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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2006

     

     

    ECONOMIA ESPACIAL DO DESENVOLVIMENTO E DA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL: UMA ANÁLISE SOBRE O USO DA TERRA NA AMAZÔNIA*

    Danilo Camargo Igliori

     

    A Amazônia brasileira contém alguns dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade no mundo. Esses ecossistemas geram significativos benefícios globalmente em termos de preservação de espécies, amenidades ambientais ou preservação de solos e do clima. No entanto, as áreas requeridas para preservar tais ecossistemas intactos e o valor dos recursos naturais que a Amazônia pode produzir sob usos alternativos da terra são substanciais. Isto significa que a decisão de não converter essas áreas impõem importantes custos de oportunidade para uma economia em desenvolvimento e, em particular, para populações locais com alto índice de pobreza.

    A importância de equilibrar o trade-off entre desenvolvimento e conservação ambiental tem sido reconhecida, de forma crescente, na formulação de políticas públicas. Enquanto as décadas de 1960 e 1970 foram caracterizadas por ambiciosos programas de desenvolvimento, as políticas públicas para a Amazônia passaram a considerar objetivos de preservação ambiental a partir de meados da década de 1980.

    Este artigo tem como objetivos discutir algumas questões microeconômicas relacionadas ao uso da terra na Amazônia, enfatizando suas conexões com processos espaciais de desmatamento e desenvolvimento regional. Para tanto, toma como base resultados de trabalhos previamente realizados pelo autor. Após breve descrição da região amazônica, o texto discute a relevância do trade-off desenvolvimento-conservação para abordar os problemas de uso da terra na região. A análise se divide então em duas partes. Primeiramente serão examinadas questões pertinentes a propriedades privadas utilizando um arcabouço da moderna economia espacial. Finalmente, discute-se o papel dos direitos de propriedade e, em particular, as perspectivas econômicas das reservas extrativistas.

    A REGIÃO AMAZÔNICA A bacia amazônica é a maior área contígua de floresta tropical do planeta. A Amazônia brasileira inclui 10 estados e 5 milhões de km2, sendo que grande parte é domínio florestal contínuo. A região amazônica é formada por uma combinação complexa de ecossistemas heterogêneos com áreas de terra firme e um grande número de rios e áreas alagadas. A totalidade das planícies em torno dos rios representa de 3 a 5% de toda a área da Amazônia brasileira. As florestas que permeiam essas planícies se estendem até zonas de transição onde as conexões com o Cerrado completam esse imenso bioma (1).

    No final dos anos 1960, o governo militar decidiu implementar um ambicioso programa de desenvolvimento. Com o objetivo de levar gente sem terra para terra sem gente foram construídas diversas obras de infra-estrutura de transporte além de incentivos para que pessoas passassem a residir na região. Cerca de 60 mil quilômetros de estradas foram construídos de 1970 a 1985, além de usinas hidroelétricas, portos e ferrovias, e também crédito subsidiado, incentivos fiscais e concessão de propriedade da terra.

    Essas iniciativas produziram enormes impactos econômicos, demográficos e ambientais na região: a população total cresceu de 7,3 milhões em 1970 para 13,2 milhões em 1985; o PIB real cresceu de US$ 2,2 bilhões para US$ 13,2 bilhões; 33 milhões de hectares de floresta foram convertidos em terra agrícola no mesmo período.

    Apesar do grande crescimento econômico vivido no período, a região amazônica continua apresentando altos índices de pobreza e baixa produtividade relativamente à média do país. A distribuição de renda e da terra é extremamente desigual sendo que 50% das terras privadas estão concentradas em 1% das propriedades (2, 3). Hoje em dia a região tem apenas 5% do produto nacional e 12% da população (4).

    As políticas de desenvolvimento no Brasil passaram a discutir questões de conservação ambiental no final dos 1980 e durante os 1990 (5). Durante esse período uma variedade de áreas de conservação foram propostas e implementadas, além da regulamentação de áreas indígenas. A situação legal e implementação efetiva dessas áreas e as restrições à atividade econômica variam significativamente caso a caso. No entanto, em geral o cumprimento da legislação tem sido problemático e as taxas de desmatamento não tem diminuído de forma consistente.

    O TRADE-OFF DESENVOLVIMENTO-CONSERVAÇÃO O trade-off desenvolvimento-conservação no contexto da região amazônica é essencialmente um problema de uso da terra. As dificuldades envolvidas em equilibrar as escolhas de desenvolvimento e conservação relativas às alternativas de uso da terra, estão associadas com questões amplas discutidas pela literatura de economia do meio ambiente.

