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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2006

     

     

     

     

    POLÍTICA DE INCLUSÃO

    Polarização no debate das cotas encobre diversidade das ações afirmativas

     

    As polêmicas cotas entraram, definitivamente, na agenda nacional. A discussão polarizou-se nas posições contrárias e a favor da reserva de vagas para negros, o que tende a homogeneizar as diferentes políticas adotadas por universidades públicas, estaduais e federais. As diferenças entre os programas adotados por essas instituições, que utilizam diferentes critérios como renda, cor, raça/etnia, origem escolar ou diferentes percentuais para reserva de vagas, têm ficado em segundo plano. Além disso, as cotas são uma dentre outras modalidades de ação afirmativa, cujo princípio é focalizar grupos historicamente discriminados.

    A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) foram as primeiras instituições a adotar o sistema de cotas, em 2002. Dados do Ministério da Educação até agosto deste ano, mostram que 29 universidades públicas já adotaram algum sistema de cotas. Entre elas, 22 combinam critérios socioeconômicos e étnico-raciais, reservando vagas para alunos egressos de escolas públicas, negros e indígenas.

    A Universidade Federal da Bahia (UFBA), por exemplo, no vestibular de 2005 implantou um sistema que reserva 45% das vagas para alunos que tenham cursado os três anos do ensino médio e mais um ano do ensino fundamental em escolas públicas. Dessas vagas, 85% destinam-se, ainda, aos alunos que se identificam como pretos ou pardos. Foram reservadas 2% para quem declarar ascendência indígena (chamados índio-descendentes) e duas vagas, de cada curso, para índios que vivem em aldeias e estudantes de comunidades remanescentes de quilombos. Há instituições que optaram por um programa de ação afirmativa sem cotas, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a primeira instituição a adotar um sistema de pontuação.

    A QUESTÃO DO DESEMPENHO O desempenho dos alunos cotistas – no vestibular ou também na graduação – ganhou relevância no debate político em curso. Um dos argumentos contrários ao sistema de cotas é o possível comprometimento da qualidade do ensino superior ao permitir a entrada de alunos despreparados. "As cotas permitem o ingresso de estudantes com médias mais baixas, mas isso não implica, necessariamente, que a qualidade do ensino será reduzida. A performance no vestibular não determina o desempenho do estudante ao longo da graduação", afirma Delcele Queiroz, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Foi o que a pesquisadora confirmou em seus estudos, iniciados em 1993, trabalhando com a questão da desigualdade no ensino superior. Uma das pesquisas, realizada em 2001, trata do desempenho acadêmico de homens, mulheres, negros e brancos no vestibular e no terceiro semestre de graduação na UFBA. Os homens brancos tiveram as médias mais elevadas, num maior número de carreiras, em seu ingresso à universidade mas, ao comparar com o rendimento no curso, a situação se inverteu: os negros e as mulheres atingiam as médias mais altas.

    "Grupos submetidos a situações de discriminação vão para a competição sofrendo esse peso, se sentindo fragilizados; ao conseguirem ultrapassar esse momento da competição, demonstram sua real capacidade e tendem a se esforçar mais durante o curso", avalia a pesquisadora

    ACESSO A autodesqualificação que os alunos negros costumam sofrer por conta do racismo os afasta da disputa pelo acesso à universidade. Muitos não se reconhecem com legitimidade, se sentem "fora do lugar" ou sequer cogitam concorrer a uma vaga numa universidade pública já que esta, historicamente, sempre foi um reduto das elites no Brasil. Para reverter esse cenário, o Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília (UnB) – que adotou o sistema de cotas para negros em 2004 – criou, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, o projeto "Cotistas nas escolas": alunos ingressos na UnB pelo sistema de cotas visitam as 57 escolas públicas de ensino médio do Distrito Federal para divulgar esse processo seletivo. Para tanto, recebem bolsas que variam entre R$ 200 e R$ 450, de acordo com o número de horas dedicadas ao projeto.

     

     

    Jaques Jesus, psicólogo e assessor de Diversidade e Apoio aos Cotistas da vice-reitoria da UnB, afirma que o foco da universidade não é a divulgação de números e estatísticas sobre o desempenho dos cotistas porque não há expectativa de que ele seja diferente dos demais alunos. "Nossa preocupação é com a questão da permanência, com a profissionalização e a boa formação acadêmica dos cotistas", diz o assessor.

    INCLUSÃO Democratizar o acesso à universidade de grupos historicamente excluídos, adotando-se soluções alternativas às cotas, é a proposta adotada em 2005 pela Unicamp. Foi criado o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), um sistema de pontuação para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio numa escola pública que recebem, na segunda fase do vestibular, 30 pontos a mais na nota final. Dentre esses, os que se identificarem como pretos, pardos ou indígenas recebem mais 10 pontos.

    Na avaliação feita pela universidade, os alunos beneficiados pelo programa tiveram não só uma melhora em relação ao desempenho no vestibular mas também um rendimento acadêmico médio maior, em 29 dos 55 cursos da Unicamp em 2005. Segundo dados da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), o destaque foram os cursos de física noturno (rendimento 14,4% maior), engenharia agrícola (11,5%), tecnologia em construção civil (9,3%), estatística (8,1%) e música-composição (7,1%).

    Pioneiro no Brasil, esse sistema de pontuação não se restringe mais à Unicamp. No estado de São Paulo, as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) implantaram um sistema semelhante: candidatos oriundos de escolas públicas ganham pontos extras na nota final assim como candidatos que se auto-declarem afrodescendentes. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) adiciona pontos às notas finais se o candidato tiver cursado o último ano do ensino fundamental e todo o ensino médio na rede pública. A Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal Rural de Pernambuco concedem bônus de 10% na classificação final para aqueles alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas da região metropolitana do Recife e instituições de ensino do interior do estado, respectivamente. Dentre essas universidades que adotaram o sistema de pontuação, apenas a Unicamp atribui pontos extras a partir da auto-declaração de cor/etnia dos candidatos.

    "Acredito que, conforme as universidades federais continuem a implantar programas de ação afirmativa próprios, a discussão sobre cotas perderá força. Seria muito bom que a autonomia universitária fosse respeitada", diz Leandro Tessler, coordenador executivo da Comissão de Vestibulares da Unicamp (Comvest).

     

    Carolina Cantarino