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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.1 São Paulo ene./mar. 2006

     

     

    TERRITÓRIO E INOVAÇÃO: O ARRANJO PRODUTIVO PINGO D’ÁGUA

    Jair do Amaral Filho

     

    O arranjo produtivo local (APL) Pingo D’água é um caso inovador no contexto da região semi-árida (sertão) do Ceará e do Nordeste (1). Com base em tecnologia apropriadamente desenvolvida para a perfuração de poços rasos, em áreas de aluvião, esse arranjo produtivo desenvolve atividades agrícolas irrigadas voltadas para o mercado local (Quixeramobim), regional (municípios vizinhos) e estadual (Ceasa de Fortaleza). A importância do estudo desse arranjo se justifica por quatro razões: 1. inovação tecnológica associada aos recursos hídricos, aos produtos e aos processos; 2. produção agrícola irrigada em pequena escala; 3. aumento da produção agrícola; 4. geração de ocupação e renda no semi-árido do Ceará.

    O trabalho procura apresentar alguns resultados de pesquisa, realizada no âmbito da Rede de Pesquisadores em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (Redesit), aplicada ao caso do APL Pingo D’água, distribuído em nove itens, além desta introdução, a saber: Identificação do arranjo; Território, localização e sua caracterização; Origem e história; Identificação do empreendimento; Barreiras e dificuldades enfrentadas pelos produtores; Produção e mercado; Inovações e seus impactos; Formas de cooperação; Conclusão.

    IDENTIFICAÇÃO DO ARRANJO O arranjo produtivo Pingo D’água é formado por cerca de 27 pequenos produtores agrícolas familiares que exploram a agricultura irrigada com base na fruticultura e hortaliça, além de atividades complementares associadas à agricultura de sequeiro, pecuárias bovina e ovinocaprino em pequena escala, pequenos criatórios e produção de doces de leite e mamão. Os produtos gerados pela agricultura irrigada são o mamão, a goiaba, o melão, o pimentão, o maracujá e o tomate, todos produzidos para o mercado. O nome Pingo D’água pode ser atribuído tanto a uma brincadeira formulada pelos incrédulos ao método de exploração de poços rasos, em áreas de aluvião, quanto ao método de irrigação realizado por meio do gotejamento de água conduzida por tubos de pvc que passam entre as plantas.

    TERRITÓRIO, LOCALIZAÇÃO E SUA CARACTERIZAÇÃO O arranjo analisado está localizado no Vale do Forquilha, de 30 quilômetros de extensão no distrito de Manituba, e é composto por produtores pertencentes a oito comunidades: Campina, Boa Vista, São Bento, Várzea do Meio, Forquilha, Trapiazeiro, Lagoa Cercada e Limeira. Fora do Vale, mas dentro do arranjo, está a comunidade de Encantado. Essa região encontra-se no município de Quixeramobim, sertão central do Ceará, distante 200 km da capital Fortaleza.

    Quixeramobim, criado em 1766, tem uma área total de 3.275,84 km2, encontra-se numa altitude de 191,7 metros e recebeu uma precipitação pluviométrica média de 707,7mm em 2004. Sua população total era de 59.235 habitantes em 2000, sendo 51,66% urbana e 48,34% rural, e nesse mesmo ano essa população era composta por 50,15% de homens e 49,85% de mulheres. Ainda no mesmo ano de 2000, o PIB total a preços de mercado desse município foi de (R$ mil) 112.338, indicando um PIB per capita de R$ 2.055,00. Do total do PIB municipal, 15,48% correspondia ao setor agrícola, 26,13% ao setor industrial e 58,39% ao setor serviços. No setor agropecuário destacam-se o algodão, a pecuária bovina e seus derivados, a ovinocaprinocultura, como produtos comerciais de grande importância (www.ipece.ce.gov.br)

    ORIGEM E HISTÓRIA A atividade produtiva que integra os produtores locais e motiva o arranjo em questão é a fruticultura irrigada, que tem uma história recente, em relação à história produtiva do município e da região, o Vale do Forquilha. Emergiu da combinação entre a vontade dos agentes locais, que sempre lutaram por água, energia elétrica e produção, o conhecimento tecnológico hídrico, trazido pelos pesquisadores acadêmicos, o apoio político e técnico da prefeitura municipal de Quixeramobim e o apoio técnico de instituições voltadas para o treinamento e a assistência técnica.

