicação desses critérios resultou na seleção de 139 cidades, que formam o embrião do sistema urbano do Cone Sul.

    A análise da conectividade do sistema de cidades em formação no Cone Sul pode contribuir para a compreensão da estrutura espacial em formação na escala supranacional, apontando seus lineamentos principais e subsidiando políticas territoriais no sentido da consolidação de um espaço de fluxos capaz de ampliar as dimensões do mercado doméstico do bloco econômico, contribuindo para contornar possíveis gargalos que se formem no processo de integração regional.

    Em termos geoeconômicos, as conexões ferroviárias são aquelas que trazem a marca da hegemonia do capital mercantil. Apresentam baixa densidade no interior, são concentradas nas regiões produtoras de bens agropecuários e, geralmente, fortalecem as cidades portuárias. Mostram geoestratégias competitivas entre as duas potências regionais para a projeção de seus domínios sobre a Bacia do Prata. (Mapa 1)

     

     

    A geoeconomia da industrialização substitutiva de importações marca o padrão de conectividade rodoviário, com destaque para a emergência de nós logísticos de apoio à ocupação econômica das zonas de fronteira, como é o caso de Neuquén na borda da Patagônia argentina ou Goiânia-Brasília no suporte logístico à ocupação da Amazônia. Do ponto de vista logístico, o padrão de conectividade da rede rodoviária mostra a orientação preferencial da política territorial do Brasil e da Argentina para o processo de integração nacional, decisivo na formação dos respectivos mercados internos para a indústria. (Mapa 2)

     

     

    As ligações aeroviárias já mostram a inserção dos países do Cone Sul em uma economia globalizada, onde as conexões entre cidades já expressam fluxos financeiros e informacionais. As conexões das duas principais economias do Cone Sul mostram significativas diferenças, pois enquanto na Argentina é patente o papel dominante de Buenos Aires na conectividade por avião entre as cidades, no Brasil observa-se a emergência de Brasília como importante centro de conexão inter-regional. (Mapa 3)

     

     

    Devido às características do passado agro-exportador e a industrialização substitutiva de importações que marcam a inserção dessas duas economias no mercado mundial, o padrão de conectividade das cidades do Cone Sul ainda não apresenta uma estrutura orientada para a integração continental. A análise da estrutura espacial do Cone Sul, no que diz respeito às redes logísticas e às conexões entre as principais cidades, aponta para a permanência de uma relativa autonomia dos sistemas logísticos regionais, tanto no que diz respeito aos transportes, como energia e telecomunicações, mostrando que o processo de integração regional das redes físicas ainda encontra-se em sua fase inicial, embora apresente aspectos irreversíveis, principalmente quanto aos sistemas de transportes e energia, cuja expansão depende cada vez mais de recursos que estão além das fronteiras nacionais, como demonstraram as recentes crises energéticas no Brasil e na Argentina.

    NOVAS INSTITUCIONALIDADES NO MERCOSUL Diversos autores, dentre eles podem ser destacados Storper (10) e Amin (11), têm procurado chamar a atenção para o papel desempenhado pelas instituições e organizações na delimitação dos territórios no mundo contemporâneo. A dicotomia apresentada por Veltz (12) entre território-zona, fundado sobre o domínio dos lugares, e território-rede, apoiado sobre o controle do sistema logístico, parece caminhar nessa direção na medida em que aponta para uma dupla questão.

    Primeiro, o papel das relações entre estado e mercado na definição do marco institucional dentro do qual operam as organizações, depende não apenas de fatores econômicos, mas também, e principalmente, históricos e culturais (13). Segundo, que o papel de guardião dos lugares, atribuído institucionalmente ao Estado, não é suficiente para garantir o controle efetivo sobre o território, que é compartilhado com as empresas que operam as redes logísticas que o atravessam. Essas, por sua vez, embora desejassem a volatilização total das redes físicas, continuam prisioneiras do território, sujeitas à capacidade de mobilização social de seus habitantes.

    Um campo preferencial para observar essas questões é o setor de petróleo e gás natural no Cone Sul. A abertura do mercado de petróleo e gás natural às companhias privadas, intensificado durante os anos 1990, tanto na Argentina, como no Brasil, foi um marco importante na definição de um novo ambiente institucional no Cone Sul. As diferenças no processo de desregulamentação foram marcantes nos dois países, pois enquanto a YPF argentina foi integralmente privatizada e internacionalizada, com sua venda para a espanhola Repsol no período menemista, no Brasil a Petrobras, que perdeu o monopólio sobre o setor em 1997, procurou estabelecer estratégias diversificadas para manter sua posição diante do novo marco regulatório, isto inclui o estabelecimento desde a acirrada concorrência até parcerias para exploração e produção em alguns blocos, em praticamente todas as grandes empresas internacionais que operam no setor de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior.

