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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.2 São Paulo abr./jun. 2006

     

     

     

    BIOLOGIA

    Balanço entre força e beleza na cauda do pavão

     

    Por mais bela que seja, a cauda do pavão azul não é a única característica que as fêmeas da espécie consideram ao escolherem seus parceiros sexuais. O que importa para elas é, aparentemente, o número e a densidade de ocelos (pequenos olhos) contidos na cauda, mais do que o tamanho desta em si, o que estudos clássicos sobre o tema já tinham revelado. Mas não basta que um macho tenha uma cauda densa em ocelos: é preciso que ele seja capaz de exibi-los. O comportamento dos pretendentes também conta. E muito.

    Essa é a conclusão do estudo realizado por Adeline Loyau e outros dois pesquisadores do Laboratório de Parasitologia Evolutiva da Universidade Marie Curie, em Paris, França, publicado recentemente na revista Ethology, especializada em comportamento animal, confirmando o que Darwin disse sobre a seleção sexual.

    Isso não quer dizer que o comprimento da cauda não importe. Afinal, quanto maior a cauda, mais dominante tende a ser o macho, isto é, maior probabilidade ele tem de vencer a competição com outros por território ou por fêmeas. Os que nascem mais fortes têm uma vantagem de saída, mas a herança genética não sela totalmente sua sorte reprodutiva. Segundo Adeline, nem o ambiente nem os genes podem, isoladamente, explicar a dominância dos machos. "Se, por um lado, os melhores machos fornecem bons genes para sua prole, por outro esses bons genes para a dominância só podem se expressar num contexto de competição, por território ou fêmeas", pondera a pesquisadora.

     

     

    Outra característica examinada pelos cientistas foi o tamanho das esporas nas pernas dos machos. No faisão Phasianus colchicus, uma espécie evolutivamente próxima do pavão, o comprimento delas é determinante na dominância e, portanto, no sucesso reprodutivo dos machos. "No entanto, observamos que indivíduos que apresentaram esporas curtas podem ser tanto indivíduos de baixa qualidade, incapazes de fazer crescer esporas longas, quanto indivíduos de alta qualidade que usaram tão freqüentemente as suas que elas ficaram mais curtas", explica Adeline.

    TESTOSTERONA A influência do ambiente, na verdade, começa no estágio de embrião. Adeline conta que um artigo publicado, em 1993, por Schwabl, na Proceedings of Natural Academy of Sciences (PNAS, Estados Unidos), mostrou que as mães podem influenciar a futura posição social de seus filhotes por meio da quantidade de testosterona que transferem para a gema do ovo.

    "Interessantemente, num experimento recente que realizamos com os pavões, e que ainda não publicamos, vimos que as fêmeas que cruzaram com os machos mais atraentes — ou seja, com maior densidade de ocelos na cauda — investem mais testosterona nos ovos. Esse poderia constituir um mecanismo adicional aumentando as diferenças genéticas das aves", especula.

    Desde as observações feitas por Darwin, a cauda do pavão é citada como um exemplo de característica exagerada que é favorecida para a seleção sexual. "Darwin já tinha apontado a diversidade de características sexuais secundárias exibidas por machos durante a estação de acasalamento; entretanto, a complexidade do investimento individual na reprodução e os trade-offs (balanços) subjacentes começaram a aparecer recentemente", diz Adeline.

    É preciso considerar que a seleção sexual se divide em duas componentes, a competição entre os machos da mesma espécie e a escolha dos parceiros sexuais pelas fêmeas. Esses dois tipos de seleção, intra-sexual e intersexual, não necessariamente caminham na mesma direção.

    Em algumas espécies, a escolha de parceiros pela fêmea é constrangida pela competição macho x macho, e as fêmeas acasalam com machos dominantes na hierarquia. Nessas espécies, a seleção intra-sexual e a intersexual agiriam em sinergia. "No entanto, no pavão, os mecanismos atuam em sentidos distintos. O estabelecimento de territórios ocorre antes da escolha da fêmea. Mais que isso, contrariamente às espécies monógamas, nas que estabelecem territórios para exibição no acasalamento os machos não participam do cuidado parental, e as fêmeas não usam o território dos machos para estabelecer seus ninhos ou criar seus filhotes. Isso deve favorecer a diversificação das características", afirma Adeline.

    DESAFIO IMUNOLÓGICO Mas o que faz um laboratório de parasitologia estudar características sexuais secundárias de uma ave? De acordo com Adeline, sua equipe investiga a evolução das interações parasita x hospedeiro. "Uma vez que há trade-offs entre o investimento do hospedeiro na resposta imunológica e o investimento em reprodução (desenvolvimento das características sexuais), nosso objetivo é estudar como os pavões de diferentes qualidades são capazes de lidar com um desafio imunológico", explica Adeline. "O primeiro passo era, portanto, pesquisar as características sob seleção sexual para identificar quais os machos de melhor qualidade".

     

    Flávia Natércia