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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.2 São Paulo Apr./June 2006

     

     

    TERMINOLOGIA TÉCNICO-CIENTÍFICA: POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS E MERCOSUL

    Maria da Graça Krieger

     

    "A constituição de uma terminologia própria marca,
    em toda ciência, o advento ou o desenvolvimento de uma conceitualização nova,
    assinalando, assim, um momento decisivo de sua história. Poder-se-ia mesmo dizer que a
    história particular de uma ciência se resume na de seus termos específicos." (1)

     

    TERMOS TÉCNICOS-CIENTÍFICOS Ao salientar o papel da terminologia na constituição do pensamento científico, o célebre lingüista Benveniste também evidencia que seu uso está relacionado a atividades que envolvem um saber especializado. Isso se justifica porque os termos técnico-científicos transmitem conceitos próprios do conhecimento científico, técnico, tecnológico, jurídico, entre outros domínios. Daí a razão pela qual se pode fazer referência à terminologia da química, da biologia, da lingüística, além de muitas outras. Em paralelo aos campos científicos, as terminologias são também designativas de componentes e de produtos resultantes da técnica e da tecnologia, conforme hoje se compreende.

    Em razão de sua característica maior, ou seja, delimitar conceitos próprios de uma área, diferenciando-se, nessa medida, da palavra comum, entende-se que:

    "Para os especialistas, a terminologia é o reflexo formal da organização conceptual de uma especialidade e um meio inevitável de expressão e de comunicação profissional". (2)

    Mas, além de conjunto de termos de um campo de saber, a referência à terminologia designa um ramo da lingüística, cujo objeto primeiro de investigação é o próprio termo, compreendido como unidade lexical de valor especializado, porquanto integra o conjunto denominativo e conceptual das ciências e das técnicas.

    Em linhas gerais, a pesquisa teórica está relacionada ao estudo dos componentes cognitivos e pragmáticos que conferem estatuto terminológico às unidades lexicais de um sistema lingüístico, junto à descrição de suas estruturas morfossintáticas e das formas de comportamento nos cenários comunicativos de que participam. Em sua face aplicada, o trabalho terminológico, entre outros aspectos, busca definir princípios e métodos orientadores da elaboração de glossários, dicionários técnico-científicos, bancos de dados terminológicos, ontologias, além de outros produtos que sistematizam e divulgam termos específicos de uma área.

    A terminologia é considerada uma ciência ainda nova; mas, em contrapartida, o uso de termos técnico-científicos vem de tempos remotos :

    A terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remonte na história do homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em presença de línguas de especialidade, é assim que se encontra a terminologia dos filósofos gregos, a língua de negócios dos comerciantes cretas, dos vocábulos especializados da arte militar, etc. (3)

    Na realidade, o século XX é o cenário maior de grande desenvolvimento e consolidação da terminologia, quer como instrumental lingüístico a serviço da comunicação profissional, quer como campo de conhecimento. O crescimento desse componente lingüístico, denominado de léxico especializado, está diretamente relacionado à exponencial ampliação do conhecimento científico e da produção tecnológica, uma das mais marcantes características do final do milênio. Em conseqüência, novos termos surgem e, se multiplicam, para "batizar" as inovações que surgem cotidianamente.

    Nesse mesmo cenário, cresce também o interesse pela terminologia em razão de sua funcionalidade na comunicação profissional. Um termo não é apenas expressão de um nódulo conceitual das ciências ou designação de uma inovação tecnológica, mas é também forte recurso lingüístico de precisão conceitual. O uso de termos contribui, em muito, para tornar a chamada comunicação especializada mais objetiva, menos sujeita a ambigüidades e, conseqüentemente, mais eficiente, porquanto favorece uma compreensão comum sobre os conceitos, objetos e processos expressos pelo componente terminológico.

    Essas propriedades típicas dos termos são efetivamente relevantes para uma comunicação profissional sem ruídos. Tanto assim é que os próprios cientistas, buscando esses ideais, cunharam as nomenclaturas técnico-científicas, valendo-se do grego e do latim, como forma de fugir da ambigüidade própria das palavras. Isto significou um recurso extremo de propiciar uma univocidade comunicacional no plano das ciências, em âmbito internacional. Diferentemente, os termos integram as inúmeras línguas de cultura, são itens lingüísticos naturais e não artificiais como nas nomenclaturas, muito embora guardem suas propriedades denotativas particulares.

