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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.3 São Paulo July/Sept. 2006

     

    CINEMA

    HISTÓRIA DE DEZ ANOS DE PRODUÇÃO DIGITAL INCLUI BRASILEIROS

     

     

    Como de costume, uma das maiores bilheterias do cinema de animação digital no ano até agora é um filme norte-americano, A era do gelo 2. Nenhuma novidade, não fosse o diretor dessa seqüência o animador brasileiro Carlos Saldanha, co-diretor de A era do gelo, lançado em 2002, e atualmente um dos animadores brasileiros de destaque no exterior, com uma carreira promissora em Hollywood. Para Wilson Lazaretti, diretor do Núcleo de Animação de Campinas e professor da Unicamp, o fato reforça a qualidade técnica dos profissionais brasileiros. "Os recentes trabalhos em animação mostram que dominamos técnica e tematicamente a produção. O que nos falta, entretanto, é um ambiente intelectual de discussão acerca do que produzimos. Precisamos de críticos de animação de bom nível, de filósofos da animação e, principalmente, de produtores de animação com conhecimento".

    O envolvimento de brasileiros com o cinema de animação digital vem de antes da série A era do gelo. Há dez anos era lançado o primeiro filme inteiramente digital já feito no mundo. Quem pensou em Toy story (1995), dirigido por John Lasseter, passou perto mas errou. O filme pioneiro ao qual nos referimos não era americano, muito menos uma superprodução da Disney. Na verdade era um filme brasileiro, produto do esforço de uma equipe dirigida pelo cineasta Clóvis Vieira. Iniciada em 1992, a animação Cassiopéia levou 4 anos para ficar pronta, com orçamento de US$ 1,2 milhão. O filme narra a aventura de salvamento do pacífico planeta Atenéia, na constelação de Cassiopéia, que está tendo a energia de seu sol drenada por uma espaçonave com alienígenas belicosos, vindos de outra dimensão.

     

     

    Clóvis Vieira conta que Cassiopéia preparava-se para ser o primeiro longa-metragem digital, com a possibilidade de arrebatar um Oscar técnico, não fosse uma série de contratempos e a poderosa mobilização da Disney na época. O diretor relembra: "quando nós já tínhamos prontos 40 minutos de Cassiopéia, o filho do meu sócio, que mora em Nova York, ligou avisando que, de acordo com a imprensa, a Disney soubera que na América do Sul estava sendo feito um filme totalmente em computação gráfica, e iria investir US$ 50 milhões para se antecipar e terminar um projeto equivalente em primeiro lugar". Conseguiu. Mesmo tendo sido iniciado depois, Toy story, produto de uma união apressada entre a Disney e a Pixar, acabou sendo lançado meses antes de Cassiopéia, com ampla divulgação mundial.

    DIFERENÇAS TECNOLÓGICAS Enquanto Toy story era criado com softwares de última geração em poderosas estações Sylicon Graphics (equipamentos projetados exclusivamente para trabalhos gráficos em 3D e edição de imagens), Cassiopéia era produzido em 17 PC’s 486 ligados em rede, por uma equipe bem menor. Vieira destaca que Cassiopéia mantém o pioneirismo de ser o primeiro longa-metragem feito em computador pessoal – "o que não foi propriamente uma escolha, mas a única opção que tínhamos, em função do orçamento".

    Como o sistema era lento, o diretor comenta que cada animador trabalhava com dois micros. Enquanto era feita a pré-visualização (preview) de uma cena numa máquina, o animador trabalhava em outra. Um preview levava até duas horas, contra uma média de dois minutos nos equipamentos atuais. Diariamente as cenas concluídas eram enviadas a um micro destinado apenas à renderização (processo de finalização dos arquivos de imagens). Quadros de cenas mais complexas chegavam a levar 56 minutos de renderização. "Houve cena de 15 segundos que levou 15 dias para ser renderizada, com o computador trabalhando dia e noite ininterruptamente", lembra Vieira.

    Além dessas dificuldades, a equipe teve que enfrentar o revés de ter oito microcomputadores roubados durante a produção, o que acarretou um atraso considerável. "Quando o filme estava perto de ser finalizado nos EUA, com lançamento previsto ainda em 1995, um erro dos profissionais americanos na transposição da imagem digital para a imagem ótica nos atrasou mais três meses", lembra Vieira. Toy story passava na frente e era lançado com grande estardalhaço em novembro de 1995. Cassiopéia, concluído ainda em 1995, não conseguiu salas para exibição devido à concorrência de Toy story.

    TOTALMENTE DIGITAL Mesmo ofuscado pela superprodução da Disney-Pixar, produzido em equipamentos modestos e lançado com atraso em circuito bem mais restrito, Cassiopéia pode ser considerado o primeiro longa-metragem digital já realizado. Isso porque os personagens de Toy story, visualmente mais complexos, foram modelados primeiro fora do computador, em bonecos de argila, e depois digitalizados, por meio de scanner tridimensional. Já Cassiopéia foi totalmente criado em PC’s desde o início, resultando num longa metragem 100% digital. "Se você perguntar qual o primeiro filme em computação gráfica lançado no mundo, a resposta é Toy story, mas se você perguntar qual o primeiro filme totalmente digital, matemático, aí é o Cassiopéia, pois é 100% computação gráfica, nenhuma imagem foi construída fora do computador. Foi tudo a partir do software e do algoritmo", comenta Vieira

     

     

    De Cassiopéia e Toy story até hoje, a tecnologia do cinema digital progrediu vertiginosamente, desembocando em animações elaboradas como Final fantasy (2001), de Hironobu Sakaguchi e Moto Sakakibara, ou filmes que misturam recursos digitais a cenas live action, como a trilogia Matrix, dos irmãos Wachowsky, ou a série Homem-aranha, dirigida por Sam Reimi. Filmes como esses sugerem cada vez mais que, se não formos muito observadores, corremos grande risco de tomar um personagem virtual como pessoa de carne e osso. José Mario De Martino, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, autor da tese "Animação facial sincronizada com a fala: visemas dependentes do contexto fonético para o português do Brasil", considera que um dos principais objetivos dos esforços de pesquisa na área de simulação digital tem sido a procura de técnicas e métodos para a produção de animações altamente realistas, que possam ser confundidas com o vídeo de uma pessoa real".

     

    Alfredo Luiz Paes de Oliveira Suppia