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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.3 São Paulo jul./sep. 2006

     

     

     

    LINGUAGEM

    Museu expõe multiplicidade e história da língua portuguesa

     

    A visita ao primeiro museu do mundo inteiramente dedicado à língua portuguesa, instalado na histórica Estação da Luz na capital paulista, começa com visão de uma imensa árvore genealógica representada pela Árvore de palavras – escultura de 16 metros de altura criada pelo artista Rafic Farah. Em suas raízes estão palavras supostamente faladas há seis mil anos, pertencentes ao indoeuropeu, língua original hipotética de uma ampla família lingüística que teve como frutos línguas asiáticas, como o sânscrito, e línguas européias, como o grego e o latim, que deram origem às línguas românicas, como francês, italiano, espanhol e português. Um jogo de luz e sombras sobre a árvore sugere a idéia de movimento, já que a língua é algo vivo e as palavras se modificam com o tempo. Incorporando recursos multimídia, junto à escultura se ouve o mantra Língua palavra, com esses dois termos cantados em vários idiomas, em uma parceria do cantor e compositor Arnaldo Antunes com o poeta e antropólogo baiano Antônio Risério, um dos diversos pesquisadores cujos trabalhos serviram de base para a concepção do museu.

     

     

    Risério, é também responsável pelo roteiro do curta-metragem de 10 minutos sobre a origem da linguagem, dirigido por Tadeu Jungle e exibido no auditório do 3ª pavimento do museu. Após a exibição do filme, o telão do auditório se abre, como uma grande porta, para o ambiente seguinte da mostra.

    AUDIÇÃO LITERÁRIA Nessa visita conduzida se chega, então, à "Praça da língua", amplo salão com piso de vidro e um teto que lembra um planetário, onde as palavras tomam o lugar dos astros e estrelas. As palavras projetadas no teto são acompanhadas por imagens criadas por Marcello Dantas, por trilha sonora produzida por Cacá Machado, com narração de Chico Buarque, Maria Bethânia, Paulo José e Juca de Oliveira, entre outros, de trechos da obra de poetas portugueses (Fernando Pessoa, Camões) e brasileiros (Drummond, Bandeira), romancistas (Machado de Assis, Euclides da Cunha) e letristas de música (Noel Rosa, Vinícius de Moraes), selecionados por José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski.

    Após essa audição literária, o visitante entra na "Grande galeria" e vê toda a extensão do edifício, como se fosse um túnel da antiga estação de trem, ser cortada por um gigantesco telão de 106 metros, onde predominam os depoimentos de intelectuais portugueses. Na parede, são projetados, simultaneamente, 11 filmes de seis minutos cada, sobre aspectos culturais que influenciaram o idioma no Brasil, como as festas, a culinária, o futebol e o carnaval. A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, foi uma das autoras dos textos que serviram de base para os roteiros. De passagem pelo Brasil, ela fez questão de ir ao museu e se disse impressionada com a qualidade dos filmes sobre aspectos culturais como comida e religião. "Achei-os muito interessantes e informativos, com imagens fortes e esteticamente sedutoras", avalia. Para Manuela, o museu conseguiu mostrar o dinamismo e a variedade da língua, o que já é uma mudança no preconceito lingüístico de que a língua seria apenas a norma culta.

    TOTEM CAÇA-PALAVRAS A história da língua prossegue no espaço "Linha do tempo", onde estão os resultados da pesquisa de Ataliba de Castilho sobre a origem e a evolução do português, onde está, também, um grande painel com parte da história das línguas indígenas e africanas que formaram o português do Brasil. No final desse espaço, há o "Mapa dos falares", que reforça a idéia de variedade já presente na Grande galeria. A próxima etapa da visita é o setor chamado "Palavras cruzadas", que amplia essa idéia da formação do português brasileiro e apresenta oito totens dedicados às línguas indígenas, às africanas, às dos imigrantes, ao espanhol, ao inglês, ao francês e ao português falado em outros países. Em cada totem, há um monitor interativo onde o visitante pode aprender quais palavras usadas por nós têm origem nessas línguas. A interatividade também aparece no "Beco das palavras", onde o visitante brinca, juntando radicais, prefixos e sufixos, em um jogo de formação morfológica das palavras criado por Marcelo Tas, com o apoio do etimologista Mário Viário.

    Para Manuela Cunha, "o desafio é associar a palavra ‘museu’, que evoca uma coleção de artefatos prontos, didaticamente exibidos, com um tema – a linguagem – que se faz e refaz no uso. De certa forma, o museu faz com o espaço o que ele pretende mostrar que fazemos com a língua: uma reinvenção", diz a antropóloga.

    UMA OU QUANTAS LÍNGUAS? O lingüista Aryon Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB, um dos consultores para o desenvolvimento de conteúdo das telas multimídia, revela que a palavra "museu" surgiu durante o processo de concepção do espaço, que desde a sua origem já mostrava o foco no português, em detrimento das línguas minoritárias faladas no Brasil. Na opinião do lingüista, é preciso que o novo museu esteja aberto para reajustes e revisões periódicas, para continuar mostrando integradamente a realidade lingüística e cultural do Brasil. "Pode ser que, aproveitando a experiência formidável dessa realização, venha a ser concebido um Museu das Línguas do Brasil, com maior espaço para as numerosas línguas indígenas, para mais informações sobre as línguas africanas e sobre as mais de vinte línguas de minorias européias e asiáticas", completa.

     

    Rodrigo Cunha