    Indubitavelmente, não há comunicação especializada sem termos e seu uso adequado é fator qualitativo para a divulgação precisa e objetiva da ciência e de produtos tecnológicos, bem como para o assentamento de toda sorte de contratos comerciais e sociais, entre tantas outras atividades de trocas e intercâmbios.

    POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS A funcionalidade expressiva e conceitual operada pelos termos técnico-científicos explica também o motivo pelo qual o mundo globalizado, cuja mola mestra é o intercâmbio comercial e a conseqüente ampliação das relações internacionais, tem conferido relevância às terminologias. Tanto assim é que, nos últimos tempos, têm surgido uma série de iniciativas para organizar e divulgar as terminologias de uma língua, bem como criar condições de registro de equivalentes dos termos também em outros idiomas. Este é o caso, por exemplo, da União Européia que, em seu projeto de unificação, criou um Banco de Dados Terminológicos: o Eraudicautom. Nele, estão registrados termos de várias áreas definidas como prioritárias para as trocas comerciais e os intercâmbios científicos e culturais nas línguas oficiais da União Européia. De fato, as terminologias sistematizadas e multilíngües constituem um instrumento de recuperação da informação de grande valia ao trabalho de tradutores, intérpretes e toda sorte de profissionais que lidam com a linguagem.

     

     

    Os protagonistas desse processo de alargamento de fronteiras internas da Europa reconheceram, portanto, o importante papel dos termos técnico-científicos para uma comunicação mais eficiente, uma adequada transferência de tecnologia e um correto estabelecimento de contratos comerciais entre outras ações de cooperação. Dessa forma, estabeleceram uma política lingüística multilíngüe em relação às terminologias que reúne uma face integradora e outra de valor econômico. A correlação das línguas funciona como uma importante estratégia de integração entre os povos que ampliaram suas fronteiras, posto que o multiculturalismo dos tempos atuais valoriza as identidades lingüísticas a tal ponto que não há nenhuma proposição de língua oficial única.

    Mais que isto, a divulgação e o acesso a léxicos terminológicos multilíngües favorecem os negócios e os intercâmbios que, nos atuais blocos econômicos, expandem-se para o mundo científico, tecnológico e cultural. Vista sob esse ângulo, a terminologia sistematizada é um estratégico plano socioeconômico, baseado no princípio de valorização das identidades culturais, e componente facilitador da comunicação no plano de trocas de produtos, serviços e conhecimentos de cada país.

    Além de bancos terminológicos, glossários e dicionários técnico-científicos também são instrumentos de consulta de grande utilidade, pois precisam as denominações correntes de produtos e processos, bem como expressam conceitos que integram os mais diferentes campos do saber especializado.

    O valor esse tipo de obra de referência vincula-se ainda ao fato de que, mesmo indiretamente, todas cumprem um papel normalizador, vale dizer, constituem-se em instâncias que determinam a norma, o padrão lingüístico e conceitual a ser corretamente empregado. O dicionário de língua é o exemplo maior desse inevitável processo de estabelecimento do padrão "correto" do uso das palavras de uma língua; funcionando, nesse sentido, como um código normativo do "bem-dizer".

    Transposta para o universo das obras de referência especializada, a situação não é diferente. Ao contrário, reafirma-se o papel social, político e econômico desses instrumentos lingüísticos nas sociedades, tendo em vista o quanto contribuem para responder a dúvidas sobre existência de determinados termos e seus respectivos conceitos, componentes expressivos que, obrigatoriamente, integram toda e qualquer assunto que se torna objeto de intercâmbios comunicativos. De fato, inexiste comunicação especializada sem terminologia, independente de seu objetivo específico ser a divulgação do conhecimento científico ou dar publicidade a inovações tecnológicas ou ainda objetivar o estabelecimento de acordos e contratos para incrementar o comércio e a cooperação cultural, tanto em nível nacional, quanto internacional.