    As primeiras soluções produtivas, com base nos recursos hídricos, ocorreram por intermédio do governo do estado do Ceará, no período da seca em 1987, quando da perfuração de cacimbas e poços pequenos e a construção de cisternas (Programa Estadual de Combate às Secas). No ano de 1990, teve início a visita de pesquisadores franceses e cearenses no Vale que, atraídos pela organização dos agricultores, trouxeram idéias e soluções hídricas para serem discutidas e aplicadas na agricultura. Em 1992, por força das reivindicações em prol da construção de passagens molhadas (passarelas) sobre o Riacho do Forquilha, o governo do estado construiu a barragem Veneza, no coração do povoado de São Bento, a fim de estocar um pouco da água que corre em abundância nesse riacho no período das chuvas (janeiro e maio) e, ao mesmo tempo, permitir a passagem de pessoas, animais e mercadorias sobre ele durante esse período.

    Os referidos pesquisadores constataram condições propícias para a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos em áreas de aluvião, nas margens do Riacho do Forquilha. Apoiada por lideranças e políticos locais a idéia passou a ser discutida com a população e pequenos agricultores dos povoados do Vale do Forquilha, especialmente o de São Bento. Em 1997, a idéia sobreveio até o prefeito Cirilo Pimenta (PSDB) recém-empossado, que a apoiou, resultando num convênio de cooperação entre a prefeitura de Quixeramobim, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e a Université d’Angers-França. Em 2001, ingressa no convênio a Universidade Comunitária de Quixeramobim-Unicentro. Tal ação foi acompanhada de outras que ajudaram a viabilizar o arranjo produtivo, a exemplo da capacitação técnica dos produtores, da compra de equipamentos e da compra dos produtos agrícolas por meio do programa merenda escolar.

    IDENTIFICAÇÃO DO EMPREENDIMENTO Os produtores pesquisados são de tamanho micro. As propriedades, e dentro das quais as áreas utilizadas no cultivo da fruticultura irrigada, regra geral, variam de 1 ha a 3 ha. Ao longo do Vale do Forquilha há cerca de 500 famílias de pequenos produtores familiares explorando uma agricultura tradicional, de sequeiro, criando uma pecuária de pequena escala, além de pequenos animais. Atualmente, o número de produtores que se dedicam à fruticultura irrigada pode chegar a 27, número esse que vem aumentando muito lentamente em função das barreiras existentes para os candidatos a esse tipo de exploração. Esta pesquisa apresenta resultados extraídos de 23 produtores, visitados e entrevistados, ou seja, 85,18% do total do universo.

    Os empreendimentos aqui analisados não têm constituição jurídica em forma de empresa, não tendo, portanto pessoa jurídica constituída. São unidades produtivas familiares informais, cuja origem é local e própria, fruto de um processo de parcelamento da propriedade e das tradições produtivas da região. Os produtores são independentes e não sujeitos a controles ou contratos assumidos com grandes players do setor, a exemplo de casos de pequenos produtores familiares encontrados em várias cadeias produtivas do agronegócio, em outras regiões do Nordeste. Prevalecendo o tamanho micro e o controle totalmente familiar, não chamou a atenção o fato de ter sido constatado apenas dois casos, dentre os 23, nos quais o empreendimento é compartilhado por dois sócios, aliás, irmãos, que continuam a tocar as atividades que sua família, no passado, realizava, a agropecuária.

    Quanto ao perfil dos produtores, vários elementos chamaram a atenção na pesquisa. Com relação à idade, verificou-se que há uma concentração de nove produtores, ou 39,1%, na faixa etária que vai de 21 a 30 anos. Uma outra concentração, esta forte, foi encontrada nas duas faixas entre 41 e 50 anos e acima de 50 anos, sendo que na primeira foram encontrados seis produtores, ou 26,1%, e na segunda cinco, ou 21,7%. Esses elementos permitem fazer algumas observações, enriquecidas pelas entrevistas realizadas em campo. A primeira delas é que o número de produtores jovens é relativamente elevado, quando se trata de uma região de ocupação antiga e localizada no semi-árido. A segunda observação é que há, dentro do arranjo, uma mistura benigna entre produtores jovens e produtores velhos, o que permite uma boa combinação entre experiência e prudência.