    Apesar da crescente presença das empresas transnacionais no setor de petróleo e gás natural no Brasil, a Petrobras continua líder absoluto no mercado brasileiro, sua estratégia é concentrar em novas áreas de produção offshore com a intenção de elevar suas reservas provadas para 11,7 bilhões de barris equivalentes até 2005. Desses, 7 bilhões seriam de águas profundas ou ultraprofundas, acima de 2 mil metros da lâmina de água, o que significa um importante esforço de P&D, somente possível em um cenário de elevados preços para o óleo cru, o que aparentemente está ocorrendo com as novas descobertas em águas ultraprofundas na Bacia de Santos.

    O esforço a que está submetida essa estrutura operacional exigiu novos conceitos de gestão, ainda mais pelo fato de que a empresa opera também em escala internacional em Angola, Argentina, Bolívia, Colômbia, Estados Unidos e Trinidad e Tobago. A empresa prevê investimentos da ordem de US$ 31,2 bilhões até 2006, sendo que a maior parte está destinada ao segmento de exploração (47%), o que mostra sua orientação de manter a liderança absoluta no mercado doméstico de petróleo e gás. Entretanto, o que é importante observar é que para consolidar essa posição, a Petrobras está sendo obrigada a aumentar sua participação relativa no mercado mundial, concorrendo com as demais empresas em diversos territórios produtivos, principalmente no Cone Sul, onde sua atuação é marcante, conforme a tabela 1.

     

     

    Os dados mostram o crescente controle da empresa sobre as redes logísticas do Cone Sul, que parecem tornarem-se autônomas dos lugares por onde atravessam. Entretanto, os recentes acontecimentos na Bolívia, onde índios e camponeses ocuparam posições-chaves na malha logística e conseguiram a promulgação de uma nova Lei de Hidrocarbonetos, alterando radicalmente a estrutura tributária do setor, mostram que apenas a expansão das redes logísticas comandadas pelas empresas não consolidará uma estrutura territorial no Mercosul, que ainda depende de uma efetiva intervenção dos Estados nacionais para a conquista da cidadania dos povos americanos ao sul do Equador.

     

    Claudio A. G. Egler é geógrafo, com mestrado em planejamento urbano e regional e doutorado em economia. É professor do Departamento de Geografia e pesquisador do CNPq no Laboratório de Gestão do Território (UFRJ).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Cervo, A.L. e Rapoport, M. (ed.) História do Cone Sul. Brasília: Revan/UnB, 334p. 1998.

    2. Becker, B. K. e Egler, C. A. G. Brazil: a new regional power in the world-economy. Cambridge: Cambridge University Press. 1992. (Trad. port. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993).

    3. Tilly, C. Coerção, capital e Estados europeus 1990-1992. São Paulo: EDUSP, 356p. 1996.

    4. Moniz Bandeira, L. A. Brasil, Argentina e Estados Unidos - Conflito e integração na América do Sul (Da tríplice aliança ao Mercosul 1870-2003). Rio de Janeiro: Revan, 688p. 2003.

    5. Da Veiga, J. E. "A face territorial do desenvolvimento". Anais do 27º Encontro Nacional de Economia, Belém, PA 1301-1318. 1999.

    6. Fiori, J. L. e Medeiros, C. (ed.) Polarização mundial e crescimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 344p. 2001.

    7. Baptista Jr., P. N. O Brasil e a economia internacional. Recuperação e defesa da economia nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 154 p. 2005.

    8. Batista da Silva, E. Infra-estrutura para o desenvolvimento sustentado e integração da América do Sul. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 125 p.. 1997.

    9. Silveira, M. L. (ed.) Continente em chamas. Globalização e território na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 287p. 2005.

    10. Storper, M. The regional world. Territorial development in a global economy. New York: The Gilford Press, 338p. 1997.

    11. Amin, A. An institutionalist perspective on regional economic development. Economic Research Group Seminar "Institutions and Governance", London -22. 1998.

    12. Veltz, P. Mondialisation, villes et territoires. Paris: PUF, 262p. 1996.

    13. Bekerman, M. e Rofman, A. (ed.) Integración y sociedade en el Cono Sur. Buenos Aires: Espacio Editorial, 274 p. 1995.