    A constatação da funcionalidade dos léxicos temáticos no mundo globalizado está fazendo também com que empresas do chamado setor produtivo busquem estratégias para padronizar usos terminológicos próprios, tanto para seu consumo interno, quanto externo. Tal padronização tem por objetivo otimizar o processo de comunicação nas empresas. De um ponto de vista interno, o uso padronizado de termos favorece o entendimento entre segmentos distintos, como a administração da organização e os setores operacionais. Com isso, harmoniza-se a linguagem, facilitando o entendimento, entre, por exemplo, engenheiros e pessoal de oficina. São duas categorias de profissionais que, pela sua formação, utilizam denominações técnicas distintas.

    A necessidade de padronização tem sido igualmente reconhecida em função do uso de línguas distintas em organizações multinacionais ou mesmo nas nacionais que contam com várias unidades, localizadas em diferentes regiões de um mesmo país.

    Diante desses aspectos positivos, o uso padronizado das terminologias passou a ser considerado um princípio de eficiência e de qualidade no contexto empresarial, bem como um fator que favorece as condições de competitividade. Apesar dessa consciência em organizações de grande porte, o valor da circulação e harmonização dos termos técnico-científicos é ainda discreto no segmento empresarial e, praticamente nulo em instituições públicas no Brasil e no Mercosul. No entanto, estas poderiam se beneficiar largamente de um projeto terminológico comum, tal como ocorre na União Européia e no Canadá, país que se destaca pela organização terminológica, motivado pelo intuito de favorecer o entendimento entre os falantes de suas duas línguas oficiais.

    MERCOSUL Diante da funcionalidade operada pelos termos especializados na transmissão de conhecimentos científicos e técnicos e na divulgação de produtos e serviços justifica-se a necessidade de concretizar um projeto terminológico para um contexto de integração regional como o Mercosul. Conseqüentemente, é um importante recurso estratégico organizar e facilitar o acesso a repertórios terminológicos que privilegiam áreas de interesse das sociedades que pretendem se integrar na busca de seu fortalecimento.

    Isso significa a necessidade, bem como a urgência de organizá-las em nossas línguas e de divulgá-las por meio da produção de instrumentos terminológicos bilíngües, contemplando o espanhol e o português aqui falados. A necessidade intensifica-se diante da quase total inexistência de obras de referência técnico-científicas, elaboradas no português do Brasil e no espanhol dos países da América Latina, línguas que atualmente diferem, em muito, das faladas em Portugal e na Espanha.

    Em suma, dotar o Mercosul de condições mais eficientes de acesso às terminologias, requer uma política lingüística que viabilize a constituição de um banco de dados terminológicos do Mercosul. Este é um instrumento fundamental que permite recuperar a informação de forma ágil em razão dos recursos trazidos pelas atuais tecnologias da informação. Uma ação nessa direção facilitará em muito, o trabalho de muitos segmentos profissionais, cujo trabalho reside na elaboração, bem como na tradução de textos técnicos.

    Por outro lado, criar as condições para recuperar e divulgar a informação, significa também promover o potencial produtivo e científico do Mercosul. A rigor, trata-se de uma forma de sobrevivência. Vale dizer, o acesso ao léxico terminológico otimiza a divulgação das ciências, bem como as condições de competitividade pretendidas com a divulgação de produtos e serviços. Daí por que, no mundo do conhecimento e da informação, a sistematização e divulgação das terminologias assume valor estratégico.

    Nessa perspectiva, melhores condições de informação devem também facilitar a inserção e consolidação do Mercosul no mercado internacional. Diante disso, adquire relevância a inclusão do inglês, como língua veicular dos suportes elaborados. Caso contrário, os instrumentos produzidos não serão suficientemente adequados para propiciar a circulação internacional das mercadorias, assim como difundir os conhecimentos e as tecnologias aqui produzidos. É preciso, portanto, compatibilizar os equivalentes terminológicos não apenas no que concerne ao português e ao espanhol da América, mas também ao inglês, sem excluir a possibilidade de relacionar os termos a outros idiomas de países produtores de conhecimentos e produtos de ponta, com os quais há interesse de intercâmbio.