    BARREIRAS E DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PRODUTORES Há um certo consenso na localidade de que uma das principais barreiras que dificultaram a passagem da agricultura tradicional, para a agricultura comercial, dita moderna, foi a mentalidade arraigada dos agricultores locais ou a falta de confiança dos agricultores em relação às atividades e métodos produtivos alternativos. Sem dúvida, essa foi uma barreira importante, mas ultrapassada pelos produtores hoje envolvidos no arranjo produtivo em construção, depois de um longo período de discussões no seio da Associação dos Moradores de São Bento.

    Uma barreira não menos importante à entrada dos produtores na agricultura irrigada foi, e ainda é, a situação de descapitalização, fato que os impede e/ou dificulta realizar os investimentos iniciais e custear as primeiras safras. Essas despesas são relativas à perfuração da terra, construção de poços, compra de equipamentos para bombear e distribuir a água dentro da propriedade, compra de insumos e pagamento pela energia elétrica. A descapitalização levou a maioria dos agricultores, que optaram pela agricultura irrigada, a recorrer aos empréstimos bancários na linha do Pronaf junto ao Banco do Nordeste do Brasil (2), e apoiados pelo Fundo de Aval oferecido pela prefeitura de Quixeramobim, garantindo até 50% do valor de cada projeto (3). A dependência em relação ao crédito é ilustrada com muita clareza pelos dados relativos à estrutura do capital dos empreendimentos.

    Para esse item, 98,2% dos agricultores entrevistados responderam que a estrutura do seu capital é formada por empréstimos de instituições financeiras. O mesmo item revelou também que, além de faltarem fontes alternativas institucionalizadas e menos onerosas de empréstimos, os produtores não recorrem a fontes informais de crédito, sejam elas proporcionadas por amigos e parentes, ou por fornecedores e clientes. Por fim, diante das questões relacionadas aos obstáculos que limitam o produtor às fontes externas de financiamento, foram apontados os entraves burocráticos e as exigências de aval/garantias como principais obstáculos.

    No primeiro ano de atividade (2001), as três principais dificuldades estiveram associadas à qualidade dos produtos, à venda da produção e ao custo ou falta de capital de giro, com índices de importância de 0,32, 0,37 e 0,35 respectivamente (4). Há que observar que, esses produtores eram ausentes do mercado de frutas, local ou regional, razão pela qual tiveram um custo inicial elevado para se inserir no mesmo. Já no ano de 2002, as três principais dificuldades se relacionaram ao custo ou falta de capital de giro (0,23), pagamento de juros (0,18) e à produção com qualidade (0,15).

    PRODUÇÃO E MERCADO A maior parte dos produtores entrevistados (34,78%) se concentra no povoado de São Bento, berço da organização e dos movimentos e lutas dos agricultores do Vale do Forquilha. Em seguida está Várzea do Meio, com 17,39%. Os povoados de Boa Vista, Forquilha, Trapiazeiro e Lagoa Cercada estão na faixa de 8%, e os de Campina, Limeira e Encantado se encontram na faixa de 4% de participação. Os produtos cultivados são: maracujá, tomate, pimentão, melão, mamão e goiaba. O tamanho médio das áreas utilizadas gira em torno de 1,8 ha por produtor, mas há casos nos quais as áreas são de 4 e até de 6 ha, mas são exceções.

    A área total plantada evoluiu de 2,5 ha em 2001 para 12,5 ha em 2002, e para 42,5 ha em 2003, chegando, neste último ano, a uma área média de 1,8 ha por agricultor. Muito claramente, o ano de 2003 se apresentou como o período de auge do processo de expansão da área plantada. Observa-se, em segundo lugar, que dos 23 produtores entrevistados naquele anos, apenas dois figuravam na lista de produtores em 2001 e, em 2002, sete.

    Quanto à produção, em 2001 três produtos eram cultivados – tomate, mamão e melão – apresentando um rendimento por ano de 602 caixas, 1.750 caixas e 500 caixas, respectivamente. Em 2002, cinco produtos já eram produzidos – além dos três, mais maracujá e pimentão – apresentando por sua vez, respectivamente, uma produção anual de 1.884 caixas, 8.338 caixas, 245 caixas, 650 caixas e 1.720 caixas. Em 2003, seis produtos eram cultivados dentro do arranjo, apresentando a seguinte produção: tomate, 3.940 caixas/ano; mamão, 18.374 caixas/ano; melão, 2.405 caixas/ano; maracujá, 3.170 caixas/ano; e pimentão, 1.195 caixas/ ano; e goiaba, 420 caixas/ano.

