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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.3 São Paulo jul./set. 2006

     

     

     

     

    ENTREVISTA

    Cooperação transfronteiriça para conservar a Amazônia

     

    Cada vez mais globalizado, o mundo começa a abarcar iniciativas multinacionais também no meio ambiente, afinal, a natureza não respeita as fronteiras criadas pelo homem. Entre elas está o modelo de conservação transfronteiriça que prevê cooperações entre as nações ou regiões que detêm determinado ecossistema (terra, mar, montanha etc), para garantir a proteção e a manutenção da diversidade biológica e os recursos naturais e culturais associados a ela. Charles Besançon, chefe do Programa de Áreas Protegidas do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma) e co-líder da força-tarefa de conservação transfronteiriça da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), falou à Ciência e Cultura sobre os desafios e as possibilidades de conservar os quase 7,6 milhões de quilômetros quadrados da maior floresta tropical do mundo: a Amazônia. A floresta está, sobretudo, presente no Brasil (66%), mas também em outros oito países (Bolívia, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Suriname, Guiana Francesa e Guiana). "A Amazônia é um local no mundo de tamanha importância biológica e cultural que somos obrigados, como cidadãos globais, a tomar uma atitude", afirmou, adicionando que cada um deve estar ciente do seu papel para diminuir as pressões sobre a floresta mais megadiversa do planeta.

    Quais são os principais entraves para a preservação da Amazônia?

    CHARLES BESANÇON: O caso da Amazônia, infelizmente, no que diz respeito a áreas protegidas e conflitos, não é único no mundo. Ao redor do mundo existem exemplos de comunidades locais, freqüentemente pobres, cuja sobrevivência depende de sua ligação ao meio ambiente e, em muitos casos, a criação de áreas protegidas pode restringir o acesso a estas áreas vitais. Isto é particularmente verdadeiro em períodos de estresse ambiental, quando há seca, fome ou algum tipo de desastre natural. Para complicar as questões que listei, há o fato da Amazônia cruzar a fronteira de nove países, o que dificulta a proteção excessiva, uma vez que existem literalmente dúzias de unidades administrativas responsáveis por diferentes aspectos de proteção. O único meio aceitável de se proteger efetivamente a Amazônia é através do envolvimento completo das populações locais nos processos de decisão e do uso de conservação transfronteiriça.

    Como a proteção de áreas transfronteiriças deve lidar com perfis complexos como o da Amazônia?

    Não existe "uma" estratégia de conservação que funcionará na Amazônia. A complexidade da Amazônia requer, primeiramente, a priorização de áreas-chave de biodiversidade nas quais as ameaças são maiores que o desenvolvimento de estratégias padrão. Onde existe a confluência de fronteiras internacionais, é imperativo reunir as várias constituições para juntos decidirem a melhor forma de cooperar para alcançar objetivos acordados mutuamente. Em alguns casos, faz sentido assinar tratados bi ou tri nacionais. Em outros, as autoridades de áreas protegidas que confluem nas fronteiras podem desejar planejar conjuntamente projetos ou se reunir para conduzir um planejamento ou treinamento de administradores em conjunto. Em outros casos, ainda, pode ser suficiente aos administradores de áreas protegidas simplesmente trocar contatos para comunicarem-se mais facilmente. A chave aqui é compreender a situação completamente antes de se tentar qualquer intervenção de conservação ou desenvolvimento para se economizar tempo e dinheiro. Mas os maiores desafios incluem a complexidade dos parceiros institucionais que trabalham na região e seus múltiplos objetivos, além dos altos custos de se trabalhar nas grandes distâncias da Amazônia, as dificuldades (e, novamente, os custos) de se trabalhar em um ambiente com tantas línguas diferentes e por último, e talvez mais importante, os desafios enfrentados pelas nações do mundo em desenvolvimento, ao que se refere a sua capacidade para administrar áreas de conservação.

     

     

    É possível proteger áreas vastas como a Amazônia sem recursos de nações desenvolvidas? Em outras palavras, áreas transfronteiriças demandam recursos transfronteiriços?

    Na minha experiência, uma das formas mais usuais de engajar conservacionistas e as comunidades locais em um contexto transfronteiriço é através de encontros regulares em diferentes localidades que tratem de diferentes tópicos de interesse mútuo, nos quais os múltiplos parceiros possam aprender uns com os outros. No caso da Amazônia, os custos desses encontros seriam extremamente elevados devido à vasta distância e falta de uma infra-estrutura de transportes sólida na maior parte da região que é subdesenvolvida. Em função dos custos muito altos dos encontros e para se fazer qualquer outro tipo de programa de conservação regional – além da pobreza que muitos países enfrentam – recorrer a fontes internacionais de financiamento seria crucial para o sucesso.

    Uma das maiores polêmicas é a "internacionalização" da Amazônia. Em sua opinião, a floresta deve ser gerida e preservada pelos países a que pertence ou, por ser um patrimônio internacional da biodiversidade e clima globais, ela deve ser administrada por meio de uma cooperação multinacional?

    Os programas de conservação nunca funcionam quando se impõem sobre os direitos das populações locais ou sobre a soberania dos países. Nenhum país irá permitir que uma entidade externa tire seus direitos sobre recursos naturais que lhe pertencem. No entanto, considero que a Amazônia é de tamanha importância biológica e cultural que somos obrigados, como cidadãos globais, a tomar uma atitude. Acredito que essa ação deve ser na forma de doações monetárias para organizações de conservação ativas na região e através de ações em nossos países para diminuir as pressões sobre a Amazônia. Por exemplo, através da compra de café que é conhecido por financiar a sobrevivência de povos locais, o chamado café fair trade, e dando suporte a outros produtos e planos de investimento que permitam a existência da floresta e da biodiversidade.

    É possível afirmar que o modelo transfronteiriço é a tendência futura da conservação ambiental?

    Não diria que a conservação transfronteiriça representa "o futuro" da conservação. Esse modelo representa uma estratégia, entre muitas, que tem tido algum sucesso. É importante compreender os diferentes contextos em que há sucesso e que fatores estão circunscritos nele. O que a conservação transfronteiriças faz, no entanto, é oferecer uma alternativa para que a humanidade solucione algumas das questões ambientais de uma forma passiva e cooperativa. Trata-se de um conceito realmente simples compreendido pela maioria das pessoas e ensinado por nossos parentes: que a melhor maneira de se alcançar nossos objetivos é trabalhando em conjunto e respeitando um ao outro.

     

    Germana Barata