    Todas essas ações, ao otimizarem as condições de comunicação, funcionam como coadjuvantes na busca de competitividade comercial, bem como no estabelecimento de toda sorte de intercâmbios científicos e culturais. No entanto, apesar desses aspectos positivos, é importante observar que a organização terminológica, em regiões que congregam línguas distintas, não pode ser pautada pelo ideal padronizador, visado pelas empresas.

    Ao contrário, é necessário contemplar a diversidade dos usos terminológicos de cada região e país, incluindo sinônimos e regionalismos para que o instrumento referencial permita uma busca produtiva. Em outras palavras, é preciso registrar as vozes distintas e não simplesmente silenciá-las, o que é fundamental em todo projeto integrador. Dessa forma, esse tipo de trabalho precisa ser norteado por princípios metodológicos que, sem apagar diversidades culturais, sistematizem os dados recorrentes no Mercosul, construindo a necessária unidade no plano dos termos técnico-científicos.

    Sem dúvida, os diferentes papéis que cumprem as terminologias técnico-científicas nos processos de integração e sua relevância na ordem mundial ora vigente, evidenciam a urgência de se proceder, com os devidos cuidados metodológicos, à coleta e organização dos termos técnicos e científicos criados e utilizados no Mercosul.

    Ao modo de conclusão, é devido lembrar um pouco de história, de tentativas já realizadas no Mercosul para dotá-lo de um banco de termos técnico-científicos. Ainda no decorrer dos anos 1990, o Brasil propôs um projeto dessa natureza, por meio do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e, contando com o apoio da União Latina. Essa proposta teve acolhida pelos outros signatários do Tratado de Assunção, tendo seu início no âmbito da Subcomissão de Terminologia, constituída com o fim específico de realizar o projeto desse banco de terminologia. Tal Subcomissão integrou o programa denominado de Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia, formada por representantes oficiais de todos os países signatários do Mercosul.

    Várias ações se desenvolveram, algumas etapas foram superadas, mas o projeto não se concretizou por uma série de razões políticas e estruturais. Talvez também porque o momento não fosse ainda apropriado, considerando que a experiência para refletir e desenvolver produtos terminológicos era ainda muito incipiente em toda a América Latina.

    De todo modo, essa tentativa foi uma mola propulsora da formação de grupos que hoje estudam terminologia nas universidades e mesmo fora delas, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. Na época, o Brasil já contava com grupos de pesquisa em algumas universidades. Esses grupos cresceram com a ação de novos pesquisadores que buscaram formação pós-graduada. Ao mesmo tempo, vários glossários e dicionários circulam no país, resultantes de estudos aplicados de terminologia. Tudo isto tem contribuído para que a área esteja consolidada nos ambientes de pesquisa universitária.

    Pragmaticamente, resta e permanece a idéia de que políticas eficientes de desenvolvimento das regiões que alargaram suas fronteiras devem, obrigatoriamente, concretizar um projeto terminológico comum que inclua, também, a produção de bancos nacionais, os quais poderiam alimentar o do Mercosul.

    Essa seria uma forma de atestar que a organização de nossas terminologias, mesmo com os neologismos e estrangeirismos que as afetam, e com o devido registro das variações que sofrem, constitui uma instrumentação socioeconômica vital a um consistente processo de integração para a sociedade do Cone Sul. Tal organização, correlacionando ainda nossos idiomas a outros de larga circulação, será veículo estratégico de divulgação do potencial produtivo – comercial, científico, tecnológico e cultural – de nossos países.

     

    Maria da Graça Krieger é doutora em letras, com pós-doutorado em terminologia, professora do Programa de Pós-Graduação em Língüística Aplicada, da Unisinos (RS); coordenadora do Termisul - Projeto Terminológico Cone Sul (UFRGS). É presidente da Riterm - Rede Iberoamericana de Terminologia. Foi coordenadora da Subcomissão Temática de Terminologia para o Mercosul (1993-1995).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Benveniste, É. Problemas de lingüística geral II. Campinas, EditoraPontes. 1989.

    2. Cabré, M. T. La terminología: Barcelona, Antártida, Ampúries, 1993. E da mesma autora, La terminología: representación y comunicación. Barcelona, Universitat Pompeu Fabra. 1999.

    3. Rondeau,G. Introduction à la terminologie. 2.ed.Québec, Gaëtan Morin. 1984.