    Multiplicando as quantidades produzidas em 2003 pelos respectivos preços médios (5), do mesmo ano, chegam-se às seguintes receitas brutas: tomate (11,17) R$ 44.009,80; mamão (6,04) R$ 110.978,96; melão (6,40) R$ 15.392,00; maracujá (10,30) R$ 32.651,00; pimentão (5,30) R$ 6.333,50 (6). Somando-se todas as parcelas chega-se a uma renda bruta total de R$ 209.365,26 no ano de 2003, ou R$ 758,56 ao mês para cada produtor. Essa renda, deduzidas as obrigações com empréstimos bancários, é praticamente despendida no mercado local, na compra de insumos, componentes e peças, contratação de mão-de-obra, além de bens de consumo. Considerando que essa renda não existia cinco anos antes, pode supor-se que o seu impacto na economia local tenha sido considerável, em vista do baixíssimo grau de monetização que ainda predomina.

     

     

    Em relação ao destino dessa produção, ou parte dela, foram obtidas 22 respostas indicando o Ceasa de Fortaleza como destino principal; dez respostas indicaram o mercado local como destino e nove produtores disseram vender sua produção para o mercado regional. Entenda-se como mercado local, as fábricas de doce do Vale do Forquilha, o programa de merenda escolar da prefeitura de Quixeramobim e o mercado municipal de Quixeramobim, e, em âmbito regional, os mercados municipais vizinhos. A principal solução para a comercialização da produção nasceu entre os próprios agricultores, através do sistema de associação, seja para atingir o Ceasa seja para alcançar os mercados mais próximos, utilizando o caminhão de pequeno porte adquirido por dois agricultores, que agora são também transportadores. Os agricultores mais afastados usam como solução o atravessador ou outro transportador que não os dois pertencentes ao grupo do arranjo.

    INOVAÇÕES E SEUS IMPACTOS Em razão de ser um arranjo produtivo de natureza agrícola, localizado na região semi-árida do Nordeste, de base familiar, influenciado por homens com idade acima de quarenta anos, cuja cultura produtiva jamais havia experimentado qualquer tipo de influência inovativa, seria natural supor que o arranjo Pingo D’água tenha se comportado refratário às inovações. Ao contrário disso, os resultados da pesquisa revelaram um quadro de intensa inovação. Em primeiro lugar, o projeto de engenharia dos equipamentos de perfuração dos poços, trazido pelos pesquisadores, foi executado na própria cidade de Quixeramobim, por meio de uma pequena metalúrgica familiar que incorporou algumas adaptações (7). Depois vieram outras ondas de inovações, estas ocorridas em nível dos produtores rurais do arranjo, verificadas através da mudança radical do padrão do processo produtivo bem como da cesta de produtos. A totalidade dos produtores entrevistados respondeu ter introduzido inovações de produtos em suas propriedades, embora não se apresentassem como produtos novos para os mercados nacional e internacional. O mesmo ocorreu com as inovações de processo, para as quais a totalidade dos entrevistados respondeu positivamente, a despeito de não serem processos tecnológicos desconhecidos por produtores de outras regiões do estado e do país. Em relação às inovações introduzidas no modo de acondicionamento de produtos a resposta foi positiva, também, em 100% dos entrevistados, tendo em vista que passaram a atender o mercado, ao invés de produzir para subsistência, além de dirigirem-se para alguns clientes exigentes como é o caso do Ceasa.

    Se no campo da introdução de inovações o comportamento foi bastante homogêneo entre os produtores, no segmento dos impactos da inovação os resultados foram heterogêneos embora com um perfil positivo. Diferentemente da organização industrial, na qual os parâmetros são mais simétricos e as variáveis mais controláveis, na organização agrícola os parâmetros são assimétricos, entre os produtores, e as variáveis são menos controláveis. Na agricultura, a qualidade do solo pode variar dentro de uma mesma propriedade, o risco de perda da produção é constante e as variáveis de mercado estão fora do controle, principalmente para os pequenos produtores.