    Sob a óptica da economia do meio ambiente pode-se dizer que os processos de desenvolvimento podem ser vistos como processos de rearranjar portfólios de ativos (humanos, físicos, naturais). Com o objetivo de gerar fluxos preferidos de bens e serviços, a conversão de ambientes naturais é parte integrante das escolhas referentes ao portfólio de ativos que a sociedade manterá. No entanto, é crucial a distinção entre degradação e conversão: degradação significa conversão indesejável (6). Distinguir conversão de degradação não é trivial. Primeiramente, o que é conversão de um ponto de vista local pode ser considerado como degradação de uma perspectiva mais ampla. Em segundo lugar, um uso particular de ativos ambientais pode ser desejável, dadas as restrições atuais mas indesejável em contextos mais favoráveis. Terceiro, dificuldades em avaliar corretamente os benefícios líquidos de diferentes alternativas podem gerar escolhas percebidas como indesejáveis a posteriori. Dificuldades em mapear os custos e benefícios de usos ambientais são freqüentemente associadas a externalidades em que os resultados privados e públicos de ações individuais diferem.

    No caso da região amazônica muito das preocupações ambientais com relação ao uso da terra está associado a ameaças de perda de biodiversidade. Questões associadas à conservação de biodiversidade são essencialmente conectadas a questões mais amplas do trade-off desenvolvimento-conservação uma vez que a preservação da biodiversidade é vista como uma forma de manter um portfólio de ativos com resultados incertos (7). No entanto, retornos econômicos de atividades de prospecção de biodiversidade não são consenso, com estimativas variando de negligenciáveis a bastante significativas (8, 9).

    Para muitos observadores a questão de perda de biodiversidade está diretamente ligada à expansão e desenvolvimento da sociedade (população e economia). Outros, entretanto, possuem uma perspectiva oposta e concluem que a degradação da biodiversidade é uma conseqüência da ausência ou insuficiência de desenvolvimento das sociedades. As soluções que são propostas por essas duas perspectivas são também distintas. Para os primeiros, as sociedades devem interromper o ritmo de expansão atual com o objetivo de reduzir a perda de biodiversidade. Os últimos predizem que apenas a promoção de um amplo processo de desenvolvimento pode ter sucesso em reduzir a pressão sobre a biodiversidade em escala global. Entre essas duas visões polares existe um número de possibilidades intermediárias. De uma forma geral, essas abordagens intermediárias entendem que escolhas específicas sobre as formas de desenvolvimento humano e não desenvolvimento humano, em geral, é que são responsáveis pelo declínio da biodiversidade.

    PROCESSOS ESPACIAIS DE CRESCIMENTO E DESMATAMENTO A distribuição espacial das populações e atividades econômicas é marcadamente desigual na Amazônia brasileira. Em uma análise macro fica evidente o processo espacial que tem resultado na formação do chamado arco do desmatamento. O arco não tem um contorno preciso mas, grosso modo, corresponde às fronteiras leste e sudeste da região amazônica. Em nível local, não existe um padrão claramente definido mas, em geral, é possível observar processos espaciais de aglomeração (de população e atividade econômica) e desmatamento ocorrendo em torno das capitais estaduais e outros centros "urbanos".

    Os processos macro estão principalmente relacionados à geografia. O arco do desmatamento envolve áreas mais próximas a regiões que concentram a maior parte da população e atividade econômica do país. Dois aspectos são relevantes para entender o impacto da proximidade a centros nacionais para o desenvolvimento da Amazônia: imigração e exportações para mercados nacionais. De um lado, é conhecido que a região tem sido ocupada em sua maioria por migrantes nordestinos (historicamente) e do sul do país (a partir dos anos 1960) (10,11). De outro, proximidade a mercados nacionais é certamente uma vantagem para a exportação de produtos agrícolas florestais em função dos menores custos de transporte (12).

    Em nível local, a história também é importante. O processo de colonização dentro dos estados tem conexões com a ocupação "política" do Brasil nos últimos séculos, quando as capitais estaduais foram estabelecidas e os correspondentes bens públicos e burocracias locais foram construídos. Após o lançamento dos projetos de desenvolvimento nas décadas de 1960 e 1970, essas pré-estabelecidas estruturas de povoamento foram naturalmente utilizadas como centros locais para o recebimento de populações e investimentos crescentes.

