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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.3 São Paulo jul./set. 2006

     

     

     

     

    TURISMO

    Comunidades locais são pouco beneficiadas com megaprojetos

     

    O desejo de férias em uma praia paradisíaca move a maioria dos turistas brasileiros e estrangeiros e, no Brasil, esse é um mercado em expansão. O desembarque de passageiros domésticos aumentou quase 18% em 2005, em relação ao ano anterior. A entrada de mais de 43 milhões de turistas no Brasil é o principal propulsor dos grandes empreendimentos em áreas até bem pouco tempo sem qualquer infra-estrutura de desenvolvimento. Em casos como esses, especialmente no litoral nordestino, a população local acaba desapropriada de seu espaço, convertida em mão-de-obra barata, uma vez que, por conta da deficiência de ensino e formação profissional, acabam longe das oportunidades que o luxo e o conforto desses hotéis e resorts oferecem.

    Ao abandonar atividades tradicionais como a agricultura, o artesanato e a pesca, pela ocupação desordenada dessas regiões, os residentes acabam em profunda desvantagem nessa troca. É o que identifica a pesquisadora de geografia humana da Universidade de São Paulo (USP), Ana Maria Marcelino. Os cargos mais bem remunerados como chefe de cozinha e administrador de hotéis – ficam para quem vem de fora. "Falava-se que o turismo era a galinha dos ovos de ouro, mas ele não implica em tantos benefícios à população local", afirma.

    O turismo atrai investimentos em infra-estrutura, como saneamento básico, recuperação do patrimônio histórico e proteção ambiental. No entanto, os atuais empreendimentos faraônicos transnacionais no Nordeste (portugueses, espanhóis e americanos, principalmente), são realizados sem levar em conta os interesses da população, pondera outra geógrafa da USP, Adyr Balastreri Rodrigues. Os impostos cobrados da comunidade acabam direcionados a obras de infra-estrutura para os turistas em vez de serem empregados em benefício social para a população nativa, acrescenta.

    NA BAHIA A construção de grandes hotéis no litoral baiano tem provocado uma queda-de-braço entre a população local e os empresários. No empreendimento Costa do Sauípe – cujo principal acionista é a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) – estão em construção 62 hotéis e 60 pousadas. Cinco deles já estão prontos na fazenda de um único proprietário que apresenta em sua paisagem dunas, restingas, mangues e trechos da Mata Atlântica. A construção da rodovia Linha Verde – ligando a praia do Forte ao povoado de Mangue Seco – já significou um impacto na Área de Proteção Ambiental (APA) do litoral norte, de onde a população retirava sua fonte de renda, como palha de piaçava, material utilizado para o artesanato feito principalmente pelas mulheres. A propriedade foi fechada e as artesãs tiveram seu acesso à mata dificultado, assim como frustou-se a expectativa de geração de empregos, que acabou não ocorrendo.

    O pesquisador da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Célio Andrade, chama esse modelo de exógeno, que não leva em consideração as especificidades e opiniões dos residentes. Ele analisou o programa social sustentável do empreendimento da Costa do Sauípe (Berimbau) voltado a atenuar os conflitos do local. "O que se constatou é que os complexos turísticos estão na era pós-industrial e a população está no período pré-industrial", compara.

    Houve a expulsão de moradores pré-existentes de locais privilegiados como perto de mar ou rios e os espaços naturais vão sendo ocupados pela estrutura turística. O empreendimento voltado para as classes A e B teve problemas já com o recrutamento de funcionários. No local, o índice médio de analfabetismo fica em torno de 22%, chegando a mais da metade em algumas vilas. Há tentativas de contornar a situação com o fortalecimento das cadeias produtivas, tais como a pesca e o artesanato, pois, como Andrade observa, os hotéis perceberam que o turista também quer interagir com a população.

    FRAGILIDADE Construções de grande porte sobre ecossistemas frágeis como dunas e restingas também podem ser encontrados nos estados do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco e de Alagoas. Em contrapartida, também na região Nordeste, há locais como a Prainha do Canto Verde, onde a comunidade participa da gestão do turismo. Porém, trata-se de uma comunidade bem pequena, com um outro modelo turístico, ressalta Adyr Rodrigues.

    PROGRAMAS OFICIAIS Apesar de esforços governamentais e institucionais para a integração da população com o turismo, ainda não se pode aliar a atividade ao desenvolvimento sustentável, na opinião da pesquisadora. No Nordeste, as iniciativas como o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur I e II), financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco do Nordeste, têm como meta melhorar a qualidade do turismo e de vida dos residentes nas áreas exploradas. Mas esses programas – que movimentaram recursos da ordem de US$ 670 milhões (Fase I) e US$ 400 milhões (Fase II) – tendem a excluir a população residente porque estão moldados em projetos de grande porte. "A situação pode melhorar quando a população estiver organizada, assim terá mais chance de reivindicar participação", conclui .

     

    Paula Soyama