    Mesmo dentro desse quadro, de heterogeneidade, foi possível visualizar duas grandes convergências nas respostas: a primeira, na qual a totalidade dos entrevistados respondeu terem sido nulos os impactos das inovações, ocorreu sobre a participação no mercado externo, a redução de custos do trabalho, a redução de custos de insumos, a redução do consumo de energia elétrica e o enquadramento em regulações e normas padrão voltadas para o mercado externo. Muito claramente, as inovações introduzidas por esses agricultores aumentaram os custos dos empreendimentos, já que passaram a praticar uma agricultura moderna. A segunda convergência, embora sem unanimidade, aconteceu nos itens relativos ao aumento da produtividade, ampliação da gama de produtos, aumento da qualidade dos mesmos, manutenção e aumento nos mercados que atua. Para esses itens, a importância atribuída pelos produtores concentra-se entre média e alta.

    Os agricultores apresentaram um índice zero de relevância, no que se refere à pesquisa e desenvolvimento (P&D), bem como aquisição externa de P&D, até porque são microprodutores, descapitalizados e sem background para tal atividade. No entanto, os índices foram elevados, entre 0,76 e 0,89, para outros itens, especialmente para programas de treinamento (0,89), programas de gestão da qualidade (0,87) e aquisição de máquinas, equipamentos e projetos que procuram melhorar o perfil do produto (0,80). Para esses itens, o comportamento revelou uma certa rotina nas atividades inovativas. Essa constância deve ser atribuída, em grande parte, pelas respostas positivas oferecidas pelas instituições de apoio ao arranjo.

    Os produtores experimentaram uma mudança muito brusca em seu processo produtivo, sem que houvesse anteriormente um processo de aprendizagem capaz de capacitá-los para a exploração de novas culturas. A aprendizagem acumulada até então, embora útil, estava voltada para a agricultura de sequeiro. Em razão disso, o treinamento e a capacitação desses produtores tornaram-se vitais para o crescimento e a expansão da produção, assim como para a sustentabilidade do próprio arranjo produtivo. Não por acaso, todos os 23 agricultores entrevistados atribuíram uma relevância alta para o item treinamento, todavia apenas para aqueles tipos de treinamento realizados na própria empresa, ou na propriedade, e no próprio arranjo.

    Além de considerarem relevante o treinamento, os produtores têm consciência dos impactos e dos resultados provocados por esse tipo de atividade. Vinte e três entrevistados consideraram alto o impacto provocado pelo treinamento sobre a utilização de técnicas produtivas, equipamentos, insumos e componentes. Apenas três produtores consideraram de médio impacto. Um índice de relevância, portanto, de 0,95. No campo do conhecimento sobre características dos mercados de atuação da empresa, sobre o qual quase nada conheciam antes de começarem a produzir frutas, o índice também foi elevado, 0,83, no qual quatorze produtores consideraram alta relevância e oito indicaram média.

    Os produtores em análise necessitam de acesso a informações de várias naturezas. Contudo, enfrentam o problema do isolamento geográfico e de comunicação (telefone e internet), mas apesar disso, eles conseguem obter informações por fontes variadas, como a assistência técnica da prefeitura. No universo das fontes externas, dois itens receberam a atenção absoluta dos entrevistados: em primeiro lugar, com índice 0,95, outras empresas do setor e, em segundo lugar, os clientes, recebendo um índice de 0,71.

    No tocante a fontes ligadas às universidades, institutos de pesquisa e centros de capacitação profissional, de ciência, de formação técnica e de manutenção, chama a atenção a elevada importância dada pelos produtores a essas instituições. Já para as instituições voltadas para a realização de testes e atividades correlatas, a importância foi nula. A propósito dos três canais anteriores, eles obtiveram índice máximo de 1,0. Isto se justifica, porque as universidades francesa e cearense, as quais realizaram convênio com a prefeitura local para apoiar tecnicamente o Pingo D’água, a associação dos técnicos agrícolas e a Emater-CE dão assistência permanente aos agricultores. Não por acaso, a disponibilidade de serviços técnicos especializados e a existência de programas de apoio foram apontados pelos produtores como sendo as principais vantagens da localização no arranjo.

    No campo das outras fontes de informação, chama a atenção o papel exercido pelas feiras e exposições, pelos encontros informais e pelas associações empresariais locais. Esses canais apresentaram também índices elevados de relevância, 0,75, 0,97 e 0,86 respectivamente. Isto se explica pela participação dos agricultores em feiras anuais na cidade de Fortaleza, no Centro de Convenções, como a Frutal e a Irriga Ceará, pelos encontros informais familiares, sociais e religiosos que acontecem regularmente, facilitados pela proximidade física, bem como pelos encontros e reuniões promovidos pela Associação dos Moradores de São Bento e pela Associação dos Produtores do Vale do Forquilha, ou do Pingo D’água.