    A literatura recente da economia espacial tem enfatizado o papel das aglomerações de atividades econômicas como causas fundamentais de uma maior performance econômica local, gerando externalidades que contribuem com a competitividade das empresas. Até o momento, as pesquisas teóricas e empíricas nessa área têm concentrado-se em contextos urbanos, ressaltando as relações existentes entre firmas e a correspondente capacidade de geração de externalidades positivas decorrente da proximidade entre elas (13,14,15). No entanto, pouco tem sido feito para examinar a presença de economias de aglomeração na performance de atividades agrícolas. Pode-se argumentar, entretanto, que não existem razões para excluir ambientes menos urbanizados da análise sugerida pela economia espacial moderna.

    Uma importante consideração em economia espacial refere-se ao fato de que as externalidades positivas geradas por aglomerações podem, em certo momento, serem compensadas por externalidades negativas, geradas por efeitos de congestionamento. Novamente, efeitos de congestionamento são tipicamente associados a ambientes urbanos mas, em princípio, quando definido de maneira ampla, pequenas cidades ou áreas rurais também podem enfrentar formas de congestionamento, impactando negativamente o crescimento e a performance econômica. Uma segunda idéia fundamental argumenta que os custos de transporte são relevantes para gerar padrões desiguais de distribuição da atividade econômica. Proximidade de mercados de insumos e produtos é central para explicar o desenvolvimento local.

    Como discutido acima, ao olharmos para áreas rurais em países menos desenvolvidos a contrapartida do crescimento é tipicamente mudanças no uso da terra e processos de desmatamento. Ausência de mercados para biodiversidade, estabilidade do clima e de ecossistemas, depósitos de carbono e amenidades ambientais têm sido listadas como as principais causas da existência de taxas de conversão mais altas do que o socialmente desejável. Adicionalmente, elementos responsáveis pelo aumento significativo da lucratividade agrícola são normalmente associados às causas de desmatamento. No entanto, algum desmatamento seria esperado de qualquer forma, uma vez que é decorrência inevitável das atividades agrícolas.

    Assim, atributos espacialmente específicos como acesso a mercados, condições climáticas e estrutura de direitos de propriedade representam candidatos usuais para explicar variações nas taxas de desmatamento ao longo das regiões (16). Desta forma, os efeitos econômicos positivos gerados por aglomerações também podem gerar resultados negativos em termos de degradação ambiental. Portanto, para entender se economias de aglomeração importam para áreas rurais é importante trazer para a análise o trade-off desenvolvimento-conservação.

    Utilizando a base de dados Desmat, construída e gerenciada por Eustáquio Reis no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), realizamos dois estudos empíricos cujos resultados nos permitem analisar os fatores que impactam eficiência, crescimento econômico e desmatamento na Amazônia. No primeiro artigo, utilizamos uma abordagem inspirada na literatura que combina geografia e crescimento e produzimos evidências a respeito da relevância dos argumentos da economia espacial para entender a realidade na Amazônia. Primeiramente, as estimativas econométricas mostram que a intensidade de aglomeração tem uma relação não-linear tanto com crescimento como com desmatamento, sugerindo que em estágios iniciais de aglomeração externalidades positivas predominam impactando o crescimento subseqüente. No entanto, externalidades negativas se avolumam em níveis maiores de aglomeração impondo restrições ao crescimento de produto e conversão de vegetação nativa. Além disso, a teoria espacial é apoiada em nossos resultados com relação a custos de transporte e proximidade a mercados. Finalmente ficou indicado que o impacto de características locais como condições ambientais, capital humano e a estrutura agrária são relevantes para a compreensão das dinâmicas de desenvolvimento na região.

    O segundo estudo estima uma fronteira estocástica para obter medidas de eficiência técnica na agricultura da Amazônia bem como identificar os fatores que impactam a eficiência das diversas localidades na região. Os resultados sugerem que a eficiência técnica da agricultura é influenciada por uma série de fatores que não estão relacionados com as escolhas tecnológicas feitas pelos produtores. Condições ambientais, localização, rede de transportes, distribuição dos tamanhos de propriedade, e o tamanho das economias locais são os principais elementos que explicam a variação da eficiência técnica. Novamente os resultados são consistentes com a literatura, em particular com os desenvolvimentos recentes da geografia econômica.

     

     

    Dado que, de uma forma geral, o nível de eficiência é bastante baixo, o mapeamento de localidades eficientes e a compreensão de seus respectivos determinantes são cruciais para informar formuladores de política com o objetivo de estabelecer mecanismos para a restrição nos usos da terra e promover a conservação do meio ambiente com o mínimo de impacto em termos de oportunidades econômicas perdidas.

