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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.1 São Paulo ene./mar. 2006

     

    NOVAS PRODUÇÕES

    ROTEIROS FOCALIZAM BIOGRAFIAS DE PERSONAGENS DE SUCESSO

     

     

    A vida de personalidades marcantes no universo da música, da política e do futebol está retratada nas telas do cinema brasileiro em sua fase de retomada, a partir dos anos 1990. As biografias homenageiam personagens famosos vivos, como Pelé e a dupla sertaneja Zezé Di Camargo & Luciano, e principalmente aqueles que já se foram mas compõem o imaginário popular, como Cazuza, Villa-Lobos, Mauá, Olga e Garrincha. Suas vidas inspiraram roteiros de alguns filmes premiados, a maioria com grande sucesso de bilheteria.

    O destaque mais recente é o filme de Breno Silveira, 2 filhos de Francisco, indicado em setembro passado, por um júri formado pelo Ministério da Cultura, para ser o filme brasileiro a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme conta a história do sonho de um humilde agricultor do interior de Goiás de transformar seus filhos em uma dupla sertaneja famosa. Os percalços e sofrimentos da família de seu Francisco até a conquista do sucesso por Zezé Di Camargo & Luciano compõem uma história envolvente que atrai ao cinema não apenas os admiradores da dupla ou pessoas que gostam de música sertaneja: em meados de outubro, o filme de Silveira já havia superado a marca de 4,6 milhões de espectadores, atingida por Carandiru, de Hector Babenco, em 2003, tornando-se o filme nacional mais visto no país desde 1990 e a quinta maior renda no Brasil em todos os tempos, segundo a Columbia, distribuidora do filme, atrás apenas de quatro superproduções hollywoodianas.

    Outro personagem famoso – talvez o brasileiro mais conhecido no planeta – que já havia sido tema de um documentário de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto na década de 1970, também protagonizou uma recente produção premiada do cinema brasileiro. O documentário Pelé eterno, dirigido por Aníbal Massaini Neto e com roteiro original de José Roberto Torero, foi premiado no 58º Festival de Cannes com o troféu Città di Roma-Arcobaleno Latino, uma iniciativa do Instituto Internacional de Cinema e Áudio Visual dos Países Europeus e Latinos patrocinada pela prefeitura de Roma e pela Roma Film Comission. A produção, que custou os mesmos R$ 6 milhões gastos em 2 filhos de Francisco, consumiu quase cinco anos de pesquisa em arquivos audiovisuais de vários países, para contar a trajetória do Rei do Futebol – que também recebeu o título de Atleta do Século – nos gramados do Brasil e do mundo. O filme de Massaini, além de depoimentos de pessoas próximas ao atleta, traz incontáveis lances de Pelé em jogos do Santos e da seleção, reavivando a memória dos que o viram em campo e encantando as gerações mais recentes de amantes do futebol.

    "Esses filmes tendem a passar mais a imagem do país feliz, do brasileiro que deu certo. Daí o sucesso e a identificação do público", comenta Josette Maria de Souza Manzani, do grupo de pesquisa em Cinema e Comunicação, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ela acredita que a origem pobre desses personagens ilustres, que os caracteriza, a princípio, como brasileiros comuns, pode estar entre os fatores que levam a essa identificação do público com a imagem de brasileiro retratada no cinema. Mas, segundo a pesquisadora, em filmes como 2 filhos de Francisco, os brasileiros das telas estariam mais próximos de personagens de folhetim. "A forma e o enredo são romanceados, apesar dos roteiros serem calcados na história verídica", observa.

    Nem toda produção recente, no entanto, optou por essa fórmula de retratar o sofrimento e as dificuldades de "brasileiros comuns" na busca de um sonho. Um dos 11 filmes que disputaram com 2 filhos de Francisco a indicação para concorrer ao Oscar é um exemplo disso. Garrincha – estrela solitária, dirigido por Milton Alencar e com roteiro de Rodrigo Campos, baseado no livro homônimo de Ruy Castro, narra a história dramática do jogador, marcada pelo vício à bebida, a partir de lembranças de pessoas próximas a ele, como seu companheiro de Botafogo e seleção Nilton Santos, e sua mulher, a cantora Elza Soares. Garrincha não é recheado com jogadas geniais de Mané pelos campos de futebol, como Pelé eterno – e como poderiam esperar os aficcionados pelo esporte e por sua história –, mas tem cenas de momentos de glória e tragédia. Um dos destaques do filme é a interpretação de Taís Araújo no papel de Elza Soares, que lhe rendeu o prêmio Lente de Cristal de melhor atriz no Festival de Cinema Brasileiro de Miami. Antes de estrear no circuito comercial brasileiro, Garrincha – primeira co-produção Brasil / Chile – foi assistido nas telas do Chile, onde se passa parte do enredo e o craque botafoguense das pernas tortas viveu seu apogeu como jogador da seleção no bicampeonato conquistado em 1962.

    IDENTIDADE NACIONAL Em 2004, uma outra biografia que entrelaça momentos de intensa euforia com grandes tensões e conflitos e termina com o fim trágico do protagonista levou às salas de cinema do país mais de 3 milhões de pessoas. Cazuza – O tempo não pára foi dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho, a partir do roteiro de Fernando Bonassi e Victor Navas baseado na biografia do cantor e compositor escrita por sua mãe, Lucinha Araújo. Grande parte dos espectadores era de adolescentes que sequer conheceram Cazuza em vida, mas que se identificam com a sua rebeldia e o seu jeito libertário de lidar com os padrões da sociedade. Falecido há quinze anos, vítima de Aids, Cazuza protagoniza uma história que trata abertamente de questões que são sempre atuais entre os jovens: drogas, sexualidade, relação com os pais e liberdade de escolhas. Mas Cazuza agrada não apenas a adolescentes: quem já passou dos 30 também pôde reviver, com esse filme, um pouco da efervescência do rock nacional dos anos 1980 e se espantar com a surpreendente semelhança do ator Daniel de Oliveira com o personagem principal que ele interpreta no filme.

    Mônica Kornis, doutora em ciências da comunicação e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, considera que há nesses filmes biográficos uma evidente construção de identidade nacional, ainda que eles tenham uma certa tendência para o melodrama. Segundo ela, a ficção não é um mero retrato da vida desses personagens famosos, mas uma representação. "Os documentos históricos, tanto na forma escrita quanto visual, contêm um ponto de vista que interpreta a evidência empírica. Nesse sentido, o filme e o programa de televisão interpretam os fatos históricos, cuja representação se constrói pela forma que a narrativa assume e se insere numa linguagem visual e num gênero estético", avalia.

     

     

    OBRA LITERÁRIA VEIO DEPOIS No caminho inverso de histórias como a de Cazuza e Garrincha, adaptadas para o cinema após o sucesso de vendas nas livrarias, o filme 2 filhos de Francisco desencadeou duas obras literárias. Uma com tiragem inicial restrita a patrocinadores, conta os bastidores da filmagem, e a segunda, com lançamento previsto para a Bienal de São Paulo, em março, se chama 10 filhos de Helena, e conta histórias da família Camargo que não entraram no filme. Tanto no cinema quanto nas livrarias, o interesse do público por histórias de vida de pessoas ilustres é grande. "A indústria editorial já mostrou que a biografia é um bom filão de mercado", conclui a pesquisadora.

     

    Rodrigo Cunha