    Os produtores identificam nos portadores de treinamento, aprendizagem e informação os verdadeiros parceiros das suas atividades. A prefeitura local aparece em primeiro plano, como parceira de primeira hora, alavancando, estimulando, facilitando, apoiando e assistindo tecnicamente. Em seguida vêm as universidades, institutos de pesquisa e centros de capacitação profissional de assistência técnica e de manutenção, todos com o grau máximo de importância. Não menos importante, em grau de relevância, 0,95, estão as empresas do setor, isto é, os produtores do próprio arranjo e de outras localidades visitadas. Abaixo, com um índice de 0,86 vêm as entidades sindicais, mas com opiniões não consensuais, distribuídas entre alta, média e baixa, devido aos interesses políticos diferentes. Por último são apontados os clientes, com índice de relevância de 0,73, onde se encontra a própria prefeitura, representada pelo seu programa de merenda escolar, o Ceasa de Fortaleza e os clientes da própria região. Interessante notar que, as instituições financeiras, no caso o Banco do Nordeste do Brasil - BNB, têm uma importância nula para os entrevistados, apesar desse banco participar no arranjo por meio do Pronaf.

    FORMAS DE COOPERAÇÃO Dentre as várias formas de cooperação (compra de insumos, venda dos produtos finais, etc.) apresentadas aos entrevistados, em apenas duas delas foi constatado não haver cooperação de alguma natureza, quais sejam, capacitação de recursos humanos e obtenção de financiamento. Nesta última forma, as próprias instituições financeiras criam barreiras burocráticas e institucionais, contribuindo para que a cooperação entre os produtores não se manifeste, porque os créditos são concedidos individualmente e não em grupo.

    O principal elemento responsável pela presença da cooperação nesse arranjo produtivo está nas freqüentes interações realizadas entre os produtores, motivados pela busca de soluções para os problemas vitais de sobrevivência. Essas interações resultaram no acúmulo de um certo capital social, formalizado, primeiramente, através da criação da Associação dos Moradores de São Bento, em 1987, e, posteriormente, na montagem da Associação dos Produtores do Vale do Forquilha, no ano de 2000. Esta associação foi criada com o objetivo de discutir e organizar os interesses dos produtores do Pingo D’água, e não apenas de São Bento, se distanciando assim dos assuntos e temas de cunho comunitário, que continuaram a ser trabalhados pela associação dos moradores desse povoado (8).

    A importância dessas associações para a vida dos produtores é elevada, vista pelos índices de avaliação obtidos nas respostas dos entrevistados. Com índices de relevância variando entre 73,9% a 78,3%, os agricultores revelaram que os sindicatos, associações e atividades cooperadas são importantes (i) na definição de objetivos comuns para o arranjo produtivo, (ii) no estímulo à geração de percepções de visões de futuro para ação estratégica, (iii) na promoção de ações cooperativas, (iv) na apresentação de reivindicações comuns, (v) na criação de fóruns e ambientes para discussão e (vi) na promoção de ações dirigidas à capacitação tecnológica de empresas.

    A forma mais importante de cooperação apontada pelos produtores foi a venda conjunta de produtos, com índice de relevância de 0,98, já que eles não individualizam as vendas, mas agregam os produtos finais, encaixotados, e os destinam em conjunto para os mercados. Isto tem melhorado, e até viabilizado as condições de comercialização. Há dois produtores, mais empreendedores e prósperos, que se transformaram em transportadores dos produtos a partir da compra de pequenos caminhões. Em segundo lugar vêm as reivindicações, com 0,93, aliás, o mecanismo mais importante e responsável pelo surgimento desse arranjo produtivo. A organização e as reivindicações fazem parte da história desses produtores, desde o período no qual sofriam com as secas prolongadas. Esses dois elementos conferem um caráter endógeno e uma força de baixo para cima, responsáveis pela originalidade e singularidade do arranjo.