    DIREITOS DE PROPRIEDADE E RESERVAS EXTRATIVISTAS O papel dos direitos de propriedade tem sido enfatizado na teoria econômica como sendo crucial para a criação de incentivos à conservação de recursos naturais. A chamada escola dos direitos de propriedade argumenta que o acesso livre a recursos naturais tende a gerar externalidades e produzir o gerenciamento ineficiente de recursos naturais com provável exaustão dos mesmos. O problema principal é que o livre acesso não produz uma estrutura de incentivos apropriada para que os indivíduos ajam de uma maneira socialmente eficiente (17,18). Na ausência de direitos de propriedade corretamente estabelecidos os incentivos financeiros favorecem a exploração de curto prazo uma vez que não existe certeza quanto à apropriação de retornos de longo prazo.

    A solução sugerida por essa escola envolve o estabelecimento de direitos de propriedade privados em que, sob certas circunstâncias, seriam suficientes para internalizar as externalidades e garantir o uso eficiente dos recursos. Tais circunstâncias incluem a ausência de custos na garantia dos contratos, os direitos de propriedade são bem definidos e os mercados são competitivos e completos. No entanto, quando algumas dessas condições não estão presentes, não é possível garantir que direitos privados sejam superiores a arranjos coletivos ou comunais.

    Áreas de fronteira econômica como a Amazônia têm, ao mesmo tempo, o potencial de promover o bem estar de suas populações como o de ser o palco de conflitos normalmente sobre direitos de propriedade. Áreas de fronteira normalmente sofrem a ausência de instituições governamentais e suporte legal, sendo que a provisão de títulos da terra e os mecanismos de garantia de contratos são socialmente custosos e politicamente problemáticos. As escolhas referentes à determinação de direitos de propriedade, em última instância, impactarão os processos de expansão da fronteira, dando forma às escolhas dos agentes com relação ao gerenciamento de recursos e à respectiva disposição de realizar investimentos de longo-prazo na região (19).

    Direitos de propriedade consistem de 3 elementos: o direito de usar um ativo, o direito de se apropriar dos retornos de um ativo e o direito de mudar sua forma. De acordo com Demsetz a excludabilidade associada com esses elementos geram forças que promovem a formação de mercados e provem incentivos apropriados para a consolidação da fronteira dentro de economias de mercado através de corretos sinais de preço com relação à terra.

    Apesar de algumas avaliações positivas (20), em geral a atuação do governo brasileiro na provisão de direitos de propriedade apropriados para o desenvolvimento da fronteira amazônica tem sido alvo de muitas críticas (21,22). De um lado tem-se argumentado que a região amazônica tem sofrido com a ausência de direitos de propriedade e meios de aplicação da lei. De outro é enfatizado que as regras para a concessão de títulos da terra, além dos subsídios, têm contribuído para taxas de conversão da floresta excessivas, consideradas socialmente ineficientes. Durante os anos 1970 e 1980, a ocupação de terras públicas na Amazônia era suficiente para requerer o título da terra. Para comprovar a ocupação permanente era suficiente mostrar que parte da área fora convertida em terra agrícola.

    A maioria desses programas terminou durante os anos 1980. No entanto, problemas com o cumprimento de contratos ainda são generalizados. No final da década de 1980, com o crescimento da agenda ambiental dentro do governo brasileiro, uma perspectiva diferente frente aos direitos de propriedade começou a ser formada através da criação e expansão de áreas de conservação. A idéia era interromper o crescimento do desmatamento através de áreas públicas sob restrições no uso da terra e não melhorando o sistema de direitos de propriedade voltados à propriedade privada.

    Uma iniciativa específica nesse contexto tem sido a criação de uma forma inovadora de direitos de propriedade sob o nome de reservas extrativistas. As reservas extrativistas foram concebidas inicialmente como uma proposta de reforma agrária adaptada às necessidades das populações vivendo da extração de produtos florestais não-madeireiros (PFNM) (23). No entanto, na prática, as reservas extrativistas foram incluídas como um elemento em um modelo de desenvolvimento para a Amazônia, baseado na extração de PFNM, através da combinação de competitividade econômica com conservação in situ de biodiversidade (24, 25, 26, 27).