    Outra forma importante apontada pelos produtores, com relevância de 0,90, foi o desenvolvimento de produtos e processos, pois esses agentes, além de produzirem mudas em conjunto, condicionadas em estufa, compartilham os resultados dos experimentos no plantio de novos produtos e novas variedades. Discutem também, em conjunto, práticas de manejos e técnicas de irrigação bem como métodos de monitoramento das plantações. Esses hábitos têm contribuído para o aperfeiçoamento dos processos bem como para a melhoria da qualidade dos produtos, além de uma melhor adequação dos produtos às especificidades do ambiente da região. A participação conjunta em feiras, exposições e viagens de reconhecimento é apontada como uma das formas importantes de cooperação, 0,90 de relevância, mas aí eles têm o suporte, logístico e financeiro, tanto da prefeitura local quanto da Secretaria da Agricultura-Seagri. Os produtores, nesses eventos, além de ampliarem seus conhecimentos, abrem novas oportunidades de negócios. Por último, a forma de cooperação menos importante, com índice de 0,48, é aquela associada à compra de insumos e equipamentos, que se dá de maneira atomizada.

    CONCLUSÃO Os pontos fortes do arranjo produtivo Pingo D’água podem ser identificados nos seguintes aspectos:

    • Participação efetiva (i) dos agentes produtivos; (ii) poder local; (iii) governo estadual; (iv) universidades; (v) organizações não governamentais; (vi) instituição financeira.

    • Presença de capital social, que extrapola, inclusive, o próprio arranjo produtivo.

    • Forte compartilhamento de valores comuns, entre os participantes do arranjo.

    • Forte intensidade na introdução de inovações, de produtos e de processos.

    Já do lado dos pontos fracos foram identificados os seguintes aspectos:

    • Limite da oferta de água, barrando a entrada maciça de produtores ou a expansão da área de produção.

    • Capital inicial elevado, para o padrão de acumulação local, resultando em barreiras de entrada aos novos produtores. Aliado a isso se somam as dificuldades na obtenção de empréstimos bancários junto às instituições financeiras.

    • Ausência de qualquer sistema de controle sobre a quantidade produzida e vendida, bem como dos custos de produção. O cálculo econômico é desconhecido pelos produtores. Tudo passa pela pura intuição.

     

    Jair do Amaral Filho é doutor em economia, professor titular em desenvolvimento econômico do Departamento de Teoria Econômica - DTE da FEAAC e professor do Caen da Universidade Federal do Ceará - UFC e membro da Redesist.

     

     

    NOTAS

    1. Arranjo Produtivo Local (APL) é entendido aqui como sendo uma aglomeração geográfica de produtores ou empresas especializados na produção de algum bem ou serviço, utilizando-se de uma divisão de trabalho e de uma organização sócio-institucional que permitem a coordenação e a governança do aglomerado.

    2. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), "destina-se ao apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família" (BACEN/www.bcb.gov.br). No início do processo de constituição do arranjo produtivo, mais de 100 agricultores de sequeiro do Vale Forquilha, desejando passar para agricultura irrigada, depositaram suas solicitações de empréstimo junto ao Banco do Nordeste do Brasil, mas somente 18 deles foram contemplados pelo Comitê de Análise.

    3. O parecer técnico dado ao projeto é realizado pela Emater-CE.

    4. Quanto mais próximo de 1,0 maior é o grau de relevância ou importância.

    5. Esses preços foram levantados diretamente com os produtores do arranjo.

    6. Não foi possível obter o preço médio da goiaba, por isso o valor da sua produção não consta dentro da soma da renda bruta.

    7. Hoje, uma outra metalúrgica, funcionando no Distrito Industrial de Quixeramobim, também fabrica esses equipamentos.

    8. Além da Associação dos Produtores há também uma outra associação, esta para organizar e representar os interesses dos consumidores de água do Vale do Forquilha, cujo presidente é também produtor dentro do arranjo produtivo.

     

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    Burte, J. & Schrader, G.O. (1998), Relatório de Atividades, julho de 1998, Vale do Forquilha, Quixeramobim, Ce.

    Burte, J. & Schrader, G.O. (1999), Relatório de Atividades, julho de 1999, Vale do Forquilha, Quixeramobim, Ce.

     

     

    * O autor agradece a Keuler Hissa Teixeira, pela realização da aplicação dos questionários junto aos produtores do arranjo produtivo Pingo D’água, e a Lidiane Mateus, pela leitura do texto e sugestões.