    A literatura sobre reservas extrativistas e extrativismo tem sido ambígua na avaliação da contribuição dessa forma de direitos de propriedade para a conciliação do trade-off desenvolvimento-conservação. Alguns autores creditam considerável sucesso a esse modelo (28, 29, 30) enquanto outros têm questionado a sua capacidade de atingir seus objetivos de desenvolvimento (5, 25, 26, 30, 31, 32). Estes últimos autores baseiam suas conclusões negativas principalmente na suposição de que o objetivo de geração de renda é difícil de ser realizado na presença de concorrentes, particularmente plantações que, ao contrário das reservas, não possuem restrições nas suas escolhas produtivas. É argumentado que a ausência de restrições permite às plantações atingirem menores custos de produção e, como decorrência, pressionar as reservas extrativistas para fora de qualquer mercado que seja suficientemente lucrativo.

    Utilizando um modelo de competição espacial inspirado em Hotelling (33) mostramos que as reservas extrativistas são teoricamente viáveis, apenas se o diferencial entre progresso técnico de reservas e plantações não for muito grande ou então recursos biológicos disponíveis livremente nas reservas possam ser transacionados ou suficientemente custosos para as plantações. No entanto, a realidade não sugere que essas condições ocorram com freqüência nas reservas extrativistas. Ao mesmo tempo, o potencial para formuladores de política de estabelecimento de direitos de propriedade que melhorem a competitividade das reservas é bastante limitado.

    Neste artigo discutimos três caminhos de desenvolvimento para as reservas extrativistas: produzir PFNM existentes, descobrir continuamente novos produtos e se beneficiar de monopólios temporários e fornecer insumos biológicos para plantações.

    Dentro do âmbito estreito de extração de PFNM existentes, a estrutura de direitos de propriedade representa uma forma efetiva aos objetivos propostos. No entanto, considerando as possibilidades mais amplas de desenvolvimento, a estrutura atual de direitos de propriedade não parece tão adequada. Incentivos direcionados para ambos os caminhos de desenvolvimento são deficientes uma vez que não existem mecanismos de remuneração para esforços voltados à descoberta de novos produtos (ausência de pesquisas sistemáticas e impossibilidade de proteger eventuais descobertas) ou ao conhecimento de características biológicas de espécies (resistência a doenças e pragas por exemplo). Além disso não existem no momento condições objetivas para a criação de mercados de insumos biológicos tendo comunidades da floresta como fornecedores e produtores agrícolas como demandantes.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS Dada a imensa escala geográfica da região amazônica conjuntamente com sua heterogeneidade econômica, social e ambiental, a dimensão espacial torna-se crucial para o exame de alternativas para o uso da terra e suas conexões com padrões de desenvolvimento. Proximidade a mercados, infra-estrutura de transportes, produtividade, retornos de escala, distribuição da terra e características ecológicas são algumas das variáveis importantes que se apresentam com configurações espaciais específicas. Adicionalmente é preciso considerar efeitos de vizinhança e externalidades espaciais de diversas naturezas para aprofundar o entendimento das dinâmicas regionais na Amazônia.

    A literatura econômica e as políticas públicas preocupadas com essas questões têm enfatizado o papel dos direitos de propriedade e a importância de se selecionar áreas em que o uso da terra seria submetido a restrições. De um lado diferentes esquemas de zoneamento têm sido propostos para flexibilizar o atual Código Florestal, tornando-o mais eficiente. De outro, reservas, parques ou florestas nacionais têm sido criadas para garantir a preservação de áreas consideradas estratégicas. O caso das reservas extrativistas sugere que combinar simultaneamente conservação e desenvolvimento não é uma tarefa simples, e que a simples alteração da estrutura interna de direitos de propriedade não parece ser suficiente para resolver o trade-off desenvolvimento-conservação.

    Identificar e reconhecer os custos de oportunidades envolvidos nas escolhas que impactam a distribuição espacial e a evolução do desenvolvimento regional na Amazônia é um primeiro passo na geração de informações para a formulação de políticas públicas. Entender as estruturas de incentivos que motivariam os agentes envolvidos a pensarem em retornos de longo prazo ao tomar decisões relativas ao uso de recursos naturais é de fundamental importância na relação entre governos e indivíduos.

    De qualquer forma a complexidade das realidades amazônicas precisa ser enfatizada para que esforços continuem sendo feitos no sentido de aumentar o conhecimento e a compreensão dos processos de desmatamento e desenvolvimento da região.

     

    Danilo Camargo Igliori é economista, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e professor afiliado do Departamento de Land Economy da Universidade de Cambridge.

     

     

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    * Este artigo é baseado na pesquisa de doutorado do autor realizado na Universidade de Cambridge, Reino Unido, com o apoio da Capes. A tese tem como título Spatial economics of conservation and development: essays on land use in the brazilian amazon.